HISTORIA
DE |
PORTUGAL.
“TOMO DECIMO QUARTO.
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HISTORIA
GERAL
DE i
PORTUGAL,
= E SUAS CONQUISTAS,
OFFERECIDA. b
A RAINHA NOSSA SENHORA
D.MARIA I.
POR
DAMIAÓ ANTONIO DE LEMOS
FARIA E CASTRO.
TOMO XIV.
LISBOA,
NA Tyrrograria ROLLANDIANA..
17809.
Can licença de Reel Meza da Commifjas Geral
dobre o Exame, c fenere dos Livros.
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im papel: Mêza ; de Julho de 1789.; i
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- Rei deCambaya. E a
» VI. Do que obrou o Governador
“INDICE
DOS CAPITULOS,
“LIVRO XLIX
APITULO I. Continuaçad do fitio
. de Dio, até a chegada de alguns dos
“Joccorros, que fabirai de Goa. ı
~ » II. Da viagem de D. Alvaro de
Cafiro em foccorro de Dio com os mais
fucceljos depois da fua chegada. 15
~- II. Os foldados de D. Alvaro de
Caftro pedem amotinados a D. Foa
Mafcarenhas os leve a atacar os ini-
migos no campo , com os mais fucceljos
do fitio até a chegada do Governador
- da India.
Paen od 30
» « IV. O Governador D. Foaô de Caf-
“tro defpede de Baçaim a D. Manoel
de Lima para infefiar a cófta de Cam-
- baya : elle chega a Dio, e refolve
. dar batalha campal ao Exercito: de
— Sultağ Mamud. >.. 45
» e V. Efcreve-fe a gloriofa batalha
de Dio, em que D. foaô de Cafiro
venceo o Exercito de Sultad Mamud,
` to
= D.Foab de Cafira depois de vencida
E a
a famofa batalha de Dio, e outros
Juecelos defle annos > . mg
CAP. VI. Do que obron D. Foað de Caf-
tro em Dio até fe recoiber a Goa, e
- das expedições de D. Manoel de Lima,
`~ e de D. Jorge de Menezes Baroche
na cdhia de Cambaya. 86
+ - VIH, Da milagrofa victoria, que
os Portuguezes dè Malaca alcançarad
- dos Achons pela oraças de $. Francifco
Xavier, é . 100
| =o LIVRO ML.
CAP. I. O Governador da India D. Joað
de Cafiro parte para Cambaya com
` huma profa Armada; o que lhe fuc-
` cedo: o aquelle Rei em pelloa com
15003900 homens ,- aprefenta batalha
som s9j0co Portaguezes. r13
- > IL ELRei nonea a D. Joaô de Caf-
sro Vifo-Rei da India : fua morte, e
qualidades com os fuecefos de Garcia
de Sá. . 126
+ - III. Dos acontecimentos da Ameri-
ca, Africa , e Eúropa nefie armo de
| F49. e ‘e. 140
a = IV. Contihta a materia do Capitulo
- precedente , quanto dos negocios. da
Earopa , até ao principio do péverno
de Forge Cabral na-lúdia: - ar 5
CAP. V. Daexpediças do Governador
Forge Cabra! fobre Bardelá , e ontros
Jucceljos do feu tempo nàs Molucas. 169
< - VI. Continsaô os futcefos das Mo-
- ducas, Ra RR : 182
o» VII. Do que aconteceo em África, e
em Malaca nefie anno de isso. 192
> - VIU Da expediçaðğ de D. Antad de
` Noronha fobre Catifs , e Baçorä , com
outros fucceffos da cófia de Afrita, e
de Ceslad. . © e 266
| LIVRO LI.
CAP. I. Trara-/e de Mifjaô de S. Fran-
cifco Xavier à China . aonde morreo.e
- Oque òbrou o Baxá de Baçorá depois da
retirada de D. Antab de Noronha. 220 `
>- I Do que foccedeo a Pirbec depois
do fítio de Ormuz; como a Armada
Turca foi defiruida pelos Portapuezes,
- è outros fuccellos defle anno de x652 em
gr partes do Mundo. 231
e- li
L. Continuaçao dos Juttefos da '
India no anno de i853. 246
e - IV. Tratab-fe os jucceijos de Porta-
' gale de Africa nefte anno de 1554.258
= V. Continunçao dos juccefos da In-
dia nefie enne de issig, RA:
o» VI. Coninual os fucceífos da India
no goveras de Erantilco acid 289
f
CAP. VII. Por ocrafiad das nãos do Reino,
que efle anno chegáraô a Goa, fetra-
tað das novas urdens REl Rei a ref-
peito dos negocios da Ethiopia , e como
_ foraô executadas pelo Governador da
India, Es i : 300
LIVRO LII
CAP. I. Do que obrou o Governador
- Francifco Barreto em Baçaim fotre
. Cambaya , e arefpeito da Embaixada,
que lhemandou o Rei de Ginde. 308
- - I. Succefjos de Portugal, e Africa
nofim do anno de 1546, e os do anno
de i557. ec. 318
-~ =- II. Trata:fe da guerra do Hidalcað
~ pas terras firmes de Bardez , e Sal-
cete , e de outros fucceffos da India
äehe anno de i557 . 329
«e IV. Continuaçað da guerra de Goa,
e outros fuccefjos da India. 34
-~ - V. Tratafe da Embaixada, que o
Governador mandou «o Nizamaluco ,
e os [ucceljos , que fe lhe feguirad. 352
~- VI. Conclue:fe o governo de Francif»
co Barreto , e fe deixa tratado omodo
da eleiçaô do Vifo-Rei D. Conftantino,
e a [ua partida para a India, 361
- VII. Efcreve-fe a morte d'El-Rei
D. foab III. , ofeucaratier a.e ge
| | . 36
> `
. “
didades,
tido Eni Pee
REETIS RTEA
HISTORIA GERAL
PORTUGAL.
LIVRO XLIX.
Ds Hiftoria Moderna de Portugal.
CAPITULO I.
Chutinnaçad do fitió de Dio, até a che:
gada de alguns dos foccorros ; qüe
fabiraô de Goa.
pda
H. confideravel Exercito do po: Efa id
15
derofo Rei de Canibaya havia quatro
mezes batendo as fracas paredes da
Fortaleza de Dio ; mórtos nelle dous
grandes, Generaes , + € alguns milbares
TOM, XIV. Á de
2, - HisrorIA GERAL
Era vulg. d2 foldados ; mallogrados tantos aflal..
tos repetidos, fem fe recolher fruéto.
de deípezas avultadas : todos eltes mo-.
tivos fizéraô que Sultaô Mamad im-
paciente reprehendefe com aípereza
a Rumeção , enviando-lhe hum refor-
ço de Isg)oco homens com ordem de
cortar as dilações do tio com avan-
ces promptos. Rumecaô atacado de
duas affrontas, huma dos mãos fuecel-.
fos, outra da teprehenfad , arrojou-fe
a confummar envergonhado a acçaô,
que nað apego valerofo, Elle fez levan-
tar a toda a prefla huma nova obra de-
fronte do Baluarte S, Tiago ,.que do-
minava o centro da Cidadella. Em hu- |
ma noite lha derrubárað com cem ho- ,
mens os dous irmãos D. Joað , e De
Pedro de Almeida. Sem perderem hum
homem, elles degolláraő trezentos. Ru-
mecaô mudou de idéas , e quiz fechar.
de groflas paredes a face do Baluarte .
S. Joad; mas. em outra noite quatorze.
foldados as deitárað a terra, paflando.
antes á efpada todas as guardas, que |
dormiaôd. Eos o, =
Rumecad attonito com eítes atres;
s; ! ; Vi»
a = rpm Bap — m ma pe
DE PORTUGÁL, LIV. XLIX. 3
vimentos , defafloga á cólera em hum Era vulg.
aflalto contra os Baluartes S. Joaő , e
S. Phomé para fentir terriveis os effei-
tos do noflo fogo. Elle fe ateava nos
. veftidos de algodad , que ttaziad os
feus foldadós , quando os Portuguezes.
ao contrario o defprefávað armados com
todas as peças, dé boas luvas, de bor-
zeguins, e eolletes de couro : unifór-
me , que fahando para elle a materia, .
D. Joaô Mafcarenhas diftribuio pelos
foldados as tapiffarias das fuas calas;
que éraô de couro dourado , e os mof-
trasá Objestos proprios para os Poetas
os defcreveteim em peitos de aça artnas
de ouro. Em fim, os inimigos abraza-
dos fe retirárrG com perda , fem nós
termos a de um fó homem, Efeito fe-
nielhante experimentáras os Barbaros
poucos dias depois no aflalto, com que
Rumecad hofpedou a Jufatcad + fobri-
nho dó morto do mefmo nome , que
chegou -ào campè com outro reorgo
para: vécupar o cargo do tio.
-Sendo 6 graridés os trabálhos , que
aos fitiados caufavaS inimigos podero-
føs 2 Toborbos, e efeafidátifados ; elles
A ii naĝ
4 Historia GERAL
Era a volg, vað tinhað comparaçgað com os que to-
leravað heróicas as conftancias no in-
terior da Fortaleza. A guerra , e as
doengas lhes tinha6 arrebatado 150 ho-
mens ; haveria sãos 250 facrificados a
fadigas continuas. A fome era extrema :
já fe comiaõ ratos, cães, gatos, e on-
tros fevandijas ingratos ao gofto , afca-
rofos à natureza. Vendia-fe huma gra-
lha por quatro, cinco cruzados, e fe
eftimou providencia apparecerem ban-
dos deftas aves, que parecia fe lhes in-
fundira huma virtude nova para o ali-
mento da fua carne curar os enfermos.
Eftavad acabadas as munições: nað ha-
via mais polvora , que aquella , que dia»
riamente fe fabricava. Para ella faltas
vaő panelas, que erað a nofla melhor
defenfa: efta falta fupprio o Governa»
dor com as telhas unidas cada duas com
os vãos para dentro , betumadas as boc-
cas , € que arrojadas entre os inimi-.
gos , caufavad os mefmos efleitos das
panelas.
Nefta trite figura eftava a Praca,
quando chegou em hum navio de Ba-
gaim , e Chaul com alguns foldados o
Re
ea mm rir mp
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. g
Padre Capellaó , que com audacia fupe- Era vulg.
rior rompeo as ondas encapeladas do
golfo de Dio, Elle deo ao Governador
á vifta de todos a agradavel noticia, de
que naquellas Cidades ficava6 çoo ho-
mens de foccorro , que feriaõ viftos da
Fortaleza na primeira vaga, que o mar
fizefle. Balou efta- efperança para fe
defterrarem das memorias as imagens
dos trabalhos paflados, e as contingen-
cias dos futuros : mas D. Joa Mafca-
renhas andava cuidadofo por naó faber
o que os inimigos paflavad no campo,
Para o tirar defta dúvida fe lhe offere-
ceo o deftemido Martim Botelho, que
com dez bravos marchou à ponte: ef-
perou -os Mouros! ataçou, e derrotou
dezoito : atracou-fe com hum Nobya-
no de defmarcadas forças, e corpulen-
cia : troyxe-o perneando , mordendo,
e gritando á Fortaleza. Delle foube o.
Governádor: Que Rúmecaó defconfia-.
va do bom fucceflo do fitio : que os
foldados ferviaô com violencia : que às
mãos dos Portuguezes eraô já mortos
cinco mil, os feridos muitos, o temor
geral, |
- Já
Era vulg.
6 Historia GERAL.
Já defenganado aguelle General pe-
la repetiçaó dos aflaltos fem proveito,
advertio que era neceflario ajuntar á
força a indúftria , a habilidade ao vae
lor. Procedendo conforme as regras da
arte, aplicou os Mineiros ao baluarte
S. Joaô, e para divertir os fitiados de
perceberem efta obra , mandou por
muitas partes picar o muro com movi-
mentos, que chamando-os a lugares dif-
ferentes , nað acertaflem para o reparo
naquelle , aonde fe lhes traçava maior
eftrago. Para laborar mais o engano,
logo que a mina foi em eftado de fe lhe
dar fogo, Rumeca65 ufou de novo ar»
tifcio, e fez paflar á Fortaleza comq
defertor hum dos feus intimos confiden:
tes, que nas noticias affedtaffe huma
candura extrema para no ultimo ataque
reprefentado chamar a groflo da guar-
niçaô 30 Baluarte da mina. Elle trahis
dor , fendo aprefentado a D. Joaô Maf-
carenhas, com todos os géftos , que fa-
bem reprefentar os aftuciafos para ins
finuar.(e , lhe dife :
Que elle fentia no fundo da alma
vozes internas, que o chamavaô para
abs
-e e o an a mem ts em mm
— ~ BRs o m
DE PORTUGAL, LIV. XLIX”. 7
Abjurar os feus erros , e abraçar a Reli- Era vulg.
giaô Chriflã; defignio principal, que
o trazia á fua prefença para promover
. huma obra tað fanta; Que ew quanto
aos negocios de Cambaya , Sultaô Ma-
mud eftava fobprendido com q temor
de huma nova irrupçaO dos Mogores,
agora mais formidaveis , que na pri-
meira guerra. Que com efle receio man-
dára hum reforço de dez mil homens
ao campo commandados por Mojate-
“cab, e ordem a Rumecaô para dar hum
aflalto geral à Fortaleza, e immediata-
mente. levantar o fitio para ir acudir ao
interior do Reino. Que por efta czufa
havia mandado - recolher a artilharia co-
-mo inutil , unicamente fiado ña for-
ça do aflalto no Baluarte de S,Joaó; por
onde efperava entrar , e render a Pra-
Ga antes de marchar para Cambaya , é
que no dito Baluarte devia elle Gover-
nador applicar as forças para o vigor da
rehftencia. |
Todo o mundo crêo efte difcurfo
artificiofo , e fimples do perfido Guza-
rate , congratulando-fe mutuamente os
foldados por lhes chegar o fim dos feus
| tra-
$ Hisrorta GERAL
Eça vulg. trabalhos, como defprefando os perigos
do temerofo aflalto. Para elle fe movê-
rað os inimigos no dia dez de Agofto
com todas as fuas forças precedidas de
hum corpo de quatorze mil dos feus
foldados mais deftemidos , que fe ha»
via6 avançar ao Baluarte da mina, À
maneira defordenada, com que elles a
cada paflo inveftiað , e recuavad, met»
teo ao Governador na defcanfança, de
que o Baluarre eftava minado ; que o
transfugo na fua relaçaô o enganára; E
que nos effeitos da mina os Barbaros
firinavaó as efperanças da viddoria. No
meímo inflante fez avifo a D. Fernan-
do de Caftro, para que elle, e todos
os defenfores dp Baluarte o delampara(»
fem, até verem os eftragas , que nel»
le fazia o fogo , que nað tardava em
rebentar. |
Já todos hiaô a obedecer ás ordens
do feu Chéfe, quando Diogo de Rei-
nofo demafiadamente intrépido , com
valor defgraçado lhes clama : Que he
ito, [enhores , obrigasvos o temor da
- mórte a deixar o lugar que huma vez
pecupales, fuginda fem vêr de que ?
Çon-
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 9
Conforma-fe efa acçaô com a vofla hon- Eta vulg.
“ta? Eu publicarei por hum covarde ao
gue delamparar o feu pofo. À eftas vo-
ges de hum Moço, que já na viagem
do Bítreito déra moftras da (ua temeri-
“dade, voltaô todos, e elle he a caufa.
de fe tornar em deri(aô a ordem de hum
General. Ao meímo tempo rebenta a
mina com eftrondo horrorofo , e eftra-
go lamentavel. Voað pelos ares feitos
pedaços o inconfiderado Reinolo ; D,
© Fernando de Caftro na idade de dezano-
ve annos , levantado , para afiftir á ac-
ça , de huma doenca , que a natureza
fez leve, e o Reinofo mortal; D. Joaô
de Almeida , Gil Coutinho, Ruy de
Soula , Loís de Mello, Alvaro Ferrei-
ra, Triftaô de Sá, e outros até feflen-
ta, que tendo até entaô obrado acções
dignas dos bronzes immortaes , acabá-
rað com fim tað tragico, por obedien-
tes ás vozes de hum temerario. D. Dio-
go de Soufa com huma lança na mað
foi levado por hum troço de parede ao
interior da Fortaleza; aonde ficou em
pé fem receber lezaô. Na mefma figu-
ra cahip no campo hum foldado , que
os
10 - Historia GERAL
Era vulg. os Barbaros fem piedade fizeraô em pól-
tas.
Diflipado o famo , vifta a ruina do Bae
luarte, correm a elle de tropel quatorze
mil homens, gritando viétoria. Mas ad-
mira-te, valor ; fufpende-te , confiança 3
esforça-te , credulidade ; e nada duvide
que cinco homens Portuguezes planta-
dos fobre os deftroços abrazados , elles
fa6 cinco Corifeos intrépidos , que &
tanta multida6 oferecem os peitos co-
mo muralha mais firme, que as arra-
zadas paredes. Vivaô immortaes na me-
moria os nomes de Antonio Peçanha,
de Bento Barbofa, de Sebaftiað de Sã,
de Bartholomeo Correa , do Meftre
Joad, Cirurgiaô-Mór, que longo efpa-
Go de tempo fultentáraô todo o pezo
| do campo contrario (em moverem hum
pé + promontorios da conftancia , efpe-
étaculos da admiraçaS, huns homens ,
que tendo lugar tað illuítre na verda-
de da Hiftoria , elles nos eflaô parecen-
do o efpirito da Fabula. Sem alteraçaô
no animo , impavido na face do perigo,
D.Joa6 Mafcarenhas chega cam quin-
ze foldados 20 lugar do combate, aon-
de
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. 11
de os olhos atonitos manda6 toda A Era vulg.
admiraçadS para as mãos, a invéja hone
rada emprega todo o furor nos golpes,
A fi. melmo fe excedeo D. Joab , já nað
Jembrado de que era Chéfe, mas hum
foldada da fortuna no poder do perigo
commum. |
Ekes vinte homens pozera6 aos Tur-
cos em admiraçaô, fufpendendo a to:
dos , degollando a muitos. Quando el-
les fe confideravaô perdidos , quando
queriaô retroceder, o valor fe lhes re-
dobrava, tomavað corage nova os ef-
piritos, o combate fervia , os inimigos
nað fe avangavad. Entaô entrou pelo
Baluarte o Elguadra6 das Matronas car-
regadas de armas, e munições , na fua
téla a memaravel Ifabel Fernandes ar-
"mada com huma chuca , que entrou a
enfopar no fangue contrario , mettida
no centro dos vinte defenfores genero-
fos. Correo a voz de que a Balyarte
perdido , e ella foi o feu foccorro. De
todos os outras poftos vinhad foldados
a bufcar a mórte entre es coampanheir
ros, que admirárad columnas de matr
more immóveis a tantos repellões , e
; el-
12. Historia GERAL
Era vulg. elles fe levantaô outras fuas femelhan+
tes. Apparece a confortallos o Padre
- Joaô Coelho com a Imagem arvorada
de hum Santa Crucifixo, que commu-
nica aos feus Fiéis esforços divinos, À
cada qual dos feus golpes cahia mais
de hum inimigo : muitos os mórtos ,
principiad os vivos a perder os alentos ,
a declarar-fe a noflo favor a viétoria , a
retirarem-fe os Barbaros. a
Nefle formidavel combate , que
durou do romper do dia até noite: fe-
chada , perdêraó elles igj100 homens.
mórtos , «feridos. Dos noffos os fel-.
fenta abrazados na mina , depois alguns
na defenfa , e dos cinco fómente O,
Meftre Joa6 depois de obrar maravi-
lhas. A noite naő foi hum. tempo de
repoufo para os fitiados. D. Joaô Maf-
carenhas a empregou toda inteira em
retirar de baixo das ruinas aos cadave-.
res, que as mulheres [fepultáraô com:
religio(a piedade, e em reparar. a brés
cha, que appareceo com figura de de-
fenfa , quando rompeo a luz do dia. De-
pois chamou o Governador a Confelho:
os Officiaes , e Soldados , que Eai
: va
DE PORTUGAL, LIV.XLIX. 13
vað com vida , e tendo-os fufpenfos na Era vúlg.*
expectaçaô de o ouvirem, elle lhes fal-
la nee tom heróico: Vós, fenhores ,
eftais vendo efta Praça reduzida ao ul-
timo abatimento , o foccorro longe, O
mar fechado: vós nað ignoraes, que
tudo nos falta: a maior parte dos nof-
fos amados companheiros”, a terra a ef-
conde : outros jazem nos leitos enfer-
mos, e feridos: fó para a fua afiften-
eia (ad poucos os que eftamos sãos,
Eu fou teftemunha do grande valor ,
e palmofa conftancia , com que até ago-
ya vos tendes conduzido. Deftas duas
virtudes , que vos ornaó , infiro eu
que nað haverá entre vós hum fó, que
duvide dar a vida pelo nome de Jefus
'Chrito combatendo contra os inimi-
gos da Religiaô. Depois, lembrando-
me da honra, creio que vós preferi-
reis huma mórte illuftre á affronta de
cahir nas mãos de huma Naçaô pérh-
da. Eu vos chamei para vos dizer com
eftes dous objectos á vifta, que a mi-
nha refolugad he defendermo-nos até
confumirmos as munições , gaftarmos
“Os poucos viveres, e depois dar fogo
aos
14 Historia GERAL |
Esė vulg. 20s edificios; encravar a artiliaria , æ
corpo perdido botarmo-nos fobre effes
Barbaros com a efpada na mað , e pes
lo centro delles , ou abrirmos hum paf-
fo , que fe conte por façanha unica, ou
morrermos todos como Heróes Chrifa
tãos com a gloria deíla efpecie de mar-
tyrio. Ê
Callou D. Joaô Mafcarerhas, e per-
cebeo na complacencia dos animos y
no alvoroço dosefpiritos , que a todos
os feus camaradas: lhes tardava o mo-
mento: feliz de hum feito tað heróicos
"Todos lhe prometrêraõ fer companbeis
ros iffeparaveis da fua fortuna em quaef-.
quer lances , até o ultimo. Cheias as
almas de corage fublime, ellas entrá-
raó a olhar para os Barbaras como -inf-i-
trumento da (ua felicidade ; para a mór-
té como veítibulo pifado , que os in~ -
troduzia no Templo da Honra. Mais.
que nunca o Povo fiek,. unido com hum
{fó coraçaó, e huma fó alma ; quando .
fe prevenia para huma defenfa , como”
fe emtaó principiafle o fítio ; elle. di-
zia às munições, que fe acabaflem;
aos yiveres, que:psrecofiem: para ia |
i na
DEPoRTUGAL, LIV. XLIX. gs
nað retardar a glória da maior heroi- Era vulgi
cidade, que os futuros viventes entre
as épocas mais brilhantes a apontariad
com o dedo por primeira. |
CAPITULO II.
Da viagem de D. Alvaro de Cafiro em
foccorro de Dio com os mais fuccef= >
Jos depois da fua chegada.
N4ô erað fós os fitiados de Dio no
ioflrimento dos trabalhos. Quando el-
les brigavad com homens , D. Alvaro
de Caftro., e D. Francifco de Menezes
contendia6 com os mares. Paflados tras
balhos-.immenfos, efte Fidalgo chegou
alagado a Baçaim. Quiz attravefiar O
golfo.; mas alijada a carpa, e naô-po-
dendo romper as ondas, arribou-á mef-
ma Praça, No outro dia entrou nelha
D, Atlvaro fem alguma differença na
fortuna. : Appereceo o caravellaô de An:
tonio Moniz Barreto na figura dos mais;
e querendo tomar o porto, foi maior.
o feu perigo. No trabalho pelo falvar
oblervou elle, quo huma: pequena gale-
RAR À Ye-
16 Hisroria GERAL
Bia vulg. veta andava com fegurança fobre a fôr
medonha de mares horrendos , e em
fegredo a fretou a feu dono para pafar
a Dio. Eltando na praia para fé embar-
car , chegou Garcia Rodrigues de Ta-
vora a pedir-lhe o levafe comigo., Aa-
tonio Moniz lhe refpondeo , que a fua
embarcaçaô era muito pequena para
accommodar Fidalgo tað grande: que
quem o vifle ir nella nað diria que a
galveta era de Antonio Moniz, fenað
de Garcia Rodrigues. Com efta delica-
deza fe tratavaó entað na Índia os nego-
cios da honra. O Tavora lhe refpondeo
“que elle queria ter a de o acompanhar
com a praça de feu foldado , e que af-
fim lho declararia por efcrito para a
todo o tempo conftar. Com efta con-
diça6 embarcou Garcia Rodrigues de
Tavora na galveta de Antonio Moniz
Barreto. f |
- Eftando ella para fe levar; appares
ceo na Praia o corpulento, valero(o 4
e impavido homem, Miguel de Arnide,
clamando : Como fem mim paflais a
Dio ? Foi-lhe reífpondido de dentro:
Naó cabeis cá, Entaó o intrépido fole
das.
mim
DE PORTUGAL, LIV: XLIX. 17
dado ,' tomando a efpingarda na boca , Era vulg.
fe lançou ao mar para ferrar a galveta,
que hia levada. Á vifta defla gentileza,
Antonio Moniz a fez parar para rece-
ber- o foldado , dizendo-lhe., que [6
nelle levava a Dio hum grande foccor-
ro. : elogio profetico para eftimular o
valerofo Arnide , que no defempenho
delle fez, que fe contafle pelo número -
dos feus golpes o das cabeças cortadas:
aos inimigos. Com conftancia paímofa, .
fofítidos trabalhos incriveis, chegou a
galveta a Dio, Baftou a vita deftes pou-
cos homens ;para refulcitarem os efpi-
ritos. Creíceo o alvoroço, quando tos
dos ouvirad dizer a Antonio Moniz,
que ‚D. Alvaro ficava com feflenta na-
vios. em Madrefayal, e que nað tarda-
ria dous dias. Depois em particular def-
cobrio Elle ao Governador, como D.
Alvaro emproando duas vezes o golfo,
nað podendo cortar Os mares, Os nas
vios fe defgarrára6 por differentes pór-
. tos, eele-ficava arribado. em Bagaim.
~ - No meio dos maiores perigos fóraó
hofpedados eftes. dous Fidalgos : An-
tonio Moniz Barreto no Baluarte Sa6
. TOM, XIV, B ' Tho-
18 Hisroria GERAL |.
Era volg. Thomé 4 € Garcia Rodrivwes de Taa
vora nò de S Joaó. O primeiro deípe-
dio logo a galveta para vir feu ptriibo
Luís de Melio dé Mendoça , como ef-
le. ém Baçaim lhe promettêra; e féna
do -paflados quatró dias depois. do ef-
tragó da Mina , elles enttáraô a vêr ef-
pantoló © femblante da guerra, Rume-
cað inthado com a 'efperànça de fuè-
ceffos femelhantes ao paflado, fez mi-
nar ot Baluaítes S. Tiago + S. Jorge,
e S. Thomé; mas D. Jóaó Maícarenhas
inftrvido pela fua mefima defgraça., deb
thÔ boas providencias , que as minas |
fervirão ide arrúinat os mefmos fabri-
càhtes com fhórte de muitos. Cada vez
hais teimo(o , Runecab continuava
em novós progreflos, repetia os aflalo .
tos, é por cima dos feus deftroços con-
feguio abojat-fe'em alguns lugares , aons
de plantou, como triunfantes, as fuas
bandeiras. | |
— ária Fortaleza nað fe viaô mais quê |
deftrogos.; a metade do Baluarte S Tia-
go perdido, a Igreja 'arrazada , as cafas
abatidas , pia em eftado mtlera-
vel, è para complemento da defgragã
É | fu.
DE PoRTUGAL, LIV. XLIX. 19
fugírað para o campo dos inimigos tres Era vulg.
elcravos, que informáraó a Rumeca6,
como na Praça na6 .haviad mais que
feflenta homens capazes de pegar em.
armas; que tinhad neceflidade de tudo,
impofhibilitados para viver , e defender-
te. Efta notícia determinou hum afialto,
que Rumecad entendia fer o ultimo:
mas encentrando nos feflenta Portu-
puezes a refiflencia de milhares, mót-
+os muitos dos feus , teve de fe retirar
cortido , firme na idéa de que as in-
formações dos eferavos tisha6 fido fal-
fas. Outros muitos acometteo a fua con-
tumacia com igual fucceflo. Nelles obrá.
eG poucos homens tantas maravilhas, '
que os meímos Officiaes contrarios pa-
-ravað para os vêr obrar, e Mojatecad
nað podendo conter o afombro, nem
callar us elogios do feu valor, diffe:
Que os Porteguezes havia6 naícido no
mundo para dominar fobre o refto dos
homens : Que a fortuna do Univerfo
confiflia em ferem elles tað poucos,
-acantonados ngs cóvas do ultimo Occi-
dente, á maneira dos animaes ferozes,
ou das viboeas -peçonhentas, que arrui-
! B ii nã.
20 Pistoria GERAL. |
“Eravulg. naria6 o Genero Humano , fe ellas fof-
fem muitas. -
Com à chegada a Baçaim da galve-
ta, que levára Antonio Moniz a Dio,
os animos entrárad em agitaçaô para
marcharem a (occorrer a Praça por bai-
xo dos meímos perigos. Nella embar-
cou Luis de Mello, e nove foldados:
o meímo fizera6 D. Jorge, e D. Duar-
“te de Menezes em hum catur com dez-
afete ; e em dous, com quinze cama-
radas cada hum , D. Antonio de Atai-
de, e Francilco Guilherme. O que ef-
tes. homens foffrêra5 no mar com a fir-
meza das montanhas efcurece a fama
-das aventuras dos Argonautas famolos
que dað alma ás fabulas de Virgilio
e de Homero. Navegando por baixo da
agua, e por cima da fediçaó dos com-
panheiros medro(os , efles fidalgos che-
gáraô a Dio, e foraô logo convidados
por D.Joaô Mafcarenhas para o acom-
panharem a defalojar os Barbaros do Ba- -
luarte Sant-Iago. Elles os acomettêraõ
com tanto impeto , que os que nad.
morréraô no combate, acabáraô preci-
-pitados do muro. Acudio Rumecaõ com.
sy Oo Sd 0.
`
o qu pe A E G g a —.
eee SR sg a a q eme o „a -
DE PORTUGAL, LAV. XLIX. 21r
. o groflo do Exercito a fuftentar o poíto Era vulg.
perdido, ea dar hum affalto geral nos
lugares arruinados. Efle foi o dia mais
vitofo, porque fobrevindo hum copio-.;
fo chuveiro, que impedio o ufo do fo- :
go, toda a refega fe fuftentou por am-
bas as partes com armas curtas. Todos.
os Fidalgos, efpecialmente D. Joaô Maf-.
carenhas, Antonio Moniz Barreto, Gar-.
cia Rodrigues de Tavora, D. Jorge, e
D. Duarte de Menezes, D. Pedro, e
D. Francifco de Almeida, fe fizeraõ in-
vejar de amigos , e contrarios, Nelle fe.
vio bem que o Barbaro, em quem o
valerofo Miguel de Arnide defcarrega-
va hum golpe, efculava fegundo.
Seis horas. havia, que durava ote-:
merofo conflicto , quando parou a chu-.
va, e entráraô os noflos a fervir-fe das
máquinas de fogo, que redobráraô nos.
inimigos a carnage. Rumecaô furiofo:
mandou tocar.a retirada, deixando na |
raiz dos Baluartes 1400 mórtos , e
agonizantes. Dos Portuguezes - morrê-
rað alguns foldados communs , dignos:
da imniortalidade ; mas fem nome na
Hiftoria. Rumecaó mettido em cólera,
já
22 HISTORIA GERAL
Erà valg. já pela repetiçab dos mãos fucceffos ,
já pelos foccorros , que vinhað chegan-
do da Iúdia , já pela voz pública da.
grande aprefto , que o Governador fae
zia em Goa para vir em peffoa defcer.
car a Fortaleza; elie determina forçar.
os initantes do tempo para concluir a
acçaô no avance, que fe havia feguir
ao efeito de huma grande mina no Ba»
luarte S. Joaôd, em que mandou trába-
lhar voando, Os noflos a contramindra6
pela parte interior com hum muro, que
guando ella rebentou ficou inta&o.
Os Barbaros ignorando efa defenfa:
fe avançárao a montar o Baluárte, fupe
pondo ó paflo franco. Elles encontrad
o reparo , que os faz retroceder, e tor-
cem a marcha para à guarida de Anto-
nio Peçanha , que com o impul(o do
fogo abrio brécha dilatada. Aa mefmo
tempo choviaú às balas na Fartaleza ,
que por todos os flancos era atacada :
fogo horrivel , largas horas continua-
do, que naô offendéo Huma fó pelba,
e todas eftimárao o fucceño por hum
milagre. Ao contrario Rumecaó , blaf-
femo contra o fea Mafwma á vifta a
nof-
e
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 23
nofla refiltençia, porque o dia declina, E
va, mandou Ínípender o atague para els
le em psflaa q renavar no feguinte con-
tra o Baluarte $. Thomé. Blle foi o mais
temerafo de quantos a conflançia herdi-
ca dos Portuguezes havia tolerado na
longa duraçab do htio. Todos os Ba-
luartes forað atacados aọ meíma tem:
po por grófios deflacamentos , que di:
vertiaó 9 pequeno número da guamiçad
para deixar menos defenfayel q Baluarr
te ameaçado, Rir o e a
Contra elle fe movgo-o mefmo Rur
mecaõ com o maigr poder, E como.has -
vemos nós perfuadir á credulidade ,.que
nað for fatua, que Antonip Moniz Bar-
zeto com daus unicos homens aps feus
lados elperou a pé firme na face do Ba-
luarte S. Thomé o repella de tantas
milhares de foldados das Nações mais
agusrridas do Univerfo? Immoxeis no
feu pofto ekes tres monftros dg yalar
dous delles que nað tem name , q ful-
tentárað largo elpaço com a corage do
Leaô faminto, quando devóra a preza,
Os inimigos, naó os podendo: affaftar
com o ferro, quizerad confymillos com
à di | a
ra vulg.:
24 — Historia GERAL `
Era vulg. O fogo. Antonio Moniz- abrazado cor-
ria a refrefcar-[e nas tinas de agua. Hum
dos dous Manlios., mais illuftre que o
defenfor do Capitolio de Roma , lhe
dife: Ah! fenhor Antonió Moniz , vai-
fe, e defampara o Baluarte d'El-Rei ?
Naó me vou, replicou elle , chego a
apagar naquellas tinas o fogo, que me
queima , é já volto. Senhor Antonio
Moniz, lhe tornou o foldado , em quan-
to as mãos fe nað queimað , arda em-
bora todo o corpo : deixe-fe eftar no
feu lugar: nað entrem os inimigos pelo
que a fua falta deixa aberto. Afim o fez
o magnanimo Fidalgo, que levou de-
pois a El-Rei, e ao Infante D. Luís ef»
te generofo camarada, e com ingenui:
dade confefiou na prefença dos Princi-
pes a fua corage , a falta propria. e que
da advertencia a taô bom tempo depen-
deo em muita parte a fegurança da For-
taleza naquelle dia temivel.
Já com as forças laffas , os efpiritos
dos tres Heróes fe queixavaő da fraque-
za da humanidade , que naô lhes dei-
xava impedir a entrada de muitos dos
inimigos no Baluarte. Nefle aperto Ed
á gá-
pe PORTUGAL, LIV: XEIX. 25
gárað a foccorrellos alguns mágotes dif- Era vulg,:
perfos, que acudiaô ao eftrondo da pene
dencia. Elles tivera6 tempo de tomar o
folego ; e como fe lhes houveflem :in-
fundido nos: meímos córpos novas al-
mas , tornað à carga , e do Baluarte
“abaixo deitaô enrolados os inimigos ;
como eftopa abrazada na face da fua ira;
Rumecaô menos (enfivel à perda, que
affrontado do pejo , fe retira confufo ;
aflentando que multiplicar contra os
Portuguezes os combates , era forne-
cer-lhe materia para engroflarem a ar-
rogancia , que .os fazia intoleraveis nas
vitorias. Nós: perdemos o gofto a ef-
ta. pelo fucceflo infeliz de Antonio Cor-
“rea, que o Governador mandou com
vinte Íoldados tomar lingua ao campo
dos inimigos. Eftes homens , que na
cuntinvaçaô do fítio tinhaô feito faça-
nhas memoraveis , e as obráraô depois ;
agora (e occupárað de hum fufto pani-
co taô covarde, que nað quizerad com
tal Capitaô inveftir quatorze Barbaros.
Elle fó. os acometteo com huma ef-
pada ,. e rodela , mais facil a perder-fe
com honra, que a retirar-fe. fem e
De.
26 Hisronia GERAL `
E vulg.: Depois de brigar largo tempo foi pros
zo, € levado a Rumecad , que lhe per-
guntou, quanta gente havia na Fortas
leza ; que qualidade de focenrras , 6
em que tempo os efperavað de Bagaim ;
fe o Governador da India viria a Dio
em pefloa. Antonio Correa defmentio
o informe precedente dos tres elcravos
fugidos, e fostificou em Rumecad a idéa
errada , de que o havia enganado. El»
le lhe refpondeo, com efpirito firme, ©
ar feguro: Que na Fortaleza eltava6 ain-
da robuftos 400 homens determinados
a defendella até darem a ultima gota de
fangue : Que lhe havia6 chegado mui~
tas munições, e mantimentos: Que no
dia (eguinte fe efperava o filho do Go»
vernador da India com 600 homens em
huma grofla Armada , e que feu Pai na6
tardaria muito com todo o poder do
Eflado para lhe dar huma batalha , e
lançallo da Ilha : refpofta , de que irri»
. tado o Barbaro Rumecad, mandou que
Antonio Correa foffe arraftado ao cabo
de hum cavallo , e cortada a cabeça pa-
ya fe efpetar em huma lança á vifta da
Fortaleza. : |
| Quan-
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. R7
Quando eftas coulas aconteciad em: Erá wg,
Dio, D. Alvaro de Cafiro, e D. Fran.
ciíço de Menezes lutavað com as on-
das, que outra vez os leváraS arriba-
dos à Agaçaim. Dous dos feus navios
tiveraô differentes fórtes. O que man-
dava o Capitað Athanafio Freiré foi.
varar em Survate, aonde elle, e toda:
a tripulaçao ficárad prifioneiros de Sul-
tað Mamud , que os mandou metter
nas mafinorras, em que tinha a Simad
Feyo com outros Portuguezes, Ray
Freire pode fofltet os mares com conf.
tancia heróica , fuperior aos perigos,
que venceo até chegar a Dio com ad,
miraçao dás gentes. Naô labedor da ars
ribada de D. Alvaro , affegurou que
vinha atraveflando o golfo : noticia |
para os animos poftrados tað plauível, |
que celebrada com applaulo ruidolo,
elle chegou aos ouvidos dos Barbaros
quê cónhecêrad a caufa, donde nafcia,
D. Alvaro de Caro , mais impa»
“Ciente que a cólera dos mares, outra
vez fe lança a elles, -c rompendo o gole
fo com os navios arrazados em poppás
houve vifta da cuntra-cóita junto g Ma-
o re-
28 - Historia GERAL `
Era vulg. | drefaval, aonde defcobrio huma gran-
de náo de Cambaya + que com carga”
de muita importancia vinha de Ormuz.
Feita. efta preza , appareceo na barra:
de Dio a defejada Fróta de mais de 40
navios empavezados , e guerreiros, que
deraô de fi huma vifta aos noffos agra-
davel, aos Barbaros temivel. Na entra-
da do porto deo huma falva real á For-
taleza , a que ella refpondeo: com ou-
tra nað menos horrorofa para O campo,
e Cidade, fobre os quaes, de ambas as
delcargas , choveo huma innundaçaô
de ballas com eftrago de cafas , e de vi-
das. D.-Joað Mafcarenhas deíceo. à pór-
ta- do mar para receber a D. Alvaro
de Caftro , a D. Francifco de Menezes,
“aos mais Fidalgos , e Officiaes, que le-
vou nos braços como auxilios oppor-
tunos, que lhe traziaô a falvaçað na ul-
tima extremidade dos perigos.
O Governador apofentou a D, Al-
varo no Baluarte S. Joad para vingar O
fangue de feu irmaô D. Fernando no
Jugar , aonde elle acabára a vida. D;
Francifco de Menezes efcolheo o Ba-
- luarte S, Thomé, que era o mais ar-
rui.
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 29°
ruinado para exercitar o feu valor no Era vulg.
pofto do maior rifco. Os 4oo homens
do foccorro foraô diftribuidos .fegun-
do a neceílidade, e a Ordem, já ta
mudado o femblante da guerra, que D..
Joa6 Mafcarenhas eftimava completos
os triunfos da honra, os foldados olha-
váð com defprezo para os inimigos,
animados com a efperança dos defpojos.
Como o Governador fe vio taó refor- EE
gado , entrou no projedo detirar de- ` E
baixo das ruinas do Baluarte S. Thomé
hum groflo canha6 , que alli ficára en-
terrado , nað tanto para elle o aprovei-
tar, quento para impedir, que delle fe
ferviffem os inimigos. Depois de mui-
to trabalho inutil, tomou o expediente
de o firmar com cabreftantes , que o
fufpendêraõ no ar. Rumecaô quiz fazer-
nos a injúria de cortar os cabreftantes,
elevar o canhað á vifta da nofla face :
manobra, que nos empenhou em com- .
bates viftofos , (uftentados pela corage
de D. Franciíço de Menezes, e que foi
caufa do defacordo comettido pelos fol-
dados de D. Alvaro, como eu paflo a
referir no Capitulo feguinte.
«E
“a
Ers vulg.
30 Historia GERAL '
CAPITULOỌ IH.
Os foldados de D. Alvaro de Cafiro pe-
dem amotinados a D. Foaj Majca-
~ venhas os leve a atacar os inimigos
no campo, com os mais Juccelfos do
Sítio até a chegada do Governador da .
Índia,
O: fuccefos acontecidos em Dio
depois da chegada de D., Alyare de Gaf-
tro enchêraó os feus foldados de hu-
ma confiança rodeada de prefumpçaó,
que .os pôz no rifco de fe perderem.
Ella por huma parte, por outra os ef-
piritos chamados de honra, ultima mens
te os féntimensos de hum temor ima-
ginado es arrojára6 a exceffos indignos
de homens, que faziaó proffiaO das ar-
mas : hama profiflao , que eftriba as
faas vemtagens na-obediencia devida sos
Chéfes, que devem fer refpeitados pot
alma das operações militares. Em mui-
tas coufas juntas fe empregáraó as vil-
tas daquelles foldados ; difcorrirad fo-
bre todas, e enganados. com -as ima-
4 | gens
DE PonTUGAL, Liv. XLIX. gt
pens da propria fantefia, determinárað Bra vufg,
nað feguir vutro ag es » que o da fua
- meditaçaô errada. Bles obfervárað “o
empenho dos Mourbs para levarem do
Baluarte S. Thomé o canhad, em que
acabei de fallar , e o tivera6 por afiton-
tä: do feu valor. Eltes vitað depois da
fua vinda à facilidade, com que D. Joab
Malcarenhas arrejára os inimigos dos .
- terraplenos , trincheiras, e de parte dos
baftiões, aonde fe havið poflado e
(e deixárnó rodear da vaidade. Eles od-
vírað contar os eleitos das minas ; que
tinda os contrarios trabalhavaô nellas,
e fobprendeosos o efpirito do temor.
Dominados deftes agentes internos,
que lhes offuícavad «os entendimentos,
elles fe arma , (e jurarentaS , bufcað.
so Governador, e he fallaô nefte tom
fettictolo : Que elles nað tinho6 foffri-
mento 'para ‘tolerar aos Barbares injú-
rias inventadas, quanto mais a feita de
prefutnirem levar ma fua prefença hum
tanhaó do Batuaite : Que já tinhad pró-
mas da fua fraqueda , nað fó por elles
Os haverem lançado dos póftos, que
“eccupavad idos imutos a identro, mas
RE l pe-
32 — Historia GERAL.
Era vulg. pela neceflidade , a que os reduzirad de
| fazer. novas linhas com que fe cobrif-
fem : Que já fabiaô os cfleitos, que as
aminas caulavaó na Praça, e que nað
queriaô morrer abrazados na cóva á ma»
neira das féras, como elle confentira,
que acabaflem tantos homens illuftres,
com láftima fem fim: Que neftes ter.
mos , logo, e fem demora os levafle
ao campo a atacar os inimigos, ou pa-
sa os vencerem em huma batalha, ou
para elles morrerem como homens :
Que fe naõ executava o que lhe reque-
riaó;, elles ao ‘melmo tempo o dariaĝ
a conhecer por hum covarde, e elege-
riaô Capitaó valerofo , que na fua téfta
marchafle a moftrar-lhes a cára dos va
lentes de Cambaya. |
Em vað D, Joaô Mafcarenhas , D.
Alvaro de Caftro , D. Francifco de Me- .
nezes , e o Padre Joað Coelho quizerad
-obrigar etes homens a entrarem em ra-
zaő , a perluadillos , a fobmettellos ás
Leis Militares da fobordinaçað. O tue
. multo crefcia , e D.Joaô Mafcarenhas
.naő teve mais remedio. que dizer-lhes
com muita-brandura-; Á manhã vos far
rei
á
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 33
rei o gofto bem contra minha vonta- Era vulg. |
de pelo fer contra o ferviço do Rei:
Eu vos levarei aos perigos, que que-
teis; Deos permitta nað vos arrepen-
dais. Muito eflimarei vêr na occafiad
valor verdadeiro a que agora reconheço
huma arrogancia mal fundada. À manhe-
ceo odia feguinte com os amotinados
na praça da Fortaleza pedindo a vozes
altas a batalha. Quando appareceo D
Joað Mafcarenhas, já D, Alvaro, e D.
Francifco trabalhavad para os fazer mu-
dar de fentimentos. Como nada confe-
guia6 , D» Joað lhes diffe : Deixai-os ,
Senhores ; façamos-lhes a vontade; mas
nós encommendemo-nos a Deos. A el-
tas extremidades fe vê reduzido bum
General prudente , quando huma fedi-
çaô aberta toca as ballizas da infolencia;
quando rompe os termos neceflarios do
reípeito. Entregues os pólos da Forta-
Jeza a cem homens com os feus Capi»
tães , fahem a campo soo foldados , a .
maior parte loucos, a pagar com o fan-
gue dos fifudos ; e com as vidas proprias
o crime da defobediencia. ;
Marchava efta gente em tres bata:
TOM, Xİ’. G lhões :
34 "Historia GERAL |
Era vulg, lhões: os primeiros mandados por D;
“Alvaro de Caftro , e por D. Francifco.
de Menezes; o terceiro por D. Joað
Mafcarenhas , que cobria o corpo de
batafha. Os imaginados intrépidos en-
tráraô a fentir as difficuldades , ou à
(opportar a pena de temerarios, logo
que chegáraô ás paredes, que elles tí-
nhaó de efcalar. Enta os que haviað
moftrado mais arrogancia , forad os pri-
meiros, que perdérad a corage. À herva
tinha creícido com as aguas do Inver-
no; eftava mui alta; ella lhes fervios
fenað para defenfa , para efconirijo”,
pata hum disfarce do medo , aonde fem
os novos fuítos da vergonha, o fangue
lhes podefle circular nas veias. D. Al-
varo, e D. Francifco com alguns bra-
vos, ‘que os fegufraő , montáraó aquel-
Jes muros , quando chegava D' Joaõ
Mafcarenhas, que tendo moftrado em
tað longo fítio, que os feus olhos erað
de lince, os efcondidos na herva nað
lhe efcapárað á vita." E
— "Como hum raio fe lançou e elles o
Chéfe magnanimo, ethes diz: Ó tá,
- fenhores valentes , he iko o que vós .
E me
DE PontucaL, Liv. XLIX. 35
me prometteítes, quando me pediftes a Era vulg.
que vos trouxeffe a ee combate? Ahi
tendes de traz deflé muro o inimigo,
que bufcais. Ide a elle, nað o procu-
reis entre a hetva, que ainda para: Bar. |
baros he. azito vergonho(o, fó proprio
para brutos. Mas ah ! que longa diftan-
cia vai das voflas mãos à voffa lingua |
Com efta rompeltes a obediencia na
Praça ; fem aquelas vieítes perder a
honra ao campo, Fallando affim o ma-
gnanimo D. Joað , os foi levando dé
tropet diante de fi, os fez fubir o mus
ro, € os poz na frente dos inimigos,
que já fe batisô com D. Alvaro, e D.
Francifco. O feu número monftruofo
coberto pelos Generaes Rurídecad, Ju-
farcaô , Mojatecad fez bem de preffk
perder terreno aos:mais avantados , fem
lhes valer o extremo' de valor herói-
co, que-obravad infelizmente aquelles
dous Fidalgos, Antonio Moniz Barre-
to, Garcià Rodrigues de Tavora;, D.
Jorge, e D: Duarte de Menezes, D.
Francifco , e D. Pedro de Almeida ,.
com outros: os Pu + e Officiaes bem:
“dignos dos noflos pe » fe eliveítem'
j - ene
36 Historia GERAL |
Era vulg. entretidos em huma acçaõ regulada
com juizo.
"Quando o terror fe tinha apodera-
do de quafi todos os corações , D. Jua6,
Mafcarenhas fazia quanto fe podia ef-,
perar de hum dos maiores homens. Baf-
tava efte dia para elle encher com os
feus fimulacros o Templo da Honra,
Elle peleija, foccorre , anima ¢ elle or-.
dena a fua gente o melhor que póde ;
leva-a ao fogo , e a retrocede : elle aco-
de aos mais apertados , ajuda-os , € os.
falva : elle mette em ufo quantas indú(-
trias inventou a arte para ao menos fa-
zer huma airoza retirada, D. Francifco,
de Menezes rodeado de cadaveres, a
` Que com as fuas mãos arrancára as ale
mas, de huma balla pelos peitos cahio
em terra morto : nós perdemos nelle
hum Heróe. D. Alvaro de Caftro, que.
eleijava com conflancia , e gentileza ,.
sa pedra na cabeça o derruba : Jors,
ge de Mendoça, e feu irmaô Luís de.
ello o falváraô além do muro. O fe-
“gundo deftes Fidalgos recebeo enta6
“hum tiro de efpingarda , de que pouco
depois foi morrer a Chaul: falta laftie
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. 37.
mola de hum coraçaô fuperior ao me- Erà vulg,
do.
-= Noticias tað infauítas acompanhadas
da voz, de que no campo tudo eftava
perdido , e que acudifle á Fortaleza,
antes que os Guzarates a levaffem ; el-
"las foraõ trazidas a D. Joaô Mafcare-
nhas , que ainda fe fuftentava como hum
Baluarte na face do inimigo. Elle as ou-
ve com paciencia, e corre a falvar as
reliquias derramadas pelo campo. À dôr
fe lhe dóbra, quando vê cahir entre os
mórtos a D. Francifco de Almeida , a
Lopo de Soufa , a Ruy Freire, a Fran-
cifco Guilherme , mal ferido a Nuno
Pereira, que foi acabar no caminho de
Goa , fem lhes poderem valer os pro-
digios de corage inimitavel, que obra-
vaS Antonio Moniz Barreto , Garcia
Rodrigues de Tavora, D. Duarte, ©
D..Jorge de Menezes, que encarniçado
nà refrega nað fentia dezafete feridas,
fó fenfivel á honra, da dôr nað lembra-
do. .Eftes Fidalgos com as cóftas no mu-
ro fuftentavað o pezo dos inimigos pa-
o lugar aos camaradas a faltal.
O |
a | Com
38 .. Historia GERAL
Ers vulg. Com efpedtaculo femelhante fe en-
controu D. Joað Mafcarenhas , que cha-
mando os impulfos da alma para a Jin-
gua, gritava aos defmandados : Que ef-
quecimento he ee da reputaçaô Por-
tugueza ? Qual dos noflos. paflados na
India fugio com affronta pelo temor
da mórte ? Retirai-vos, fim; mas feja
com honra ; fe o haveis fazer fem ella,
morrei todos, e cy feja o primeiro, Di-
zende ifto , com a elpada na mab fe
botou: aos inimigos como o Lead feróz
Ro meio do aprifco, aonde ha de ater-
= tas para fobprender. Homem viftofo ap-
pareceo D. Joaõ ainda aos olhos do me-
do: rodeado de Barbaros, a pó pegado
ao fuar do rofto, as armas em partes:
Totas, cobertas de fangue , q elpada já
fem fios dando golpes mais verdadeiras,
q mais féros, que os da clava na mað
de Hercules, em fim, á fombra do feu
valor retiraudo-fe os Portugueges com
outra ordem, : | no
Porque o avifa6 que Rumeçad pa-
ra ganhar duas viétorias no mefmo dia,
mandára a Mojatecaô com cinco mil
va
homens inveítir a Fortaleza, que efla-
— mma
' DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 39
va em grande perigo; D. Joad Mafca- Era vulg.
zenbas , fem alterar a marcha no ulti- A
: mo lugar da reta-guarda , em hum con-
tínuo volta caras, vai pela parte da praia
a metter a gente na Fortaleza , levan-
do fetenta mal feridos, e deixando no
campo trinta mórtos : perda diminuta
em tanto deftioço , mais laftimofa na
qualidade , que no número ; mais fen-
fivel outra vez pelo perigo imaginado.
de D. Alvaro, que ainda eftava fem fal-
Ja no lugar , em que Íeu irma6 ficou
fem vida. Mojateca6 , que andava ás
mãos no Baluarte S. Thomé com o Ca-
pitaô Luís de Soufa , efte baftou fem
mais foccorros para o metter 'em der-
rota com perda de móitos, e feridos.
Rumecaó foberbo com a vi&toria:,
além das feftas , que celebrou, das nu-
yas honras, que recebeo de Sultaô Ma-
mud ; elle entrou a moftrar hum alto
defprezo da vinda do Governador da
India, que dizia efperar para lhe arran:
car da mað as bandeiras, com que ha-
via varrer as Melguitas do feu Mafame-
de; a mandar continuar com dobrado
vigor o fitio, logrando a vantagem de
| > E
40 ' Hisroria GERAL -
Eu vulg levar o canhaô do Baluarte S. Thomé;
a fabricar com grande defpeza huma
ponte de barcas fobre orio, que paf-
“fava da Alfandega á Villa dos Rumes ;
a defenhar o plano de huma nova Cida-
de no lugar, aonde tinha abarracado
o Exercito, á qual regulou os quarteis,
talhou .as ruas, marcou as praças, e fez
abrir os fundamentos de hum Palacio
para a fua pefloa : tudo idéas da vai-
“dade para períuadir aos Portaguezes ,
que elle os defprefava ; que já eftimava
a Ilha de Dio como proprial e que a
deflinava para lugar da fua aMftencia
efectiva, que feria refpeitavel por bem
defendida depois de entrar na poffe da
Fortaleza, como efperava.
A voz efpalhada pelos inimigos , de
- que elles a tinhað ganhado , chegou go
Reinos de Balagate, paflou a Goa,
` ferio os ouvidos de D. Joad de Catro,
que (offria , e difimulava a dôr. Sim paf-
fára o Inverno ; os mares eftavað tra-
Caveis, e quando elle fufpirava por no-
vas de Dio, chegárað á barra de Goa -
feis nãos do Reino , de que era Com»
mandante Lourenço Pires de T'avora ;
que
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. 4r
que trazia ás fuas ordens os Capitães Era vulg.:
D. Joaô Lobo, Joað Rodrigues Peça-
nha, Fernando Alvares da Cunha, Al-
varo Barradas, eo memoravel D., Maa
noel de Lima outra vez mandado à In-
dia com o defpacho de Ormuz, por inf.
= tancias do Conde da Caftanheira, para
evitar o defafio, que elle efperava ter
difimulado com feu primo Martim Af-
fonfo de Soufa , quando. chegafle da In-
dia a Lisboa. +
A ee gofo fe ajuntou o da vinda
da não, que. levára D. Alvaro de Cal-
tro a Dio, e nella vinhaô tambem as
cartas de D. Joaô Mafcarenhas , que
davaô miuda conta de todos os fuccef-
fos do fitio com a da mórte de D. Fer-
nando de Caftro. Seu Pai fopportou efe
te golpe como Heróe Chrifta6; em pú-
blico imperturbavel, fó attento aos nes
gocios do Eítado ; em particular dei»
- xando á natureza fazer os feus officios,
todo fenfivel á faudade. |
No meímo dia chegou a Goa o cas
daver de Nuno Pereira, que morrêra
no mar das feridas recebidas no infeliz
choque de Dio. Concluidas as sd
pe ud Co
42 Historia GERAL |
Era vulg. fepulchraes de Fidalgo tað benemeri-,
to, D. Josó de Caftro mandou fazer hu-.
mia Prociflad folemne de acçaô de gra-
ças, a que afliíflio veítido de elcarlate
para moítrar ao Povo, que à confer-
vaçaô de Dia lhe era mais eftimavel ,
que fenfivel a perda do filho. Immedia-
tamente fez partir a Vaíco da Cunha
com ordem de ajuntar por aquellas cól-
tas. os navios delgarrados da Armada de
feu filho D. Alvaro, e os canduzir á
Fortaleza. Na fua reta-guarda expedio
a Luiz de Almeida com feis. caravellas
carregadas de munições , e mantimen-
tos: reforços importantes, que pozé-
raô a Praça em eftado de nað. temer as
tentativas arrogantes de Rumecad fo-
berbo. . | A |
- D. Alvaro de Cafiro com tantas em-
barcações no porto , ufando dos pode-
res, que tinha na Armada, mandou ae
meímo Luiz de Almeida, que com os
Capitães Payo Rodrigues de Araujo,
e Pedro Affonfo fofle à barra de Surra-
te tomar as náos de Meca, que fe ef-
peravaô. Cumprio elle as ordens com
fortuna , e nas prezas , que fez , capti-
vou
DE PORTUGAL , Liv. XLIX. 43
vou bum Genifaro, parente de Rume- Era vulg:
cad, que o Almeida eftimou como. hum
thefouro. A fua entrada em Did teve àl-
‘puma coufa de horrorofa para os inimis
gos pelo. efpectaculo. s que elle lhes
pprefentou de muitos cadaveres dos feus
pacionaes pendurados nas antenas dos
navips, Rumeçaó offereceo groflas loms
mas pelo tefgate do Genifaro , feu pas
rente; mas D. Alvaro de Cafra: recu-
fandosas com altivez, lhe mandou ‘de
graça a fua cabéça em hum prato. O
Barbaro eftimulado da i injúria, 'e da deb
humanidade , defaffogbu a cólera em
minar vários Balúartes até a dia prir
meiro de Novembrd, em que os fuc:
celos o delenganára6 ; em que já que»
ria ceder à porfa; em que atonito das
noflas providencias, o juizo lhe falta-
va; e emque a temor da vinda de D.
Joad de Caftro , por mal ad $
nað podia eftar encoberto. l
Efte Chéfe fupremo, fempre vigi-
lante nos foccorros de Dio, já a 15 de
Outubro tinhã prompta a Armada de
Goa , e ajuntando nella os foccorros de
Cochim e Cananor , a 17 fe fez. i vê
ds
44 “Historia GERAL |
Era vulg. la , encarregando o Governo ao Bifpo
D. Joaô de Albuquerque, e a D. Dio-
go de Almeida Freire, Governador de
Goa. À Armada era compofia de do-'
ze nãos de alto bórdo , e de outras oi-
tenta embarcações de differentes lotes,
em que embarcáraô quatro. mil homens
com toda a Nobreza, entre ella Gar-
cia de Sá, Jorge Cabral, D. Manoel
da Silveira, Manoel de Soufa de Se-
pulveda, Jorge de Soufa , Joad Falcaõ,
D. Joaô Manoel, Luis Alvares de Sou»
fa, D. Antonio de Noronha , D. Dio-
go de Soto-Maior , D. Manoel Deça «
outros muitos Fidalgos , e Officiaes
carregados de [erviços, huns montes de
valor, efpecialmente o famofo D. Ma.:
noel de Lima, que nós vamos a vêr an-.
tes de chegar a Dio hum raio devoran=.
te por toda a cófta de Cambaya.
CA-
DE PORTUGAL , LIV. XLIX. 4$
CAPITULO IV. poa
O Governador D. Joað de Cafiro defpe:
“de de Bagaim a D. Manoel de Lima
` para infefar a cófia de Cambaya: el-
` Je chega a Dio, erefolve dar bata-
` iha campal ao Exercito de Sultab
~ Mamud. | |
E anda o Governador da India á Era vulg,
Cidade de Baçaim , aonde tinha de ef,
perar alguns navios, que vinhaõ de dif-
ferentes pórtos para lhe engroflarem a
Armada ; elle deftacou com feis a D.
Manoel de Lima para aprezar na En-
feada de Cambaya as embarcações , que
tranfportavad viveres ao Exercito de
Dio. Efe Fidalgo, por lhe embaraça-
tem bater-(e em Portugal com Martim,
Affonfo de Soufa em defaggravo da in-
júria, que lhe fizéra na India; morria -
de ambiçaS por fe aflignalar em feitos
de tanto eftrondo, que caradterifaflem
a fua corage fuperior á do feu Rival.
Por outra parte picado do cerco de
Dio , abrazado em odio contra os Gue
Zã-
46 Historia GERAL -
Ersvulg, zarates ,. determinou executar de fórtë
as ordens, que elquecida a humanida-
ge, naô deixafle vêr fenað efleitos da
rancor. Eile foi correndo. a cólla de
Damaô até Gandar , aonde tomou trin-
ta cotias com bom número de -inimis
gos. Deftes refervou feflenta : aos mais
mandou fazer em quartos, que lançou
com a enchente da maré nas emboca-
duras dos rios para irem moltrar ás pos
voações o horroroto efpectaculo , naĝ
da guerra, mas da vingança, -. es
Depois defta expedição , que foi.
hum pequeno enfaio-das reprefentações,
que fe havia feguir, D. Manoel de Li-
ma entrou: pela barta de Baçaim com
os (effenta Guzarates tremolando nos
maítos dos feus navios como flamulasg
e galhardetes , efpantofos à vifta , ao fu-
tor gratos. OGorvernador fatisfeito da
empreza o tornou a mandar com trin-
ta vélas , em que embarcáraS todos os
Fidalgos vindos do Reino, para que
fofle executar nas terras de Cambaya ©
mefmo , que acabava de fazer nos feus
mares. Entrou D, Manoel pela barra de
Burrate , e com confiança, coma: a
É oi
Ea
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 47
foi pelo rio a cima, até-dar na povoa Pra a dj
gað chamada dos Abexins, que fiada
na fua grandeza, € nas trópas namero-
fas, que a gaarneciað-, fez huma bi»
- farra defenfa, Ella eflimvlou mais. © fu-
ror para a povoagað fer entrada ,-efpa»
da em mað , toda mettida a fogo , è
fanpue ; fem fe perdoar a lexo , ow ida»
de para derramar o terror em toda a
cófta. Ardêrað edificios brilhantes , for»
molos navios , innymeraveis provi men-
tos, riquezas immenfas:: mcendio, que
a mulher, e filhos de Rumeca6 eftive-
| +26 vendo da fwa Fortaleza de Surrate <
cólera, que fó deixou vivo a bum Gus
farate com as mãos cortadas para nefta
figura trine ir levar aos feus painot as
novas- do fuecefio. -
Ao longo ða cóia appareceo a Infe.
liz Cidade de Anfote., a que D. Manoel
de Lima mandou pôras prôas. À refil-
tenchi, que os noflos: encuntrárao em
terra, excedeo á da Villa dos Abexins ;
mas o fuccefo foi o mefmo. Rios dé
fangue cotria6: pelas ruas , nað (em laf-
tima: da melma tólera n de muitas di-
mas Le peciolat g » que atrahindo gre a
€ e
as Historia GERAL +
Ers vulg; belleza as ternuras , nos combates dê
affectos encontrados , nað tirou a incli- `
naçaô o lugar å ira. “Todas morrêraõd, e
os homens todos acabáraô; tudo con-
{umio o fogo, e em tantas desbumani»
dades pareciaô mais que féras os Por-
tuguezes, e humas impiedades as licen»
ças da guerra. O meímo deftino expe-
rimentáraô outros muitos lugares da>
quella cófta, que levára6 os éccos dos
feus gemidos á Corte de Amadabá, pa-
~ şa animar em toda a India o que ella
t
levantou bem alto, para imprimir em
D. Manoel de Lima a nota de barbaro y
nos Portuguezes a mancha de cruéis, Ele
le fe foi incorporar com D. Joaõ de Caf-
tro na Ilha dos Mórtos, ou de Beth,
donde fe fizéra6 à véla a feis de Nos
.vembro, e no meímo dia aviftárad as
poftradas ruinas da Cidade de Dio. |
— Os Portuguezes havia tantos mezes
engolfados no centro dos trabalhos, em
fim aviftára6 a grânde Armada da Indias
que cobria os mares, viltofa, e guer-
reira , formidavel, e brilhante : huma
vifta , que fez levantar a cabeça aos
coníternados ,: porque lhes chegava-&
| re-
Edi
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 49
redenipçaS, Corodrad-fe de bandeiras os Era vulg.
entulhos dos Baluartes: arrazados ; ref-
pondeo huma reípeitavel falva á horro-
rofa, que acabava de dar a Armada ;
“fubirad -aos muros veítidos de fefla os
homens ,-e mulheres, que tantos tem-
pos lutavaô com.as agonias da mórte ;
adiantou-fe Lourenço Pires de Tavora
air vêr no mar o Governador ;-feguio-o
D. Joað Mafcarenhas, que lhe hia dar
conta. de tantos, dias formofos , e offe-
recer-fe para o ultimo , que: efperava
mais que todos luminofo. D. Joad de
Caftro , que unia ao valor a agilidade
de Cefar , no :mefmo inftante mandou
vir. a bórdo-Garcia de Sá, Jorge Ca-
bral, Manoel: de Soufa de Sepulveda ,
“outros Fidalgos, e Officiaes velhos: de
capacidade , e experiencias. . |
Tendo-os a todos prefentes , e fei-
to a D. Joa Mafcarenhas os obfequios ,
c- elogios , que merecia por huma de-
fenfa tað bella; o Governador lhes pe-
dio o feu parecer fobre o que devia fa-
zer a reípeito dos inimigos , que nos
movimentos obrados depuis da fua che- |
gada , no fogo extraordinario. com qua |
TOM. XIP. D bas
so - Historia GERAL
Era vulg. batiaô a Fortaleza, ou queriió tefte-
munhar o prazer de terem huma nova
materia para o feu triunfo, ou deter-
minavaô cobrir o medo de baixo das
apparencias de confiança : Que lhe pa-
recia injuriolo vir o Governador da Ín-
dia em peffoa com as forças do Ettado
fazer a Rumecaô a guerra defeníva :
Que por outra parte confiderava, que
expunha as mefmas forças ás contingen-
cias de huma batalha com tanta defpro-
porça6 : dúvidas ponderoías , fobre'que
devia decidir o Confelhó, e deliberar fe
fe havia, ou nað ir direito aos inimi-
gos , e forçallos nos (eus mefmos intrin»
cheiramentos. Largo tempo foi a ma-
teria difputada ; mas feguio-fe a affir ma-
tiva, depois que a energia, e authori-
dade de Garcia de Sá fez inclinar a ba-
lança a eRe partido, ao qual o Gover-
nador eftava já refoluto. . |
Na mefma noite fe concertou o pro-
jeão , e como melhor fe abraçou o que
D.Joa5 Mafcarenhas tinha concebido.
Ficou aflentado , que nas tres noites fuc-
ceflivas a gente defembarcafle fem fer
fentida , e por efcadas de corda dg
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. şt
á Fortaleza > que a Armada ficaffe na- Era vulg,
quelle. lugar até ao dia deftinado para
a batalha , em que entraria no porto ao
fighal de tres foguetes, que fe deita-
siaS da Fortaleza : que ella reprefenta-
via trazer a bórdo todo o Exercito , mof-
ttahdo aos Barbaros muitos murrões ac-
cefos, mettendo pelas perchas das fuf-
tas muitas :lariças para os enganar: que
viria fingindo o defembarque péla par-
te da Alfandega , abnde forçofamente
- acuditia o groflo dos inimigos : que en-
tað fabriria o Governador da. Fortaleza
. com todo o Exercito a efcalar o muro,
forçar as trincheiras; € dar a batalha.a
Rumecaô em campo aberto. Com feli-
cidade fe executou a primeira. parte do
- projecto nas tres noites feguintes. Em
todas ellas, para melhor .cótirir o de-
fígnio, os Capitães Luís de Almeida ,
Antonio Leme , . Francifco Fernandes
Moricale em tres faftas, e o Comman-
dante do Baluarte do mar eftivera a fer-
vir o campo contrario com hum' fogo
fem intervalos 4 que o metteo em con-
fafaó. |
Entro tanto Rumeca6 nað andava
Dii © me-
sz Historia GERAL |
Era vulg. menos viligante. Elle guarneceo com
1$9)ooo homens, em que entravad os
` Rumes , Turcos , e Eftrangeiros rene-
gados , o muro de pedra, que fora fei-
to no principio do fitio para cobrir q
Exercito; pondo (obre elle innumera-
veis artifícios de fogo , e outros inftru-
mentos de defenfa para ferem arrojados”
fobre os Portuguezes , fe intentafem
efcallalo para lhe darem batalha. Lem-:
brado de que o poderiaõ atacar pela pat-
te do Baluarte arrazado de Diogo Lo-
pes de Siqueira , que ficava para a do
mar , aonde acabava o muro, o man-
dou renovar, plantar artilharia, e guar-
necer com 700 homens efcolhidos. Q
meímo fez nas cabeças da ponte, que
atraveflava o tio, aonde poou 700 fol-
dados. Deftribuio a ordem do refto do
Exercito, que era o groflo delle, nu-
merolo- de mais de 4095000 homens ,
agora reforçado pelos Generaes Acce-
decað, e Alucaô com mais sgj00o de
refreíco ; para efperar os Portuguezes a:
pé firme além do muro nas linhas, e
trincheiras, que na fua fantafia lhe fe-
guravaó a victoria.
O
i
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. $3
' O Goverdador D. Joað de Caftro, Era vulg.
logo que teve a gente recolhida na For-
taleza, dilpoz da fua parte a ordem da
batalha. Para cobrir a vã-guarda , que
fe havia compôr de soo Portuguezes ,
600 Canarins com o feu Capitað Vaf-
co Fernandes, e goo Nayres do Rei
de Cochim, foi nomeado o grande D.
Joaô Mafcarenhas, que merecia efle lu-
gar do maior perigo no ultimo dia da
guerra em premio dos muitos, que em |
= todo o difcurfo della deixava derrota-
dos. Para feus camaradas, que forað in-
feparaveis , fe lhe offerecerað Antonio
Moniz Barreto , Garcia Rodrigues de
Tavora, D. Joaô Manoel, Joaô Fal-
caô, D. Manoel da Silveira, Antonio
da Cunha, Francifco de Azevedo Cou-
tinho, Jorge de Soufa , e outros Fidal-
gos, que elle tinha gerado no fítio fi-
lhos da (ua difciplina. D. Alvaro de Caf-
tro havia mandar a (egunda columna de
goo homens , em que entravaô todos
os Fidalgos, e Officiaes da fua Arma-
“da. D. Manoel de Lima tinha de cobrir
a terceira de igual número de gente, €
: com ella a Nobreza , .que oacompanhau
nas
14 Hisrokia GERAL `
“Ejá vulg. nas expedições referidas da enfeada de
Cambaya. O Governador fe refervou à
corpo da batalha compofto de mil Por-
tuguezes, alguns Canarins, e Malaba-
res: toda a trópa hum Exercito de quas
tro mil homens refolutos a atacar fefs
fenta mil dentro das fuas trincheiras.
Os Fidalgos velhos nos annos , corifeos
robuftos, e intrépidos na corage, fe ha-
viaô pôr aos lados do Governador, pa-
ra.o Canfelho com cabeça de Neftos
“ves, para o combate com mãos de
Achilles. | EM ?
Amanheceo o fauta dia onze de
Novembro, ultimo do prolongado fi>
tio" de cinco mezes , ʻe dous dias. Nel+
le appáreceo o grande D. Joaó de Caf»
“tro no terreiro da Fartaleza, reprefen»
tando a cargo na peffoa. À magnificen+
cia della, ea alegria do femblante for
rað. para a fuá gente os primeiros pre.
fagios da vigtoria. A (ua primeira ac+
çaô foi mandar levantar nelle hum Al-
tar , em que Fr. Antonio do Calal,
Cuftodio dos Francilcanos, celebrou a
façrifcio tremendo , e deo a Commu»
nhaô aos foldados. Na fua prefença pre:
| pa
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. s€
parou Deas a meza em Dio contra Era vulg,
“aquelles, que tanto os haviaõ attribu- |
lado. A piedade do Governador, e dos
Fidalgos fez edificante efte adto reli-
giofo. Depois delle , dizem, que man-
dára tirar as pórtas da Fortaleza , ra-
xallas , e guizar com ellas hum almo-
ço para os fuldados. Muito faria elle
em as mandar arrancar dos couces pa-
ra com elta apparencia de falta de re-
fugio lhes dar a entender, que os leva-
va ao campo , oua vencer, ou a mor-
rer. Dados eftes confortos aos córpos,
e aos efpiritos, o Governador pofto em
parte, aonde todos o podeffem ouvir,
hes fallou nefe fentido :. |
- Nós vamos a emprehender a acçad
mais gloriofa de quantas fe tem abra-
do na Índia, depois que nella entrou
D. Vafco da Gama até agora. Eu nad
neceflitava fazer-vos outra lembrança
para eftimular o voflo valor. Sei que fois
Portuguezes ; que amais a honra fublie -
me ; que eftais mettidos na occafiad de
ganhar efta gloria fingulat : que mais
tenho, que dizer-vos? Que ha mais,
que pofla lembrar-vos? Ah! bravos Por-
tu-
56 Historia GERAL
Era vulg, tuguezes! Digo-vos , lembro-vos © ciés
dito da Patria, 'a reputaçaó do Rei, o
reípeito da Religiaô, a gloria de Deos t
Bafta. Eftou certo , que obrareis fegun-
do eftes exemplares , que fe vos moftrad
no Monte Santo da vofla herança , don~
de vos vem os foccorros para poderdes
tudo no auxilio daquelle', que vos con-
forta. Callou o Governador, e o Cuf-
todio dos-Franciícanos arvorou em hus
ma lança o Madeiro , aonde reinou
Deos , e nelle cravado o Tranfumpto
Sagrado de Jefus Chito. A efla vifta
todo o Exercito fe baqueou peitos em
terra para adorar o Redemptor;. e fal.
lando as vozes da lingua , e o pezo das
lágrimas , todo elle clamou: Batalha.
Sem embargo que a Fortaleza ficou
com as pórtas arrancadas, o Governa-
“dor deixou nella a Antonio Freire com
300 homens, que a guardaflem. Pro-
mettidos premios aos primeiros , que
" montaffem o muro, deftribuidas as or-
dens para fe nad dar quartel a alma vi-
va 3 como já raiava a Aurora, fe fez
da Fortaleza o fignal á Armada. Nico-
láo Gonçalves, que tinha a feu cargo
| | a
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. $7
a manobra do falfo defembarque , fez Era vulg
levantar as ancoras a feflenta navios de
remo , e mettellos em movimento com
grande eftrondo dos inftrumentos de
guerra , da vozeria da marinhagem ,
com aparelho grande de lanças levan-
tadas , de mechas accezas, e huma vo-
ga-de rapidez temperada por huma. len-
tidað fingida. Afim entrou pelo rio ef-
ta. Fróta, levando diante a galeota do
Governador com a Bandeira Real para
reprefentar., que nella hia a fua` pef-
foa : apparencia tað bem manobrada,
que acabou de convencer os inimigos,
de que elles hiaô a fer atacados pela
ponte da Alfandega , aonde fe empe-
nháraô a poftar as melhores trópas,
que alli corrêraô de muitas partes, to-
das firmes no erro , até que a acçaõ
| lhes defcobrio o engano.
Rumecaó , que tambem cahira nel-
le, deixando o campo entregue a Ju-
farcað para o defender à gente da For-
taleza , fe fahifle a atacallo para fazer hu-
ma diverlaô, marchou com o groflo do
poder fobre a ponte, acompanhado: dos
Generaes Mojatecad , Aluçaô, e ad
| ç-
s& Historia GrrAL È
Era vulg, decaô para impedir o -imaginado defems
barque. À efte tempo. fahia da Fortale-
za coma fua columna D. [0a6. Mafca-
renhas , que foi cingindo o foflo para
atacar a extremidade do muro pelo la»
` da do Baluarte de Diogo:-Lópes de Si-
queira. Mas antes que entremos no de=
talhe da memoravel batalha de Dios
eu devo referir dous cafos famo(fos , que
lhe precedéraô. Tres foldados da Villa
do Torrad, chegados do Reina, bul»
cáraô no campo a Antonio Moniz Bare
reto, que era natural da mefma Villa,
para lhe darem huma carta de fua. Máis
- em que lhe mandava os favorecefle na
India, Elle levava na fua frente huma:
efcada para montar o muro, quando O
encontrárad. Dérað-lhe a carta, e lhes
prometteo o feu favor ,. fe da batalha fa-
hife com vida. €
Hum dos tres alentados. homens ,
fallando por todos , lhe dife: Que do -
feu favor (ó naquelle dia elles o necef-
fitavad ; que lhes fizefle o de fiar ao feu
valor a efcada , que irizô arvorar aon-
de. os mandafie , e a defenderiad com å
vida; que dee mefmo dia em diante
o os
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. sô
os feus merecimentos thes faria pafla- Ers vulg:: |
gem, Antonio Moniz admirado de pen-
famentos tað altos em gente taô hu-
milde , lhes differio como reguerisó ;
re(pondendo : Que fiava delles a honta,
. e a elcada. Jlluftremente defgraçado' foi
o poder dees homens , que acabando
de a levantar briofos ; hum tiro cégo
lhes leyau as cabeças: . r,
Q fegundo tafo fuccedeo a D. Joaŭ
Manoel, ea Joaô Falcad, dous Fidal-
gos malavindos, que na podendo bar
ter-fe em duélo pela prefia, com que em-
barcárad em (9a , agora no. campo,
com prefumpçaõ. vá, concertáraô en-
tre f mudar o objeto dos feus ċar:
téis, difputando.fe a preferencia ds glo-
ria áquelle , que primeiro montafle o
muro do inimiga. Os padriphos de am-
bos lhes levavaô na fua frente as. efca-
das, que encoftárað ao muro. Subio `
D. Joaô Manoel, e ferrandoro com a
mað. direita, lha cortáraO de hum gol-
ge: acudio com a efquerda, e ficóu fem
ella : foi a firmar-(e teimofo nas cotos
dos braços, e leváraó-lhe a cabeça. Ao
meímo. tempo montou a parese jo?
z al-
6o c HISTORIA GERAL
Era vulg. Falcaô, que fe fuftentou largo tempo
em bravo homem; mas aberto em fe-
ridas, e roto a lançadas, rodou por el-
la: morto, Ha quem diga dees dous Fi-
dalgos, que nada ficou devendo á hon-
ra quem deo tudo por ella. Outros po- .
deria6 fuftentar, que de alguma era di- .
gna efta acçaô louca em tal conjunêtu-
ra, fem razaô, nem virtude, que fal-
tando nos actos de valor , os arrojos fað
temeridades, que da honra recebem os
accidentes , nada da fubftancia.
CAPITULO V.
Efcreve-fe a gloriofa batalha de Dio,
-em que D.'foaô de Caftro venceo o `
Exercito de Sultaô Mamud,
Rei de Cambaya.
E M quanto o groflo dos inimigos en-
ganados efperava impedir o defembar-
que no campo da ponte, como fica di-
to, D. [oaô Mafcarenhas, que marcha-
va com a vá-guarda , e tinha prefencia-
do os dous cafos referidos , que enfan-
guentárad a batalha; elle fez continuar:
Q
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 6r
q avance do muro, que lhe precedeo , Era vulg:
e que fórma a primeira parte da fua nar-. '
raçaô. Intrépidos os efpiritos pela gló-
ria da preferencia, que naô foi facil ar-
bitrar-fe , muitos de tropel montárad
a efcalada pelo grande número de ef-
cadas, de que o muro eítava bordado.
Naő obftante a confufað , fe fe nað fou-
be afirmar quem fora o primeiro em
fubir,. difle-fe, que dos primeiros ha-
viaô fido Miguel Rodrigues Coutinho,
chamado Fios feccos, Cofme de Pay-
va, Antonio Moniz Barreto, Vaíco
Fernandes, Tanadar Mór de Goa, que
' inclinando-fe para acabar de matar hum
Mouro, outro o abrio pelas cóltas; fi-
cando na mórte unidos os córpos , que
o odio feparára vivos. Coíme de Pay-
va depois de lhe jarretarem huma per-
na, com o outro joelho em terra vens
deo cára a vida a troco de muitas mór-
tes. E a Ss a
Poucos homens fobre o muro fuf-
tentáraô o pezo dos Barbaros para da-
rem aos feus camaradas lugar de o mon-.
tarem, affim a gente de D. Joað Maf-
carenhas , como a de D. Alvaro de Caf-
ve. | to ,
62 Historia GERAL
-Eya vulg. tro, ea de D. Manoel de Lima ; já
occupados todos no mefmo empenho.
O primeiro defes. tres Chéfes , corozn-
do com as façanhas .defte dia a gloria `
adquirida nos paflados, a troco da vis
da de dez homens , em qué entrou
Francifco de Azevedo depois de obrar
maravilhas ; elle atropellou a refiftén.
cia do muro; e do Baluarte de Diogo
Lopes, paflou ão campo, formou o feu
Efquadraô em batalha , aprefentou-a aos
inimigos, que a acceitára6 valerofos 3
diíputou-a largo tempo , e declatada pe-
la fua parte a victoria, marchando por
cima dós mórtos, foi levando os Bate
. baros cortados do temor ,.e do ferro >
- até os metter na Cidade.
D. Alvaro de Caftro, e D. Manoel
de Lima, feitos em hum corpo, tivés
Tað o mefmo fucceflo em partes diffe-
rentes. Já vencido o muro, eftes gen-
tis Fidalgos, como innundaçaõ rápida
na terra cortada, cabem fobre hum cor-
` po de feis mil Rumes, Turcos, e Reu
negados , que Jufarcaõ tinha poftado
entre o meímo maro , e o Exercito,
Aqui foi viftofa a contenda , kar
o o
DE PorTUGAL, Liv. XLIX. 6}
do o valor, ca emulaçaS em longa dif- Era vulg:
puta (em (e declarar a vantagem, A ef-
te tempo chegou o Guvernador com o
corpo da batalha, que achando o paflo
franco, fubio fem embaraço 5 feguin-.
do a Bandeira Real; elle rodeado de
Lourenço Pires de Tavora , de Garcia
de Sá, de Jorge Cabral, de Manoel dé
Soufa de Sepulveda , da Nobreza anti-
ga da India, para quem naó erað efra-
nhas as fadigas gloriofas da gaerra. Já
formado em campo o grande D. Joad
de Cafiro, fez avifo a feu filho D. Al-
varo, -e a D. Manoel de Lima, ainda
empenhados com Jufarcad , pará fe ajun-
tarem com elle, e principiarem unidas
a batalha, ?
+ Ella fe deixou logo vêr hum theatro
- de horrores; orifco igual; a cólera in-
ditinãa ; o fogo formidavel, osgolpes
efpantofos ; os inimigos com maior
damno; mas elles por duas vezes dei-
táraô a terra a Duarte Barbudo , que
levava a Bandeira Real; fizérao: parar
o Governador na frente de outro muro,
que todos afhirmára6 fer elle o primei»
YO , que o fertáta , [em ter-contra fi mais
a | vos
64 Historia GERAL
Era vulg. Voto; que a fi memo , que ingenua»
/
mente confeflou , como na fua vã-guar=
da o montára o feu ifleparavel compa-
nheiro Lourenço Pires de Tavora. Ven-
.cido efte paflo com grande perigo, à
“Governador para ganhar as'trincheiras .
fe avançou. a0 da ponte da Villa dos
Rumes, aonde‘ fe aflegura , que che-
gando os inimigos. muitas vezes a mes
cha a canhões: carregados de metralhas
que fariaô-em pedaços aos noflos Efquas
drões , nenhum delles tomára fogo. Ef-
te prodigio , que devia affombrar os
Barbaros , elle os metteo em cólera pa-
ra fazerem huma refiftencia, mais que
do valor , da defefperaçaõ. |
Aqui perdéraô os Portuguezes ale
gum terreno; fentiraõ-(e affrontados :
o que fendo vifto por D. Joað de Caf-.
tro, pegando da efpada , embraçando:
huma adaga , de que logo pendêrad duas
flechas , que lhe craváraó , com im-
peto mais que humano fe pôz na tél-
ta de todos, clamando : ‘Aqui tendes ,'
bravos Cavalleiros, o voo Governa-
dor arroftando os maiores perigos: fe-.
gui-me valentes : Vigoria » que os ini-
Ea mis
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. 6:
migos. dobraô. Como fe efta voz fo- Era vulg,
ra de trovad; cada. Fidalgo, que buf-
cava o feu Chéfe, hum raio; os fol-
dados huns tigres, emulo o valor de fi
mefmo, como naôd foffrendo igualdade
«pa differença; elles fazem huma maô
baixa com tal fúria , que fe vio como
yaticinio cumprida a voz, que em D.
Joaô de Caftro.naô foi mais, que hum
grito de corage, Dobrad os inimigos,
e os Portuguezes , até. chegar ás tiin-
cheiras, levada vitoria, Elles as mons
` tað com valor intrépidp, repetindo mui-
tas vezes-elta palavra doce, que anima
na guerra. a |
Entad rebentáraô do campo muitos
Efquadrões, que á imagem do triunfo
principiava6 a desfigurar as côres. Ru-
mecaó avifado , de que os Portuguezes
depois de vencido o muro, tinhaô ga-
nhado as trincheiras , vinha com o grof-
fo do Exercito em marcha forçada do
lugar do fingido defembarque a pôr-nos
‘outro tropeço à primeira face invenci-
vel. Entaô foi cruel o combate, tudo
furor, ira , detroços da mórte , teli-
quias defpedaçadas da humanidade; o3
TOM. XIV. E Por-
66 | Historia GERAL
Era vulg. Portuguezes empenhados em fuftentar
as trincheiras , os Barbaros em reflituis
lás. Acções fe obráraô efpantofas nef-
te lance, em que o grande D. [oad de
Caftro reanimando o feu mundo com
o géfto , com a voz, com as façanhas, `
levou Rumecaô atropelado ao campo ,
ficou fenhor das trincheiras, outra vez
clamou vidoria. | T
Aquelle Chéfe vendo que a fórte do
dia toda eftava dependente de huma ba-
talha em campanha raza ; elle marcha
a unit-le com fuzarcað , que derrotado
por D.Joaá Mafcarenhas, tambem buf-
cava o campo com as trópas do feu par.
tido. D. Joad tinha (feguido efte Gene- `
ral na fua retirada das trincheiras até &
Cidade , aonde entrou de envolta com
elle, atropelando montes de cadaveres
inimigos, que degolava a fua efpada in-
vencivel. Dagui deípedio hum Ajudan-
te a avifar D Joa6 de Caftro, como ele
le ficava poftado no meio da Praça da
Cidade de Dio, já vencidos por aquel-
Ja parte os Barbaros. Elle recebeo efta
noticia com alvoroço, quando fazia re-
troceder a Rumecaô., e ordenou a D
J oað
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. 67
Joa6 Mafcarenhas fe fuftentafie no lu- Era vulg.
gar, emque ellava, até que elle fe lhe
unife. Rumecaó fuperior á fua fortuna
contraria , naĝ (ó pela noticia, de que
D. Joað Mafcarenhas {obre Juzarcað fe
tinha nefte dia excedido a fi mefmo ;
mas. para evitar o desbarato de Moje-
tacad , e de Alucaõ , que já nað podicô
fultentar-fe na face de D, Alvaro de Caf-
tro, € de D. Manoel de Lima; cle-mas-
cha para mais longe ; reune todos qs
feus Generaes ; chama as trópas difper-
fas por tantos lugares ; fórma-as.em he-
micyclo, de forte que as fuas alas oc-
«upavad hum grande terreno. para-to-
marem os Portuguezes no meio, € com
eíta figura marcha intrépido a-fultentar
braço a braço geral a batalha, que.lo-
go fe moftrou horroro(a, ——
O Governador á vifta da refoluçaõ
dos inimigos, dá nova fórma ao Exer-
cito. .Encarrega a vã-guarda a feu. filho
D. Alvaro; e para lhes moftrar, que
nað os temia , move-fe das trincheiras
a arroítallos no campo, fe cominferio-
sidade no número, com [uperioridade
de valor em igualdade de. terseno. D.
' E ii Ala
68 Historia GERAL
< Ecavulg. Alvaro fe lançou com impetuofidade fo-
bre os Barbaros. Deo-lhes huma carga
ferrada de fuzilaria , que deitou muitos
a terra. Entraó os Portuguezes a fervir-
fe das lanças, e das efpadas. O eftron-
do dos golpes fazia retumbar os éccos
nas cavidades do terreno; mas corren-
do a efte lugar o groflo de tantos mil
inimigos, D. Alvaro efteve nos termos
de perder-fe , nað lhe valendo a gentile-
za, econftancia, com que peleijava pa-
ya poder fer foccorrido. Na mefma fi-
gura fe confiderava o feu fiel camarada
D. Manoel de Lima : ponto critico, em
que a Providencia trouxe ao centro
* das trópas defordenadas o Cuftodio dos
Francifcanos com o Santo Crucifixo ro-
-deado dos feus pios e impávidos Reli-
giofos , como Ífoldados do Senhor dos
: Exercitos. ?
s vozes deíte grande Varað acu-
dira todos a levantar os olhos ao mon-
te, donde lhes havia vir o feu auxilio 5
e mudados de repente em outros homens,
os dous Fidalgos na téfta das trópas rea-
nimadas entraó a fazer tal carnage nos
inimigos , que os arrançáraó do cam-
Po,
DE PORTUGAL , LIV. XLIX. 69:
po, começando-fe a declarar a viddoria. Era vulg.
Quando ambos os perfeguiad com mais
de ardor, que de ordem , Rumecaõ ca-
be fobre elles com hum corpo de refer-
va, e toma huma tal fuperioridade , que
a meíma victoria já parecia favorecer a
fua corage. Em taô grande aperto de
nada fervio a vinda de D. Joað de Caf-
tro com os Fidalgos da fua companhia,
que obravaõ proezas (uperiores á ima-
ginaçaO. Os Portuguezes via6 tudo per-
dido por todas as partes. Já nað os com-
batiað ló os foldados. Toda a chufma
da peonagem , dos criados, dos vivan-
deiros , dos efcravos lhes faziad crua
guerra com pãos, pedras, e infinitos
tiros de arremeço. Entaô fuccedeo acer-
tar huma das pedras perdidas no braço
do Santo Chrifto, que lhe ficou penden-
te, como fe neta acçaô quizeffe mol-
trar-fe aos filhos inclinado , aos Inhéis
cahido. | | |
Defe fuccefio fe fervio o Cuftodio
dos Franciícanos para aquecer as cora-
ges pelas fuas exortações patheticas. Ah!
teligiofos Portuguezes, Cavalleiros de
Jefus. Chrifto , lhes diz elle, aqui e
cs
o Historia GERAL
Era vulg. deé nã vofla face outra vez affrontado,
novarnente ferido o voflo Deus ás mãos
dos ímpios. Como reina elle entre vós
nefte madeiro, fe vós o deixais defpé-
daçar no feu mefmo throno? Ah! Pot-
tuguezes , vinguemos a Deos aggrava-
do; derramemos por elle o noflo fan-
gue; porque elle por úós primeiro der-
yamou o feu: vamos todos a vencer, ou
a morrer : (egui-me: filhos: moflremos
a eftes Birbaros, que com Deos nað fe
zómba ; que os Portuguezes náð (ad ca-
pazes de confentir , que fe zombe de
Deos. Afim fallando , e movendo O
Eftandarte da Cruz, o piedofo Padre
fe lançou aos inimigos tranfportado dà-
gteltle zelo da Cafa do Senhor , “que
cóme os efpiritos , muitas vêzes feth el.
tes fentirem, que fe deixaô comer. To-
dos os foldados o feguem extaêticos nos
traníportes marciaes , clamando 4 altas
vozes Mifericordia , Valor , dando com
valor golpes fem mifericordia. |
Ham fó impulfo mais que humano
tih vingança do Deos dos Portuguezês,
elles cortando cabeças para todos os
lados , mettei os inimigos a
| | ems
DE PORTUGAL, Liv. XIX. 71
dem : no (eu campo foa a retirada. Já Era vulg.
defarmados , e fugidos as Barbaros , buf-
cao o azilo da Cidade, até onde D.
Alvaro , e D. Manoel os perfeguem ;
tonde D, Joaô Malcarenhas, (empre vi-
&oriolo , acaba de decidir da fua par-
e a fórte de tað formofo dia. Efes tres
Chéfes , fartos na Cidade de fangue , e
ce cárnage , marchaS em hum corpo
em demanda de D. Joaô de Caftro, que
te fuftentava no campo ignorante de tan-
tos vantajofos fucceflos. Enta6 fe poz
aa fua prefença Sebaítiaô de Sá, que
tefembarcava em Baçaim curado das fe-
ydas , que recebêra.em Dio; e quando
& congratulava com elle da vidoria,
tve de fe fervir das mãos para nova ba-
tdha. 'Ta6 grande era o poder de Cam-
bya , que com as reliquias dos feus ef-
tngos intentou Rumecað fazer-nos hu:
mi nova guerra. | o
— Quando os nofos Capitães no cam-
po fe felicitavaó com o Governador do
trinfo ; elle rebentou como mina com
bum corpo de oito mil homens , acom-
pinhado dos bravos Juzarcaô, Mojate-
CO, Alucad, e Accedecad , que nef-
te
ma Historia GERAL -
Era vulg, te dia nada ficáraô devendo á honra.
Para o novo Exercito fer tomado pe-
la frente, e pelo flancos, D. Joaô de
Caftro feparou do feu corpo os de D.
Joaô Mafcarenhas , de D. Alvaro de
Caftro, e de D. Manoel de Lima , que
fe arrojáraôd aos Barbaros-com hum fu-
ror extremo picado da confiança. Ga
briel Teixeira remetteo com o Alferei
de Rumecaô, e lhe arrancou das mão:
a Bandeira, que logo arraftou pela ter
ra, Efte General fuftentou o choque em
homem defeíperado. A Juzarcaõ feri
do, e deitado a terra, por fer quem eri
fe lhe concedeo a vida, e foi feito pri
fioneiro. Outros fetecentos tiverad 2?
mefma fórte, porque encontráraõ ao
Portuguezes já cançados de matar. Me
jatecað deveo a liberdade, e a vidaá
ligeireza de hum catallo. Alucað , A-
“cedecad, e outros Officiaes difindos
acabáraô no leito da honra.
Rumecaôd vendo tudo perdido, om
o intento de falvar a pefloa nos disar-
ces do cargo, veftindo a farda de hum
fimples foldado , fe deitou entre os mó»
tos. Elle entrou logo no feu númere,
| ip
į
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. 73
indo huma pedra defpedida por mað oc- Era vulg.
culta efmagar-lhg a cabeça. Jorge Nu- >
nes, que pelo tratar vivo, o conheceo
cadaver, lha cortou, e com efte deípo-
jo ao hombro, para o matifar o (eu fan-
gue, o foi pôr aos pés de D.Joaõ de
Caftro : ultimo revez da fortuna, que
tanto abateo o cerebro, aonde a fobere
ba concebeo altos os penfamentos da
vaidade. Entregou-fe a Cidade ao faque:
A preza igualou a victoria, Ella nos cuf-
tou trinta e cinco mórtos, € 200 feri-
dos. As defpezas da Armada ficáraõ bem
refarcidas com a quantidade de artilha-
yia das eftancias , com os thefouros ,
cópa, e tapigarias de Rumecaô , que
fe acháraô nọ Palacio do Rei.. Com ef»
* ta vidtoria tað completa fe acabou o fe-
gundo fitio' de Dio, que fez em todo
o. Mundo muito maior eftrondo, que o .
primeiro. A D. Joaô Mafcarenhas fe de-
veo tudo. Grande glória adquirio; mas
o feu premio foi a glória, |
CAS
Ere vulg.
74 - HISTORIA GERAL
CAPITULO VI.
Do que obrou o Governador D.“foaô de
- Cafiro depois dê vencida afamoja
| batalba de Dio, e outros fucsa
cefos defle anno,
A n a batalha de Dio , que po-
demos chamar milagrofa., fe houver-
mos de accreditar o depoimento dos
meímos inimigos , que afirmára6, co-
mo na duraçaô della vitaS fobre as rui-
nas da Igreja huma Mulher brilhante,
que com os feus raios luminofos os ce:
gava: D. Joa- de Caftro, ainda que ven-
= cedor , olhando para o campo , aon-
de a gentileza da vidtoria ellava miftu-
Yada com a fealdade dos deltroços na
imagem horrorola da mórte, derrama-
da nelle por muitos modos , naô pos
de efcufar.(e ás fenfações da humanida-
“de fobre os meímos contrarios venci-
dos. Nað fendo já inimigos os homens,
que ficáraõ na Ilha; a maior parte fu-
gidos; ao furor dos Portuguezes immo-
lados mais de cinco mil; depois dede
á Q~
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. “g
efioras nos mórtos a defgraça , nos vi- Era vogl
vos a miferia, mandou desfazer o mu-
zo da contenda, romper as pontes, que .
communicavaó a Ilha com o continen-
te, € voltou as attenções para a Fortas
Jeza, que era hum monte confuío de
ruinas : ellas a fua fegunda láftima, que
Jhe cobriaó o objecto da primeira ; cau-
fas da perda de hum filho, fe por di-
gno de grandes efperanças, muito pa-
ta chorado ; pelo amor terno da pater-
nidade , fempre para fentido.
Reparar efta: importante Praça , e
caftigar Cambaya com à continuaçaó da
guerra foraô empenhos , que D. Joaõ
de Caftro entendeo indifpenfaveis á fua
reputaçaô. Para os executar ao mefmo
tempo, fobre hum oavio o voto dos
Engenheiros: para O outro deípedio a
D. Manoel de Lima com trinta navios,
e ordem de metter a fogo, e fangue
toda a cófta de Cambaya, fem tocat
na Cidade de Goga, por lhe conflar,
que nella fe havia refugiado as teópas,
que efcapárað da batalha de Div. Em
quanto efte Fidalgo fe levava, “us Ean-
genheiros entendendo que gafkaria mais
Vo CC tem
76 Historia GERAL
Eta mig; tempo, e maior defpeza reparar as ruis
nas-da Praça, -que fazer outra Cidadela;
de novo; elles aprefentáraô ao Gover-
nador outro plano mais regular, e mais
amplo., em que fe entrou a trabalhar
fem perda de tempo. Mas porque a
continuaçaô deítes dous projectos per-
tence ao anno feguinte de 1547 , nós
devemos concluir os acontecimentos
tefpectivos ao prefente de 1546.
Em Portugal corria a aura benigna
da paz fem perturbaçaó , para refpirar
bem ao largo o exceflo do luxo , que
alimpava todos os fuores da Africa,
Alia , e America. Na fegunda deftas tres
partes do mundo vimos nós o quanto
foraô illuítres os de Francifco Pereira -
Peftana; em tudo bem femelhantes aos
que derramou antes na primeira das
meímas partes da terra. Pela fua gran-
de qualidade unida a tantos ferviços bri- .
lhantes mereceo elle em Lisboa, que
o Infante D. Luiz o vifitafle na fua pe-
rigola enfermidade. Fez efle Principe
huma recordaçaõ do muito , que (empre
fora acceito aos Reis feu Pai, e Irmaô;
e que como digno das mercês de am-
bos,
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 77
bos, lhe rogava , quizefle dizer-lhe a Ete vulg:
que elle agora pretendia para a pedir
“em feu nome. O generofo Fidalgo de
coraçao grande, que fó lho podia en-
cher a gloria, que nað era do mundo,
refpondeo ao Infante : Vofla Alteza
peça a El-Rei, que me augmente ef-
ta febre para me acabar mais deprefla.
Quafi todos os Heróes Lufitanos daquel-
las épocas efpirára6 entoando como cif-
nes letras femelhantes. Fatalidade en-
taő de Portugal, nað conhecer o me-
recimento dos maiores homens , ou co-
nhecendo-o nad ó- recompenfar.
à - O Imperador Carlos V. inftava com
El-Rei, feu cunhado, acceitafle da fua
mað a infignia da Ordem Militar do
Toelað , que elle repugnava com o
“pretexto das difficuldades de fatisfazer
as obrigações da mefma Ordem. A ver-
dadeira era efcufar-fe, de que o Impe-
sador fe perfuadiffe , que ella accrefcene
tava alguma coufa de mais luminofo ao
“Caftella, diflefie da (ua parte ao Impe-
Rs Tå-
8 Historia GERAL
Era vulg. rador , que eítava. prompto para rece»
ber a infignia, Elle lha mandou logo a
Almeirim por hum dos Heraldos da Or-
dem, e o Rei a recebeo na fua Capel-
la com pompa moderada. Annos de»
pois deo elle os feus poderes ao Duque
de Saboya, feu fobrinho , para afiftir
em feu nome na Aflembléa do Conci»
lio , que Filippe IÍ. celebrou em An-
vers,
Nos negocios de Africa , ainda que
menos confideraveis , nað deixavað de
haver movimentos. Francifco Botelho,
Governador de Tangere, (oube que os
Alcaides Mulei Mafamede , e Hazem
com engodos de cubiça intentavad fob-
prendello em huma embofcada , e cui-
dou de fe prevenir. Pela indúftria de
tres Cavalleiros efcolhidos pode elle
trazer os Mouros a campo , batellos
com partido defigual, e pôllos em fu-
gida com perda de mórtos , € feridos.
Nefte choque fe achára6 trinta Fidal-
gos, que enta6 ferviaô em Tangeres
e nas feridas, que recebêrao nelle , mof-
tráraô o valor com que fe conduzirad,
Os Portuguezes perdéraó quatro hor
E mers z
DE PoRTUGÁL, Liv. XLIX. “9
mens, entre elles o Adail , em cujo Bes volg.
lugar foi nomeado no melmo campo
Diogo Lopes da França, Fidalgo de
excellentes qualidades, que depois go-
vernou a Cidade, como muitos dos feus
defcendentes, até que ella paffou da
nofla Coroa para a de Inglaterra, da-
da em dote á Rainha da Graó-Bretanha
D. Catharina , filha d'El-Rei D. Joað
IV.; eaquella Familia para Tavira.
Em outras expedições de maior cré-
dito fe occupava Luís de Loureiro , lar-
gos annos Governador de Mazagad , até
encontrar a mórte no exercicio dus af-
mas, em que empregára a maior parte
da vida. O Xerife de Marrocos, ainda
que foberbo com as vitorias , agora
amigo da tranguillidade, determinou re-
mover do feu. Reino as occafiões da
guerra, e defpovoar a Cidade de Aza-
mor, que pela vifinhança de Mazagad
dava caufa a rompimentos contínuos,
Defte projecto o divertírað tres Caci-
zes veneraveis entre os. Mouros pelos
feus preítigios , que elles adoravad fan-
tidade refpeitavel. Efles homens com
mais confiança nas fuas. virtudes , que
4 no
go Historia GERAL .
Era vulg. no esforço das armas , fe offerecêrad ao
Xerife para irem em pefloa confervar
Azamor a coberto das tentativas Portus.
guezas. Luís de Loureiro informado da |.
prefumpçaó dos Santões, huma madru-
gada ataca a Praça , põe a gente em
fugida , e captiva os Cacizes, que fe
deixáraô ficar confiados: de confeguirem
fós huma vitoria com a invocaçaS dos
feus auxiliares nos exercicios da Theure
gia, em que os acháraô occupados.
Para defaggravar efta affronta , o
Xerife mandou correr os campos de
Mazagað por quatro mil cavallos. O
Loureiro com cento e cincoenta faz
muitos em póítas , e perfegue os fugi-
tivos oito legoas até aos poços de Ai-
lhon , que largo tempo déraô o feu no-
me, econfervárao. entre os Barbaros a
memoria dete choque. À injúria reno-
vada pedia maior deípique. Ordenou o
Xerife ao Alcaide Amubendaud , que
com feis mil cavallos voltafle a Maza-
gad; que com dexteridade armafle eme
bofcadas, em que cahifle o Loureiro ,
e que ou vivo, ou morto lho trouxel-
fe a Marrocos. Conduzio-fe o Alcaide
com
DE PorTuGAL, Liv. XLIX. $t
com a diflimulaçao , que lhe fora en- gra vulg.
carregada : foube efconder bem duas
partes da fua trópa, e com a terceira fe
deixou vêr da Praça para Luís de Lou-
reiro fahir, e o atacar no campo. Elle
o fez com 126 cavallos, e 300 infan-
tes; mas andado pouco terreno fe vio
rodeado dos Barbaros.: Os feus o acon-
felhárað que fe retirafle, para que hum
Chéfe da fua reputaçaô naô cahifle na
nota de temerario. Como o farei, re-
plicou o Loureiro , deixando a infanta-
ria expoíta ? Percamo-nos todos, aon-
— de ella (earrifca,
-. Tranfportado delle impulío do ani-
mo , elle fe bota aos Mouros como raio,
Suftenta o campo largo tempo; mas
atropelado da multidab , perde a fórma.
Geral a defordem, pode ajuntar vinte
cavallos para no centro delles falvar
hum filho feu de quatorze annos, Mo-
ço de grandes efperanças. À cautéla na .
pode impedir que elle fofle degollado
com outros companheiros , nem o Lon-
reiro elcufar-le à acçaô nova de fugir ;
mas abrindo caminho com a lança en
yillada pelo- centro dos Efquadrões ini»
82 Historia GERAL
Era vulg. migos. Hum Mouro , que o feguia , lho
derrubou o cavallo , que cahio atravef-
fado na vá-guarda dos Barbaros, O bra-
vo Lazaro Martins fe apeia , faz frente
aos inimigos, dá lugar a que o Lourei-
to monte no feu cavallo; efte fe falva
“cem Mazagaô , o Lazaro fica captivo.
Quatrocentos homens. perdemos nefta
defgraça. Cortadas as fuas cabeças, €
ado filho do General, o Alcaide as man-
dou a Marrocos por teftemunho da fua
incrivel victoria. Certa Moura recolheo
huma dellas para fazer a Mafoma o ob-
fequio de a injuriar. Convida as vilinhas
-para alliftentes da ceremonia ; e repa-
rando com attençað , conhece que a
cabega era de feu marido. Diminuio efe
te (ucceflo a reputaçaõ do triunfo , cren-
do Marrocos, que o Alcaide para O
fazer mais (olemne mandára tantas Ca-
' beças de Portuguezes, como de Mou-
ros. | Pe é
Como entre ellas naô hia a de Luis
de Loureiro , o Xerife na6 (e moftrou
| Satisfeito do prefente, e quiz approvei-
“tar-fe do interefle dos refgates , que en-
tað negociavaó em Marrocos o Ra
| | | ar
DE PorTUGAL, Ltv. XLIX. 83
Ferpad Gomes de Almodovar + € Dio- Exa velg,
go de Torres, tambem Faflelhano, Q °
Loureiro, grato aa (eu bemfeitor La-
garp Martins , fe fervio delles para lhe
confeguir a liberdade : empenho diffi-
cultofo, por fer q Lazaro hum homem
muito etimada em Marroços , viÃo
= com admiraçãô, como, primeiro valen-
te, que por falvar o CapitaÓ expoz 3
vida, e fe deixou fazer eícravo. Elle
poupou a Luís de Loureiro as diligen;
gias; porque com o feu vatura] defem:
baraço , animou fete. companheiros ,
rompeo as prizões, ¢ como práctico
na terra, entrou com elles (a6 , c falvo
em Mazagaõ, a a À
~ Quando os Chriflãos (entiad efta
gyébra , o Xerife foi teftemunha de hu-
ma injúria do Alcoraô. Em huma Mel-
guita, acompanhado das (pus Capizes ,
expiava elle com as fuas fuperítições
barbaras a indignaçaô de Mafoma, quan-
do entra pela, porta hum homem de fi-
gura horrivel, huma imagem da peni;
. tenga , hum retrato. dos antigos Apna,
coretas , fóbg ao. lugar mais algo da Mef
QUita, € ERNQZ Arba clara atroapdg -
o l ` ii | as
tá
Ere vulg.
84 Historia GERAL
as abobedas : Chrifto vive, Chrifto ven-
ce, Chrifto reina, e ha de vir julgar
os vivos, e os mortos: tudo o mais he.
patranha. O Xerife irritado ordena que.
o matem. Os Cacizes com a piedade inf-
pirada pelos actos de Religia6 , que ef:
tavaó exercitando, rogaô compaflivos
fe contente com o mandar fahir da Mef-
quita; porque o tranfporte daquelle ho
mem era huma innocencia. Afim fe
executou ; e Diogo de Torres pergun-
tou a ete homem quem era, equal o
feu defignio nefta acçad. Elle lhe ref-
ponde, que era hum Hefpanhol de Tru-
xillo duas vezes defgragado ; huma pot
fe haver feito Mouro , outra porque ar+
rependido do feu peccado, vindo dara .
vida por Deos na confiflaó da Fé, o Xes
rife o deixára com ella.
Poucos tempos fe paflárad fem ace
çı6 em Africa , até o anno feguinte ,
emque Tritað de Ataide foi governar
Mazagað , e Luis de Loureiro paffou
para; Tangere , aonde tinha de pôr ter-
mo com a vida ás fuas gentilezas MEllé
fe empenhou ardente em huma batalha
' com os Mouros, defiguaes os partidos.
A » na
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 8s
na fórma do feu coftume , intrépido co- Era vulg.
.mo (empre; mas cançada a fortuna de
lhe foffrer a confiança , morreo nella
com alentos de luz , obrando quando
efpirava mais brilhantes as façanhas, Pe-
lo mefmo tempo mandou o Xerife mar-
tyrifar em Marrocos hum Mouro Cate-
cumeno , que nos fervia em Mazagað.
Elle foffreo os tormentos com conflan-
cia catholica ; e tomando nas mãos o
feu fangue , que lançou fobre a cabe-
ca , acabou dizendo : Pois fiz quanto
pude para obter o Baptifmo, e nað o
alcancei, nefte do meu fangue derrama-
do por Jefus Chrifto efpero alcançar a
Sua mifericordia. Quiz Deos provar com
milagres a gloria , que foi golar efe -
Teu confeflor invião. |
—.
CA-
Era vulg.
1547
Ti Hesroria GERE
“CAPITULO VIL
Do que obrou D., Foað de Cafiro em Dig
até fe recolher a Goa, e das expedi-
ções de D. Manoel de Lima , e de D}
Jorge de Menezes Barvche na cofa
de Cambaya, | ”
GOVERNADOR D. Joad de Chro,
que nós déřxaos occupado na reúoivas
Cad dà Fortaleza de Dio, elte fe affi
ia a /confideração 'dá falta de meios |
no buina óbta de tanta Ibpórtincih,
eceflitaváó-fe'Zog)odo paras”: ds co-
fres Redes eftavað vazios: para'os pe
* dir'pteftados ha tinha, que empenhar;
e como lhe faltavad joias, fez pénhor
das barbas. Elle defpedio para Goa a
- Diogo Rodrigues de Azevedo com a
noticia .da vidtoria, e por elle efcreveo
ao Senado da Camara, reprefentando-
lhe: Que a Fortaleza d'El-Rei , que era
a fegurança do Eftado , eftava por terra :
Que fe precifavad 2ogjooo pardaos pa-
va o feu reparo, e nað os havia: (que
ao Governador pobre da India lhe fal-
z ta-
DE PortTuGÃL, Liv.xzix. $82
tava, com que abonar ainda a mais te- Era vulg..
nue quantia: Que para a pedir äquelle
Senado , lhe quiz mandar os offos de feu
filho D. Fernando, o que nað fazia por
fe acharem cobertos de carne : Que em
extremidade tað preflante arrancára os
cabellos da barba , que lhe remettia, pa-
ra fobre elles lhes preftarem a quantia
declarada; bem certo o Senadú , que
quem empenhava as barbas honradas ,
as defempenharia com honra no primei- .
yo dinheiro, que fe cobrafie. |
“Naó he difivel a imprefiad , que ef-
ta carta acompanhada das fauftas notie
| cias da vidoria fez em Goa. Os homent
em competencia, e com exemplo ini-
mitavel as Damas , de(guarnecendo-fe
dos fẹus mais ricos adereços , ajuntás
Tað , naó ló a quantia pedida, mas mui-
to mais avultada, que juntamente com
os penhores , e com huma carta conce-
bida em termos graciofos, e atentos té-
mettéraô ao Governador. Elle recebto
fenfivel efta marca da fidelidade Portu-
gueza , e reftituio em fer o mefmo di-
nheiro , € joias já defneceffarios , por
haver, fornecido as deípezas da obra a
a im-
.88 Hisroria GERAL
Epá vulg. importante carga de huma não , qué
-~ Antonio Moniz Barreto tomára nos mas
res de Cambaya. Ea preza, a derro
“ta do Exercito em Dio, os eftragos ,
que D. Manoel de Lima fazia por tor .
da a cófta mettêraô em tanta defefpera-
çaô a Sultaô Mamud., que mandando
vir á fua prefença a Simaô Feio , a Athae
nafio. Freire , e a alguns trinta Portu-
guezes captivos , teve o recreio de os
vêr fazer em miudas póftas , menos tu-
- mado do afombro da fua conftancia pafe
mofa , que frenetico nos tranfportes de
huma ira brutal, em qualquer homem
barbara, em hum Rei infame. |
Em quanto o Governador fe entro»
tinha na obra de Dio, D. Manoel ‘de
Lima devaftava fem piedade a cófta de
Cambaya. Levado por hum tempo ri-
jo á embocadura do porto da Cidade de
Goga, vio que os moradores , e folda-
dos com o temor da fua chegada fu-
giaô- em bandos para o campo. Em tal
conjunctura interprete das ordens , que
lhe vedavad affaltar ea Cidade ; elle
fe pokou em terra, e derramando ù fue
sor, deixqu q infeliz Goga hum Aa
= | a
e tr A a
DE PORTUGAL, Liv. xLix. $9
ctaculo de horrores: apenas ficou alli Era vulgo
fignal, de que houve Goga no mundo.
Informado por tres homens, que dei«
xou com vida, em quanto ferviad para
lhe dar noticias, de que em certa Vil-
la huma legoa diftante eftava quanti-
dade da gente, que elcapára da batalha
de Dio , levando-os por guias, lhe foi
fazer huma vifita. Antes que amanhe-
cefle, os miferaveis, que nað a eípe-
ravaô , e no interior da terra fe tinha6
por feguros, huns morrérad fem acor-
dar , outros acordáraó para morrer. Ef-
te maflacro foi efpanto(fo; o incendio
Jamentavel; os Pagodes pollutos fem
expiaçaô por falpicados com o fangue
das vaccas; os tres captivos já inuteis
enforcados em outro Pagode; (egunda
mancha indelevel entre aquelle Gentilil-
mo , que teve de bufcar para as adora»
gões novos lugares. PR
Elftragos femelhantes experimentou
p refto da cófta , e D. Manoel bem vin-
gado fe recolheo a Dio, de que eftava
nomeado Governador fem efleito , com
8 Armada carregada de deípojos pre-
ciofos, Mas D. Joa6 de Caftro ao pat-
o | - tir
od . Hisrotia GERAL
Ecs vulg, tit para Goa lhe deixou naquelles mai
ses hum bello fubítituto em D. Jofge
de Menezes , que nós vamos vêr coa
nhecido pela alcunha de Baroche em
memoria do deftroço defta Cidade mas
gnifica, Elle chegou á fua via com feis
navios, e fabendo que Madre Maluco
feu Donatário tinha ido para a Corte
de Amadaba, deixando-a' pouco guar-
necida, D. Jorge determinou atacalla,
A grandeza de Baroche , e a fua grande
reputaçaõ tinha cheios de confiança os
moradores para viverem em defcuido.
D. Jorge fe aproveitou delle no quarto
dºAlva, entrando-a a fogo, e fangue ,
fem diflinçaó de fexo , ou idade, As vie
das, e cafas fora6 objectos do furor,
as riquezas da cubiça. Efte feito nað
imaginado caufou na India tal eftron-
do , que D. Jorge fe hontou com elle
tomando o apellido de Baroche. Em
fim, elle, e D. Manoel de Lima cor-
zêra6 no efpaço de cinco mezes toda
a cófta , e fizérað por toda a parte hof-
tilidades tað cruéis, e taő frequentes,
que nað fe via6 mais que deftroços do
ferro , do fogo, da cólera. É sas
DEPOATOGAL, LIW XLIX. gr
= D. Joa de Caftro fazia trabalhar Era vulg. `
com preflá nas obras da Fortaleza pa-.
ta fe recolher a Goa, aonde o chama-
vað negocios importantes ; más teve:
de entrar em novos cuidados fobre pef-
foa habil, que tinha de eleger pára o
governo de Dio. D. [oa6 Mafcarenhas
determinava ir plantar no Reino as pali
- mas do feu triunfo : os Fidalgos, como
elle at colhêra todas, na6 queriad ficar
no campo inculto fujeitos á fadiga de o
trabalharem de novo : o Governador
fe affligia da geral repughancia, e też
ve de tentar o zelo de D. Manoel de
Lima , que nað obftante eflar delpacha»
do com 'o governo de Ormuz, ever o
de Dio por tantos rejeitado , elle oac» .
ceitoo, e fe difpinha a fervillo. Mas
chegando de Luiz Falcað o avifo, de -
que Ormuz ficava ameaçada de huma
ânvafaS dos Turcos; de Baçaim a no-
ticia de fer morto o benemerito Fidal-
go D. Manoel da Silveira, a quem O
overnador queria encarregar 'aquella
Praça : D. Manoel de Lima nað quiz
perder aquella occafiaô de honra., par-
tio para Ormuz, € o grande Do ce
Es Nilai-
92 Hisronra GERAL |
Eg vulg. Mafcarenhas fe offereceo genero(o pa-
ra continuar com os trabalhos de Dia,
até haver ocçafiad opportuna de fe lbe
dar fucceflor. a
Bem provida a Fortaleza de artilha-
tia, viveres, munições, e gente; em-
barcado o grande canhaô, chamado de |
Dio , que veio para o Forte de S. Gia |
de Lisboa ; deitado hum pregaô, para
que os moradores da Cidade vieftem
com fegurança para os feus antigos do-
micilios; o Governador D. Joa6 de
Caftro fe embarcou para Goa, aonde .
chegou aos 11 de Abril. Neta Capi-
tal era elle efperado com huma impa-
ciencia extrema ; e porque o queria re-
ceber com applaufo foberbo , o fez de-
morar tres dias em Pagim para fe aca-
bar de preparar o triunfo , que teve
muito de imitaçaô com os antigos dos
Romanos. No dia determinado entrou
a Armada no porto empavezada, e bri-
lhante. Saltou em terra o Governador
magnificamente veltido : depois o Ex- |
ercito , que fe formou na mefma figuras
em que deo a batalhã. Elle hia debai-
xo de hum rico Pallio coroado de pal-
pe € ma ,
DE PORTUGAL, Ltv.xLix. 91
ma, tom outra na mað : junto a elle Ers vulgi
feu filho D. Alvaro : pouco adiante
Fr. Antonio do Cafal com o meímo
Santo Chriflo arvorado, como no dia
da acçaõ. fr |
Seguia-fe a Bandeira Real: logo o
General prifioneiro JuzarcaõS : depois
as noflas Bandeiras arvoradas , as de
Cambaya arraftando , entre humas, e
outras todos os captivos , que paflavad
de feiscentos , mettidos em ferros , na
mefma figura do feu General com os
olhos baixos, e as mãos cruzadas. For-
mava outro corpo parte da artilharia‘,
que fe tomára , com muitas carretas
de outras armas, e defpojos: caminhou
o apparato brilhante pelas ruas princi-
paes da Cidade, que eflavad armadas
das ricas tapigarias da India. Quando
Juzarca6, e os mais captivos melanco=
licos reprefentavaô o efpeđtaculo trite
da adverla fortuna; nos ares tefoavad
em louvor do triunfante feliz os elo- .
gios , as acclamações do Povo, os éc-
cos das poefias, das cantigas , dos jó-
gos, de quanto podia concorrer para
fazerem magnifico o triunfo, As Da-
o mas |
Kra vulg.
94 Historia GERAL
mas mageftofamente veítidas, ellas o
melhor ornato das janelas , lançava6
fobre ọ Vencedor cópia de flores , aguas
odoriferas, ardiaô perfumes cheirofos , `
que embalfamavaó o ar. As figuras da |
Fortaleza pofta em htio, da Elquadra
navegando , do Exercito combatendo ,
“da Batalha ganhada, elevavada pompa
.a hum aparelho Íoberbo. Pompa, que
ouvindo-fe a fua relaçao ng Europa,
peffoa alguma formou della juizo mais
Sólido , que a Rainha D, Catharina,
-quando dife; Que D. Joaõ de Caftro .
tinha vencido em Heróe Chrillaó , e
triunfado como Conful. Gentio. |
: Coperto de glória na India o Gor
vernador D.Joad de Catro , que pour
co depois foi remunerado. pelo Rei, e
Infante D, Luiz gom grandes honras por
efcrito, e condecorado com o carader
-de Vifo-Rei por outros tres annos; el-
le fe encheo de complacencia com as
- Noticias “dos progrefios da Religiad
Chriã na Jlha de Ceila. Mandára, El-
Rej cultivar gta Miflaôd polos Religia-
Jos Francifcanos debaixo da obediencia
do feu Guftodio Fr. Antonio do Padiag,
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. Os
Elles recolhêraô copiofos frutos da Era vulg.
Divina palavra , na fó no Reino: de
Cota , e lugares maritimos , mas no co-
raçaO da liba, aonde fizéraó adorar o
Nome do Deos vivo. No Reina de Can-
dea o feu Soberano fe deixou tocar dos
"mefmos fentimentos do Povo, e para
nað temer na mudança dos Dogmas a
oppofiçaô gentilica , efcreveo por bum
dos Padres ao Governador da Índia, pa-
sa que o foccorrefle, até levar avante
“os feus defígnios fantos, Ọ Governa-
Jor com o alvoroço, que naícia da fua
piedade: defpachou logo a Antonio
Moniz Barreto com huma Fróta, em
que levava 1$o homens para promover
os intentos. daquelle Rei. | |
Efte Fidalgo, que achou mudado,
e refoluto a matallo com toda a fua
gente, o Rei de Candea fuggerido pe-
jo Madune; elle cometteq huma reti-
ada atraveflando toda a Ilha de Ceilz6
fem lárgar as armas de dia, e de noite,
“que fez efquecer a de Decio , quando
tercado no monte Gauro. atraveflou o
Exercito dos Samnites; a dos famofos
Catalães naexpediçao da Grecia; a de
z i meas
96 = -Bisrokia GERAL.
' Era vulg; memoravel Meftre de Campo Luiz Bari
balho na guerra do Brazil , cortando
cum mil homens 400 legoas dos feus |
defertos enormes , já combatendo com
as féras, já com os Hollandezes, até
os pôr em falvo na Bahia; fendo ellas
as mais decantadas, que celebra a fa-
ma. Nefta longa derrota, em que fo-
rað tantos os choques bem batidos,
quantos os dias penofos da marcha, Ane
tonio Moniz teve a felicidade de chea
ger com a pequena trópa inteira a Tri-
quinimalle, de paílar a Ceitavaca, de -
receber do Rei de Candea recados de
arrependimento , déz mil pardáos parą
os foldados , rogativas para tornar á (ua
Corte com os Religiofos Francifcanos ;
mas Antonio Moniz duvidofo da fince-
ridade , fe embarcou para Goa.
Perturbado achou elle na fua che-
gada o focego defta Cidade. O Hidal+
ca6 guardava no fundo do efpirito a
lembrança da pouca fé na obfervancia
do Tratado, que os Portuguezes has
viaô celebrado com elle a reípeito de
Meale, feu rival ao Trono, Preten-
alia o Hidalcaô que di a 2
; cas
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. 97
Meale de Goca, ou lhe refituifem as Era vijg,
terras firmes de Bardez , e Salcete. No
fim do governo de Martim Affonfo de
Soufa negociou elle tambem pelos feus
Embaixadores , que confeguio median-
te huma grcíla fomma fe entrégafte
Meale à fua difcriçãõ. Chegou por ef-
tes tempos à India D. Joa6 de Caftro,
que nað tinha efpirito para fe confor-
mar ccm ferrelhante infidelidade con-
tra hum Principe, que os Portuguezes |
trouxéraó á (ua cafa para encontrar å
fombra da Coroa de Portugal hum afy.
lo fagrado. Meale ficou em Goa com
Jiberdade , e reípeito; D. Joaô de Caf-
tro nað fe embaraçou com a entrega de
Bardez , e Salfete.
O Hidalca6, com o defengano da
primeira pretençaô , esforçava os Off-
cios para alcangar a legunda. O Gover-
nador refpondeo cathegorico, que as
terras firmes muito antes da vinda de
Meale tinhaô fido doadas ao Eftado :
que os feus rendimentos ao prefente
fervia6 para a fullentaçao do meímo
Principe, a que eftavað applicados. O
Hidalcað picado defa reípofta, ainda
TOM. XIV. G ana
98 “História GERAL
Era vułg. antes do íítio de Dio, recorreo ao dì-
reito das armas: depois delle renovou
a guerra , talvez fóprado por Cambaya,
D. Joaô de Caftro lha fez com tanto vi-
gor, que elle a pezar da apparencia da
fu juítiça, tevé de experimentar def-
troços femelhantes aos da cólla de Gu-
zarate , e fèr caufa da ruina de Dabul;,
e de Pondá. Elle os fentitfa muito maio-
res por efleito da alliança dos Portugue-
zes. com os Principes vifinhos, fe a ef-
fe témpo nað recebefle o Governador
Expreflos de Dio , em que D. Joaô Maf-
carenhas o avifava como Sultaô Mamud
-com hum Exercito de 1gog)000 homens
fe fazia preftes para tornar a fitiara For-
taleza, aonde lhe parecia fole em pele
. foa abortar-lhe os intentos.
Quando o Governador preparava hu-
ma groffa Armada para paflar ao Nóra
te, ajudado dos dónativos voluntarios,
e goftofos dos moradores de Goa , e dá
officiofidade das Damas, que fegunda
vez fe defguarnecêrad para lhe enviarem
as joias, Ífentidas de que na primeira
hað fe. aproveitafle do feu valor: quan-
do a Goa chegava as vãos do Reinon
DE PORTUGAL; Liv. XLIX. og.
de quë eraô Capitães D. Francifco de Era vulg.
Lima defpachado Governador daquella
Capital; Balthafar Lobo de Soufa; D.
Pedro da Silva da Gama, filho do Cun-
de Almirante, e provido no governo
de Malaca, que daiido-lhe a não à cof-
ta, trazia a pente repartida pelas ou-
tras; Francifco de Gouvea; Francifco
da Cunha; e Bernardo Nacer: quando
recebia ordens d'ElRei, para á cufta
da fua fazenda tonftruir em Moçami-
bique huma Foitaleza ineipughavel,
capaz de refiftir ás invasões dos Tur.
cos, e de fegurar o Commercio das mi-
Atas de Cofala, e de Cuama: em Ma-
laca. fuccediad calos admiraveis pelos
“fogos de S. Francifco Xavier , a queni
o Ceo revelou ds noffas armas vanta:
aens füperiotes ás éfperangas humanas.
Ellas por Gngulares vað a fer a mate-
tia do Capitulo feguinte, em que nos
entreteremos , até feguirmos a D. Juaô -
ite Caftro na viagem de Dio, pata qué
fe preparas -
Ĝ ii Ca-
Eta vulg.
100 - HisTORIA GERAL
CAPITULO VII.
Da milagrofa vittoria , que os Portu-
guezes de Malaca alcançáraô dos
Athens pela né ed de S. Fran-
cifco Xavier.
Pao mefmo tempo , em que as armas
Portuguezas na India confeguiað as van-
tagens , que eu tenho acabado de refe-
rir; Malaca gofava de huma paz per:
' niciofa nafcida da divifað dos Reis feus
vinhos , que mutuamente trabalhavad
por fe deftruirem : paz nefta divifãd in-
digna, por fe naô approveitar nella de
avançar os feus interefles, antes abando-
nando os Alliados, naõ cuidava em ful-
tentar na balança o equilibrio , quando
aquelle Principe, que tomafle a fupe-
rioridade fobre os outros , feria o inf-
trumento da (ua ruina : paz, que eíque-
cia todos os intereíles do commum , uni-
camente applicados os homens aos indi»
víduaes por huns meios , que os fubmer-
gia no abyfmo dos vicios mais enormes,
fem fe approveitarem da divilad dos Mo-
a o ds nat-
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. I0t'
marcas: huma paz origem de taes diflo-
luções entre os Portuguezes , que que-
rendo remediallas o zelo fervorofo da
grande Apoftolo do Oriente S. Francif.
co Xavier, elle teve com menos frudto
mais trabalho, do que lhe caufava a con-
verað dos Idolatras , e Mahometanos.
Entre outros daquelles deícuidos re-
preheníveis , dous delles faô bem mẹ-
moraveis , edo ultimo reíultou o aper-
to , em que nós temos de vêr a Malaca,
fe nella nað houvefle enta6 outro Pro-
feta , que a libertou com orações , á ma-
neira do que reígatou a difloluta Sama-
yia.. À primeira das occafiões para as fuas
conveniencias, que deixou perder Mala-
ca; foi a da liga de varios Reis contra
o de Patane ; bom amigo dos Portugue-
zes , que temia (er invadido por huma
Armada de 300 vélas. Entad efcreveo
Simaô de Mello, Governador de Ma-
laca , a Diogo Soares de Mello, que
eftava por Capitaô no porto de Patane,.
-ordenando-lhe fe recolhefle fem perda de
tempo áquella Cidade para fe nað emba-
raçar com algum dos Reis belligerantes.
Elie , que entaó tinha forças para alen-
o - tar
Era vulg.
103. Historia GERAL
Era vulg. tar O partido mais fraco , immediatamens
te defpedio os navios groflos para a Chi-
na, e com a Efquadra das galeotas fe
fez ao mar. Nelle teve p encontro com
a Armada dos tres Reis alliados , que
viútoy civil nos feus bórdos , fatisfeito
com levar huma carta do de Paô para
no feu porto fer fornecido dos generos ,
gue neceflitafie. Ee
A fegunda occafirã, com maior in»
confideraça6 mallograda , foi a do foc»
corto, que Malaca reculou ao Rei de.
Aru na Ilha de Gumatra , alliado fiel dos
Portuguezes, que pelo Achem , inimt»
go commum de ambas as nações, foi
defpojado davida, e dos Eftades. Der
nois da mórte, e deftroço defle Princi-
pe, a Rainha viuva veio em pefica &
Malaca pedir a juka recompenfa de ta»
mar á fua conta a vingsnça das injúrias
feitas ao Rei amigo. Enttetida com boas
É palavras a Rainha, ella defenganada dg
que lhe correfpondeflem as obras, re»
correo a Alodin, Rei de Viantana, o
que fora detronado por Pedro Maícare-
nhas, que lhe afhiftio com todas as fuas
forças , e ella o metteo de pofle de bu
| ma
DE PORTUGAL, Liv. XLIX. 103.
ma coroa pela folemnidade do matri- Era volg,
monio , que entre Ambas contratáraó.
A guerra, que efte Rei fuftentou largo
tempo com o de Achem foi outro tan-
to de ociofidade , de deícuido , de inac-
cad para Malaca, que reduzio ao ef-
tado de perder-fe. a |
Com tudo, e Achem firme nas fuas-
ufurpações , invariavel no odio contra.
os Portuguezes , nað menos que o feu
competidor Alodin ; elle appareceo ef-
te anno fobre Malaca: com huma Fró-
ta formidavel, guarnecida de brava gen-:
te. Elegeo a fua corage dous objectos.
para dous aflaltos do mefmo tempo. No:
da terra, naô obítante o noffo delcui-.
do, encontrou o valor tad prompto, que '
teve de fe embarcar cortado: No do mar.
foi taó feliz, que reduzio a cinzas os:
fete navios, que eftavaõ no porto , al-
guns delles chegados de Banda com cat-
gas preciofas. O Barbaro , foberbo com v
a victoria, em quanto fe refazia na Ilha -
de Upi, com o eflylo pompofo , e ar- -
rogante dos Orientaes mandou defafiar .
a Simaó de Mello por fete homens nof» -
fos , com os narizes , e as orelhas Ee
> s à
104 Historia GERAL
Eraqulg: tadás, que pode haver á mað. Toda Mas
laca fentio o defprefo; mas ella eflava
falta de meios para traçar o deípique.
Nefte aperto chegou Diogo Soares de:
Mello com duas galeotas : apparecêraõ
duas caravellas de Mercadoóres : foccor-:
ro debil, fe Malaca nað- tivera em fi o:
auxilio do Ceo em hum amigo de Deos
o Padre Francifco Xavier. > >
Elle determina refoluto, que o uls
traje feito pelo Achem antes a Jefus:
Chrifto, que aos feus Fiéis, devia fer:
vingado. Como todos refpeitavaG de
Oraculo as fuas vozes, todos com el-
Je correm ao Aríenal a vêr a imagem
trite do modo , porque os Reis [a6 fer-
vidos nos paizes diflantes, que mandaS
pelos longas caminhos até as Cortes ir
tomando e(taturas apparentes aos infor=
mes fallos. Acháraó-le no Arfenal fete |
cafcos de futas padres , bóas para fer-
virem ao fogo , fem haver para as res
mendar calafates , eftopa , breo ; vélas „
ancoras , amarras, em fim, nem hum
prégo , e ma6 de oficial, que o pre-
gaffe, Entað o Santo, quando irritada
mais alegre, para que a futura victoria
? na
e e mac a
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. 108
ma falta dos meios humanos toda fe at- Era vulg.
tribuifle aos esforços divinos; elle en-
earrega aquelles vafós aos Capitães da
expediçaô D. Francifco Deça, cunhas
do.do Governador , que havia fer o Ge-
neral, Diogo Pereira, Affonfo Gentil,
André Tofcano , Joa6 Soares , Belchior
de Siqueira, e D. Manoel Deça, para
que tomaflem á fua conta reparallos,
e fahifem fem demora aos inimigos,
com mais firmeza na Fé, que no vas
lors, o. | :
“A grande authoridade do Santo def+
terrou todas as dúvidas: fez-fe o que
elle mandava, Sahira6 ao mar as fete
fultas, as duas galeotas , as duas cara»
vellas com 180 homens, mantimentos
para déz dias, e ordem de Simaô de
Mello para nað. fe exceder ete termo `
na demanda do Achem: apparato com
mais de ridiculo, que de guerreiro pa- .
za affrontar , já vidorio(o , o refpeitavel
poder daquelle Principe. Até 28 de Ou-
tubro fe pafláraô fete dias de navega-
Gað , e o lugar marcado pelo Governa-
dor , fem os Portuguezes terem novas
dos. inimigos, que bufçavaô. pafa
| É : mais
~ al
106 Historia GERAL” =
Era vnlg. mais dias, e houve quem diflefe , que
elles eftavaô em Quedá. D. Francifco
Deça queria buícallos.; mas a trópa obes
diente ás ordens do Governador , já fal
ta de viveres , acabado o regimento y
cuidava em retroceder. O tempo contra-
rio de 23 dias a fez mudar o intento, e.
procurar pórtos , em que fornecer-fe, `
Paflava6 as femanas, e tanta tardança
caufava em Malaca huma confternaçaô
extrema, Hia-fẹ perdendo q fé ás pala«
vras do Santo: elle cada vez as dizia
mais fórtes, e a moftrava mais viva.
Crefceo a afflicçao com a indúftria
de Alodin, Rei de Viantana, que veta
com as fuas forças para o rio de Muat
pôr-fe em obfervaçaó fobre o fuccefio
da Fróta para fe lançar fobre Malaca ,
fua amada Patria, a que nað podia pere
der a faudade. Elle enviou hum Emifiar
rio bem enfaiado reprefentar a Simaôd de
Mello: Que fabendo como o Achemy;
igualmente inimigo feu , e de Malaca į
havia deftruido a Armada Portugueza y
elle viera para tað perto com o feu Exa
ercito , que lhe offerecia para o foccor»
rer contra o inimigo commym. ne
| G
“DE PorTUGAL, LIV.XLIX. 107
de Mello disfarçando no femblante Os Ers vulg.
apertos da alma, diffe ao Emiflario, que
agradecefle a feu Amo à honra, com
que otratava : que elle tinha a fua Praça
tað baftecida de gente, munições, e vi-
veres, que fobrando-lhe para a defenfa
propria, defejaria empregar o refto na
feu ferviço contra o Achem, que tam-
bein era feu adyerfario: que em quan-
to aq deítroça da Fróta q haviað infor-
mado mal; porque elle acabava de re-
ceber noticias, de que os Portuguezes
haviad feito aos Achens em póftas,
fem que hum fó .elcapafle com vida,
€ que lhe dava as parabens deita victo-
ria, que lhe podia fer intergflante.
' Em quanto o Rei de Viantana com
tal repofta fe fobprende, Malaca com
o feu recado. muito mais fe conflerna,
Chegou a manhã do faufto Domingo feis
de Dezembro, em que a Fróta Portu-
gueza entroy no rio de Parles, Corte
defte Rei, depois de padecidos muitos
trabalhos , para atacar a Armada dos
Achens, que nelle eftava fobre ferro.
Quando o combate, que logo efcreve-
temos, fe aqueçia, S. Francifco a
a pré-
Era vulg.
108 |. HISTORIA GERAL
prégava ao Povo em Malaca. No melo
do Sermad elle pára de repente ; elle
vai fahindo para fóra. de fi meímo ; ela
le entra em hum .extafi; elle aperta os
punhos com movimentos já de temor
já de alegria ; elle fufpira; elle chora;
elle mudo falla energico ; fufpenfo a
auditorio , parecia tað extaético como
elle. Reftituidos no Varað Apoftolica
os officios da humanidade , rompe o fi»
lencio , e diz: Demos graças a Deos;
que nefte ponto acaba a nofla Armada
de vencer a do Achem: fexta feira re-
eebereis a primeira noticia- da vitoria;
e poucos dias depois veteis chegar à |
Fróta triunfante.- [Immediatamente en%
tra com toda a candura a fazer: hum
miudo detalhe da batalha, comò- fe a
eftivera vendo, na fórma feguinte: -
Que o Rei de Pedir , General da Ars
mada inimiga , para voltar á primeira
expediçad mais atrogante com eltra vi-
&oria , fora apoderar-fe das terras do
Rei de Parles , aonde comettêra: cruel-
dades inauditas, obrigando efte Princi-
pe a refugiar-fe nos Eftados de Patanes
Que elle fe fizéra fenhor de hum-pofe
= to,
DE PoRTUGÁLS Liv. XÉIX. 109
to, aonde actualmente conftruia hum Erg valg:
Fórte para cortar os viveres a Malaca,
e impedir que embarcaçaó alguma: che-
gafle áquelle porto : Que fabendo os
dous partidos da fua vifinhança, em am-
bas as Armadas. houvera bum prazer
extremo, difpoftos os animos para hum
combate de opiniad : Que o Rei Gene-
ral fora o primeiro em mover-fe com
: quatro fuítas na vá-guarda, que elle co-
' bria; as mais em huma bella ordem de
batalha : Que á fua vita D. Francifco
Deça :fizera.o mefmo ; mas poflando
as futas a coberto na: Enfeada , que for-
mava huma. ponta de terra para na6 fer
rodeado pela multidad dos vafos inimi-
gos : Que eftes deraô a fua primeira
deícarga de artilharia fem efleito , e
que immediatamente cobrírad o ar de
huma efpefla nuvem de féttas com igual
fuccefio, ' o
Pelo contrario , que -os Pottugue-
zes na6 perdêraő tiro, tað felices , que
ba primeira banda da galeota de Diogo
Soares de Mello fora huma balla. pafiar
de hum a outro -bórdo a Capitanea, €
a mettêra po fundo com perda de e
ad ra?
110 . Hisrokia GERAL
Era vulg. bravos homens, e grande trabalho dó
Rei de Pedir para fe falvar em outra
fufta: Que indo as Portuguezas mui def-
pedidas, chocáraS comi as outras tres
da vá-guarda; mettéraó-as em defordeay
a tempo, que o Rei General teftabele-
cido ôbraya maravilhas para animar a
fua gente : Qué em quanto as noflas
embarcações dos lados fuftentavaó' o
fogo, as do centro fe avançáraõ á abors
dage com tanta.rapidet, que em hum
momento o mar fe vio coberto de def-
troços , tinto de fangue , bum leito
de moribundos, huma tumba de móre
tos : Que o Rei General, recebendo
ħuna grande ferida, de que morreria
pouco depois , fugira do combate 3
todos os foldados fe lançáraô á cor»
rente , que os tragou ; que morres
rað quatro mil, fem fe falvarem mais
que os poucos, que feguíraô o Gene-
ral. Efta foi a batalha acabada de veu-
cer em Parles ás nove horas da mas
nhã, e referida no mefmo ponto poč
Xavier da fórte que fica dito, comi
júbilo , e admiraça6 da gente de Mas
laca , que via 4 fegurança, com quer
E e
— o m AR
DE PORTUGAL, LIV. XLIX. HEI
te à cortava, como quem acabára dé Era vulg;
a vêr. |
Com a noticia da derrota dos
Achers , o Rei de Parles ajuntou as
trópas , que pode; cahio fobre hum
corpo de sco , que guardava o pofto
fostificado , e nelle os prifioneiros (eus
vafialtos , que pôz em liberdade de-
pois de naô deixar hum fó dos ini-
migos com vida, Reflituido com efta
glória ao feu. Eftado ,. veio congratu:
lar-fe da vitoria coin o General Por-
tuguez, e fobmester-fe noflo tributa-
vio para daqui em diante- ter hum apoio
firme nas noflas armas. Na fexta feira
marcada pelo Santo. Xavier chegou a
Malaca a notícia do bom fuccelo :
traníportados de alegre alvoroço, e de
- afombro jucundo , os homens redo-
bravad o reípeito, a veneração, V
rendimento ao orgað da Voz Divina,
que ouvirad fallar nelle. Poucos dias
depois appareçeo a Armada victorio-
“Ja carregada de deípojos dos inimi-
gos: trezentas peças de artilharia, mil
arcabuzes, outras muitas armas, quan-
tidade de munições, vinte e feis fuf-
ei tas
12 Historia GERAL
Era vulg. tas prifioneiras , além das queimadas
por falta de marinheiros, que as cone
duzifem. Para complemento do júbi- .
lo de huma vi&oria eftimavel entre
as mais célebres, (e foube pouco de.
pois, que o Rei de Viantana, tomas
do da defeífperaçaô por vêr abortado q
feu defignio , depois de matar o cor-
reio + que lhe levou a nova da noflã
vantagem pelas proprias mãos , fe re-
tirára de Muar para Jor, aonde D. El-
teva6 da Gama o acantonára, e aonde
até entaô os Portuguezes o deixavaõ
viver pacifico. |
LI.
mea mm
` Da Hiftoria M odêrna de Portugal,
CAPÍTULO À ij
O Governador da Indiá D. Foað de Cáf-
“tro parte para -a com ri
groffa Armadi’, oque: -he fuccede ;
: áquelle Rei em a oa com aD
"homens , aprefenta batalha com doce
Portuguezes. Ea p
. =, as acções de D. Joað de
Caftro; fublimáraó de fórte o feu cré-
dito entre os Principes. do Indofta6:,
que entre outros o Rei de Caniará ajal-
tou com elle huma Liga offenhva, e
defenfiva, com outras condições ip
jofas ao Eftado. Efte mefmo crédito , à
reputaçaô deke Tratado com ham Rei
tað poderofo , forað vs eftimulos mais
fórtes, que o forçavaõ para nað difi-
mular callada ` os aa i do Rei
- TOM. XIV, de
Eta vulg:
1547
114 Historia GERAL |
Era vulg. de Cambaya, que chamava as attenções
dos Reinvs do Nórte , provocava o fuf-
to das noflas Praças; erað as fuas def-
marcadas forças a materia dó pavor ge-
ra) dos amigos , e cantrarios. Para op-
pôr faftofa huma a outra oftentaçaõ bel-
lica, D. Joað de Caftro partio de Goa
a vêr ogrande Exercito de Sultaô Ma-
mud , e a moftrar-lhe huma refpeitavel
Armada de 160 vélas, que foi furgir
a Baçaim. O Sultaó com a noticia de
que a vá-guarda da Fróta commandada
por D. Alvaro de Caftro apparecêra fo-
bre a barra de Surrate, aonde era Com-
mandante Caracen, genro de Coge Go-
far, receofo de que o Governador com
“todas as forças invadifle tað importan-
te Cidade, moveo para os feus contor-
nos o grande Exercito, que elle mane
dava em peffoa:
Chegou o Governador á barra de
Surrate para fe incorporar com feu fi-
lho, ainda ignorante da vifinhança da
"Rei de Cambaya , que nað fó cobria
aquella Praça , mas tambem a de Ba-
roche pouco antes (aqueada por D. Jor-
ge de-Menezes. Como fe receou dor
l : cel-
DE PORTUGAL , LIV. L. tis.
cefio fobre a fórte Surrate , o Governa- Era vulg.
dor quiz fazer a Baroche outra vifta ,
e entrou no feu porto. Mandatido erx-
plorar orio, ea terra por Francifco de
Siqueira, Capita6 dos Nayres de Co-
chim , elle voltou com a noticia dé
que delcobrira o Exercito de Cambayd
occupando huma vafta extenfað de ter-
reno : que foubera de huns pefcadores
fé contavað nelle 150gjoco hothens de
armas: que o Rei vinha cingindo todo
o campo com elle formado em hemi-
cyclo , de forte , que de huma pontá
do crefcente da Lua até a outra ponta
havia de diftancia buma grande legoa :
que ambas as pontas do creícente vinha6
pelos feus lados abragar o rio para fe-
charem no centro o campo do delem-
embarque : que avançadas do mefrna
centro marchavaõ oitenta peças de cami
panha cobertas para nað ferem viftas por
hum deftacamento de feis mil homens,
que traziaô ordem de (e pôr em retira-
da lénta ao primeiro repella6 para levas
tem os Portúguezes ao fogo da artilha-
ria, em-.que o SultaO trazia pofa a maiot -
conhanga. > -o SOE
b a Haii D,
Eca y ulg.
116 História GERAL :
:. D. Joaô de Caftro, que para animas
as trópas em Baçaim , ideou a puerilida-
de fofa de mandar fazer em público huns
graúdes eípetos , que dizia. lhe haviad
fervir para nelles vêr affar vivo o po..
tentifimo Sultað Mamud , Rei de Cam-
baya ; agora, para moftrar humas ap-
parencias:, de que a bizarria militar ha-
' via fer executada, elle determina com
tres mil homens ir em demanda de Sul-
taô Mamud no centro de cento e cin-
coenta mil para o haver ds mãos, co
mandar aflar. He embandeirada toda a:
Fróta; galharda, e guerreira enche o
rio, e corta as aguas ; foad com éccoi
terrivel as caixas, clarins, e trompas p .
pelos bórdos a gente armada faz often-:
taçaO , ou huma vifta bizarra; á véla
: e remo põe as embarcações prôas em,
terra, e fe fórma nella hum Efquadrað
- capaz de fazer vêr no delembaraço, que
fe por algum incidente fucceder faltar-
lhe o conflito , que para elle lhe fó-
bra o valor, | à |
Já á vifta de hum mundo de homens
hum punhado de Portuguezes , impa-
- vido D. Joaô de Caftro, que para gas
nhar
É DL varrer rr em me ER, re e e emma me
DE PORTUGAL 4 Livit. 117
nhar gloria fublime lhe baftava o arro- Era vulg;
jo de fazer (emelhante defembarque na
face de tal Rei, elle falla aos feus fol-
dados , e lhes diz em hum tom féro:
Deixar de dar batalha a efle mundo de
Gugarates , que tendes diante de vós;
, nað convém à reputaçaó dos Portugue-
ses da India : ifo nað faô homens , he
huma gente mercenaria , amiga da pas
ga, inimiga da guerra; fað as mefimas
figuras , que vimos em Dio , e que ain-
da vem cortadas bufcar mais feridas x
vamos a elles renovar-lhes humas, abrir-
lhes outras de novo: vós na6 lhes po-
deis temer, nem o número , nem oya-
lor : o número nað , porque os Portu-
guezes na Índia nunca: o contárad ; o.
valor menos, porque o voflo lhe leva
huma vantagem infinita. Pois que re-
eeais? Que o pezo .defla mole monf-
truofa de carne vos opprima? A vofla:
he muito mais dura. Além diflo a nof-
fa Armada nos fegura a retirada de bai-
xo do feu fogo, que varrerá o campo 4
quando nos feja neceflario tello largo
para aliviar-nos do pezo. .
“Afim fallando ,.o Heróe intrépido.
| mans
18 Historia GERAL
Era volg; manda- romper a marcha , que avança.
dous tiros de molguete do lugar do def-
embarque. Entaô o rodçaő , o fazem pá-
rar os feus Officiaes , e lhe reprefentad.
nað queira fer re(ponfavel aos homens 5
ao Rei, e a Deos na facrifício de tan-
tas victimas immoladas a huma temeri-
dade : que fe contentafle com a honra
que tinha ganhado em tantos heróicos
feitos , e-sinda ganharia em outros nas
fuas devidas proporções, fem fe expôr
a arruinar de hum golpe o Eftado da
India. Naô refiftio o Varað prudente ás
reflexões maduras : fufpendgo-a marcha ;
cedeo de (er o agreflor; mas efperou
com a firmeza de hum rochedo tres ho-
vas no campa a refoluçab do Rei de
Cambaya. Como efte fe nab movia, De
Jorge de Menezes Baroche pedio ao Gos
vernador sao efpingardas para dar'huma
delcarga no corpo immovel. Refpon-
denda que nað fe contentava com gol:
pe tağ pequeno , acabadas as tres horas
fe embarcou com tanto focego, coma
fe o fizera em Goa. Diga Roma fe vio
deftas gentilezas nos (eus Fabios, Sci-
piões, e Marcellos,. vo: 3
A Da»
v KaT
su n
DE PORTUGAL, Liv. L. 119
Sahio o Governador do porto de Era vulg. `
Baroche , e foi defaftogando o feu refen-
timento pelos lugares da cófta até Dio.
Proveo o governo da Fortaleza em Luis
Falcaô , que chegava do de Ormuz. O
grande D. Joaô Mafcarenhas foi a Co-
chim embarcar-fe para o Reino. Na vol-
ta para Baçaim as Cidades de Pate , e
Patane foraô afloladas pelo Governador.
O mefmo fez à de Dabul na viagem pa-
ra Goa; eainda que as fuas vantagens
fobre o Hidalcaó nas terras de Bardes ,
é Salcete forað aflás ligeiras , elle lhes
engroflou a eftatura com as honras de
hum novo triunfo femelhante ao da vi-
&oria de Dio. Elle feria bem juftamen-
te merecido , le D. Joa de Caftro met-
tefle no número das noflas conquiltas a
Cidade de Adem , que foi o padrafto
das façanhas de Affonfo de Albuquerque,
aonde chocou a fua gloria: conquifta,
para que agora fe oflereceo a occafiad
mais opportuna., | | |
- O Baxá Solima6 derrotado por An-
tonio da Silveira em Dio, na volta para
ra o Eftreito fe metteo de poffe della
Cidade foberba. Atégora a tyrannifárað
E os
1448
120 Historia GERAL.
Em vulg. O$ Turcos com tantas crueldades , .que
1548 os confternados moradores de A dem pes
diraô a protecçaô do Rei de Camphar ,
que os lançou fóra , e a ficou dominan-
do. Como fe receou da volta daquella,
Nagaõ arrogante, o Principe defpedia
Embaixadores a D. Manoel de Lima,
Governador de Ormuz, para lhe offe-
recerem a Cidade, fe elle quizefle aju- .
dar a defendella. D. Manoel conveio -
na propoíta; deípachou para efta expe-
diçaô a D. Payo de Noronha, que com
ardor a defejava; mas elle foi tifnar em .
Adem a gloria illuftre: dos Noronhas.
O Rei de Camphar lhe entregou a Ci-.
dade, e elle foi fitiar o Baxá Marza6,
que com $00 Turcos fe fazia fórte.em.
hum Caftello da campanha. Quando D..
Payo acabava de dar parte ao Goterna-
dor da India de negocio ta6 grave para
o foccorrer com forças , que fuftenta(-
fem a fua importancia tað vantajoía.
ao Eftado ; elle fe occupa do terror
panico de trahições imaginadas , que
o priva de outra acçaô , que nad
feja a de abandonar Adem , e reco»
lher-fe aos navios para eftar prompto
3
b
kain duis
P eme e ee -oy epe E pe peren aa aa heme aa rea ai o a aE i
DEPoRTUGAL, LIV. Le 121
a fugir , quando a neceffidade o pe- Ers vulg:
dife. :
Succedeo ao Rei de Camphar fer
morto pelos Turcos na efcalada do Fór+
te, e voltarem elles fobre Adem, que:
o Principe de Camphar, jánovo Rei,
gefendeo com gentileza. Na idéa de que'
fe fuftentavaô em huma Cidade de Por-
tugal, para glória da Coroa obráraS ma-
ravilhas , ao lado do Principe, Pedra
Fernandes de Carvalho, Antonio de Fi-
gueiredo, Pantales6 da Maya, e pous
cos Portuguezes , que o ociofo Noro-
nha confentia eflarem em terra. Nem
o valor deítes bravos, nem a corage
do Principe impedíraõ crefcer o aperta
em Adem, e o medo tanto em D. Payo,
que avifou aos Portuguezes fe embars
gaflem aquella noite com.fegredo , pors.
que elle fe levava, Todos obedecêraS
á ordem do fep Chéfe , excepto Manoel
Pereira, e Francifco Vieira, dous ho- .
mens dignos da memoria dos ipronzes, .
impellidos por impul(o- fuperior para `
Feparsrem com acções faganhofas a glô- -
ria da Naçaô oftufcada pela covardia de
D, Payo. Elles lhe refpondêraó : Que
co-
az — HISTORIA GERAL '
Era vulg. como tinhaô ouvido dizer que Adem
era huma Cidade d'El-Rei de Portugal,
de fórte algumã a defamparariaô , em
quanto nað derrotafem os Turcos, ow
perdeflem as vidas. e
Pouco depois apparecêrad tres ga
leotas Turcas , que vinhaô de Moca ,
e erað a vá-guarda de outras, que tam-
bem traziab o deino em Adem. D.
Payo com a gente a bórdo, fez alguns
movimentos de que queria atacallas 5
mas o coraçaô perdeo o calor, e de-
pois de alguns dias de irrefoluça6 , ef»
perou huma noite , em que fe fez å
véla fem fer fentido em Adem , com
dôr , e láftima dos feus Ofhiciaes, e |
foldados , que fobre deixarem ao def-
amparo hum Rei alliado , perdiaô oc»
cafia6 de tanta honra. De muitos cafos
triftes foi origem efta retirada vergo-
nhofa. Os Turcos fabendo della déra6
hum affalto 4 Cidade , e a ganhárað
com mórte de toda a guarniçaô , do
novo Rei de Camphar, de hum irmaô ;
e amais moço deveo a liberdade, e a
vida aos dous Portuguezes, que o le-
várao a tomar pofle do Reino vago. De-
a pois
DE PORTUGAL, Liv. L. 127
pois fuccedeo a D. Joab de Ataide, Era vulg.
que fora mandado de Bagaim por D.
Joa6 de Caflro foccorrer a D. Paulo,
nað o achando em Adem, fer perlegui-
do das galéz Turcas ; obrigarem eftes
a que dous dos feus navios varaflem em
terra; ir a gente para Camphar; cel--
le com o feu ter a felicidade de fe fal-
var nos Ilheos de Canecanim , aonde
encontrou o temerofo D. Paulo refolu-
to a efperar D, Alvaro de Caftto, que
= vinha com huma Armada fohre Adem,
Jaftimofamente perdida por culpa da-
quelle Official inconíiderado, teimofo;
ou covarde. a ?
- - Ultimamente a retirada de D. Paus
lo foi caufa , nad ( de fe perder a def-
peza de hum armamento tað bello , cos
mo D. Alvaro de Caftro levava a Adema
mas do Governador feu Pai náð exce:
der ao grande Albuquerque na'glótia-de
metter na Adem foberba hum pofto dé
tanto ciume entre as mãos: dos Reis dg
Portugal : huwa gloria, que para elles
e para todos" os 'Portuguezes da. India
nað teria igual. Mas D. Alvaro ahes
gando á cólia de Adem pexdida , em»
| con- `
t
124 . HISTORIA GerAL |
Era vulg. controu dous informantes da fua defgra?
ga em D. Paulo de Noronha, e em D.
Joaõ de Ataide. O primeiro, para def-
culpar a enormidade da fua falta, en-
groflou os objetos do medo : o fegun-
do, para nað faltar á eflencia da ver-
dade , referio ingenuo os fuccefios, que
fe para a honra de D. Paulo era6 aflás
aroffeiros , para a reputaçað Portugue-
za tinha6 muito de delicados. Dos
Ilheos de Canecanim mandou. elle a D.
Joaô de Ataíde, que fofle conduzir os
Portuguezes dos feus dous navios nau-
fragados em Camphar. Enta6 foube do
novo Rei, como depois da retirada de
D. Paulo , animado por Manoel. Perei-
ra, e por Francifco Vieira, (e fuen-
tára em Adem vinte e hum dias, e que
fó aquelle Fidalgo era o culpado de ca-
hir da Coroa de Portugal huma pedra
taô preciofa.. | pe S
D. Alvaro de Caftro poz o negocio
em confelho, que refolveo, fuppofta
a perda de Adem, fe voltaffem as ar-
mas a favor do Rei de Cixem , nofio
amigo, que eftava defpojádo de parte
dos feus dominios. Parou efta expedi-
çaà
DE PORTUGAL, Liv. L. 126
áð na conguifta do Fórte de Xael, em En vulg
que fe deixáraô matar os poucos Far-
taques, que a defendiad : ventura li-
geira, a que em Goa fe deo tað alto
tom de heróica, quanto de abatida á
retirada de D. Paulo de Noronha, que
o Governador nað quiz vêr na Índia,
nem El-Rei attender no Reino, Entað
fe perguntavaó os Portuguezes quaes
era as tres coulas fuccedidas ; huma,
que de amargóla (e fez doce; outra,
que de grande fe fazia pequena; a ter-
ceira, que de pequena a fizerdô gran-
de? Elles fe refpondiab, que as bom-
bardas atacadas de maçgapões no triunfo
de D. [030 de Caítro convertêrad o
smargo em doce ;. que a conquifia de
Baroche fe mudára de grande em pe-
quena pela haver feito D. Jorge de Me-
nezes.; que a tornada de Xael, fendo
coula taô pequena , lhe derãõ eftatura
bem grande, por haver fido acçad do:
filho do Governador. D. Alvaro rece-
beo em.Goa as honras do triunfo-por
ordem de feu Pai , que entendeo de-
via ufar defta politica apparente , quan:
do vivamente {entia a pouca vanta»
ano 4 gem
126 Hisroria GERAL
Exa vulg. gem do filho „e a grande quebra de
D. Paulo.
= CAPITULO IL.
El-Rei noméa a D. foad de Caftro Vi-
- foRei da India : fua morte , e
qualidades com os fucceljos de
E Garcia de Sá.
| Pires de Tavora, coma
teftemunha de via , trouxe a Portu-
gal a relaçaô miuda do fitio , defenfa,
e batalha de Dio, que déraô affumpto.
à converfaçao das gentes , e ao aflom-
bro geral da Europa. El-Rei communis
cou. à todos os Principes a victoria,
que as fuas armas acabava6 de ganhar
fobre o Monarca mais poderofo do In-
dofta6 ; e o nome do inftrumento della,
o grande D.Joaô de Caftro, entrou a
fer ouvido com refpeito , e reverencia,
elle eftimado por hum homem igual em
ambas as fortunas. No primeiro de Nos
vembro partírad logo tres nãos a levars
lhe foccorros para a guerra, e deípa:
chos para a pefloa. No feguinte ie
Nes ro
m
DE PORTUGAL, Liv. i. 129
bro fe expedira6 outras tres com O pri- Era vulg;
meiro defignio : aquellas commandadas
por Martim Correa da Silva , que hia
provido no governo de Dio, e levava
a D. Joaó de Caftro, além das honra-
das Cartas d'El-Rei , e do Infante D.
Luis, a prorogaçað de mais tres annos
no governo da Índia com o titulo de
Vifo-Rei, dez mil cruzados de donati-
vo, ca patente de General do mar pas
ra feu filho D. Alvaro; eftas ás ordens
de Francifco Barreto , que hia defpa-
chado no governo de Baçaim, e teve
de invernar em Moçambique.
Recebeo o VifoRei D. Joaó de
Caftro o defpacho das honras caducas,
quando a natureza proítrada deixava ,
qhe o efpirito fe faffe defatando para
fahir do ergafiulo do corpo, eir go»
zar na Eternidade as permanentes.. Sene
tindo que a debilidade das forças oc»
cahonada de febres agudas o embara-
gava para cuidar dos negocios, todos
poz de parte, unicamente entregue aos
da coníciencia, que he o negocio de
“todo o homem. Elle encarregou o go-
verno ao Biípo D. Joaô de Albuguer-
Pa que 3
128 Historia GERAL `
Era vulg. que, a D. Diogo de Almeida Freire ;
Governador de Goa , ao Chanceller
Mór, ao Ouvidor Geral, e ao Vedor
da Fazenda. Depois chamou os homens
bons, os Deputados, os Prelados das
Religiões , os Officiaes das rendas d'El-
Rei, os dous Pilotos déftros, que ele-
géra para o levarem a falvamento na
fúa arrifcada viagem , a faber, o Padré
Francifco. Xavier , e Fr. Antonio do
Cafal, Cuftodio dos Francifeanos. Tens
do.os a todos prefentes lhes fez o dif
curlo feguinte : difcurfo capaz de ar-
rancar lágrimas dos olhos dos mais ins
fenhiveis, digno da lembrança da pof-
teridade , coroa da heroicidade de Di
Joað de Caftro, hum difcurío fó feu,
yerdadeiro , das pefloas do feu caracter
pouco imitado , jurando fobre o Lis
vro. dos Evangelhos as verdades, que
hia a proferir, elle diz:
Mandei-vos chamar ; fenhores, pa
ra vos reprefentar o eftado miferavel &
que: eá reduzido hum Vifo-Rei da Ín-
dia. Quanto tive , e recebi d'El-Reis
defpendí no feu .ferviço. Nem a elle ;
nem:a pefloa alguma particular fou de«
RR Não
DE PORTUGAL, LiV.L. 120
vedor de nada. Nem hum fó prefente, Era vulg.
de que eu me utilifafe, entrou em mi. |
nha cafa. Eftou tað pobre, que hoje
nað houve nella com que fe comprar
huma gallinha para ete enfermo, co-
mo o Medico mandava, Mais laftimo-
fa he a minha condiçaô , que a do fim:
ples foldado. Efte acha em hum Hol-
pital quanto lhe he precifo para fe cu-
rar. O donativo, que eu recebi da Real
Grandeza , fervio-me para fatisfazer as
dividas contrahidas nas expedições , de
que todos fois teftemunhas. Fiquei fem
hum real. Algum dia fobre o penhor
das minhas barbas achei entre vós di-
nheiro de empreítimo para as necefli-
dades do Eftado. Hoje para as minhas
nað tenho valor de vo-lo pedir por meio
do empenho das barbas de hum ho-
mem, que eftá para morrer. Naó me
fica mais refugio , em quanto nað che-
gaô as nãos do Reino, que pedir aos
Veadores, e Officiaes da Fazenda foce
corraô com o dinheiro d'El-Rei a mi-
nha neceflidade extrema da cafa, e da
pefloa. Afifli-me, Senhores, com hu-
ma congrua decente na duraçaô defta
TOM. XIF I doen-
230 Historia GERAL
Era vulg. doença. Se virdes, quê eugafio de mais,
cortai, fufpendei, tende mad no que
fôr fuperftud. Quero o neceflário para
a vida. Eth defpetider o dinheiro Real
baja Brinde cautéla. Se houverem ine
cóilvenientes para tre fazérdes efta gra-
Ga , eu a'peço 'por efmóla, e caridade
à Cafa 'da Mifericordia , que me- coita-
rá no húmero dos feus pobres.
‘De tudo quanto o Vifo-Rei acabava
de dizer, 'e de jurar, mandou fazer hum
Auto público, qùe todos afignáras :
Auto , que 'nós deviamos gravar nos
portícos dbs nvflos Templos, nas py-
ramidés , e columiias para confundirinos
“eim 'todás às idades 'os Faftbs Gregos,
e Romános , 'as:memorias dos 'Themif-
cocles, e Fabricios , dos Diogenés, e
Crateros. Os Veadores da Fazenda 'ar-
'bitrára6 ao Vifo-Rei'o"neceffário' para
o gaíto da fua ‘cafa, que nã6 fez muita
'defpeza ; porque paffados poucos dias,
fempre recolhido cotn'S. Francifco Xa-
vier na fua ante-carriata, entregou o ef-
‘pirito ao-Creador aos feis de Junho dèf-
te anno, eaos 48 da fua idade. Buf-
tou-fe oteftam nto, que eftava po (eu
5 De Co.
DE PORTUGAL, Liv. Le 130
Cofre de relguardo + em que fe acháraô Era vulg.
humas dilciplinas com fignaes de bom
ulọ , e os cabellos da barba, que man-
dára de Dio empenhar a Goa. Morreo
D. Joaô de Caftro como viveo, e me-
receo ter por primeiro Panegyrifia Q
grande S. Frapcilco Xavier nefta carta
efcrita ao Padre Ignacio Martins aas
28 de Outubro dọ memo anno:
A impenfada mórte do Vifo-Rei D.
Joað de Caftro deixou (em elpiritos a
todos elles Póyos , e certamente perdeo
S. A. .nelle o melhor vaflallo, que fe
podia defejar; e ainda fe nað fente a
{pa márte , que eu imaginei foi fonho.
Se na fua vida foi efpelho da virtude ,
edo valor, na mórte fvi pejo aos Ec-
clefiafticos., e affombro aos feculares :
aos Ecclefiaílicos , porque a-fua márte
nað parecia fenað de hum Anjo, (e di-
zer fe póde ; e aos,feculgres, porque lan-
gpu a baliza da .cubiça além da raya
«deixando no defprezo dos bens profanos
.huma memoria , de que fe póde. levan-
tar eftatua , eftimando em tapto a pp-
breza , que ainda para,a comida da fya
| ça podio pieftago, £ com, 46 lin-
pas
132 Historia GERAL
Era vulg. pas mãos da Fazenda Real, que ão pot:
- to de morrer deo teftemunho jurado,
qué pela conta que tinha que dar ao feu
Creádor, nada, nem valor de hum xe-
rafim devia. Deo o efpirito ao Senhor
com tantas moftras de Jufto , que na
minha eftimaça6 voou ao Ceo, e E:
nað, nað fei o que eu ferei.
Efe he o mais illuftre de todos os
tetemunhos, que canonifa a probida- |
de de D. Joað de Caftro, filho fegun-
“do de D. Alvaro de Caftro , Governa-
dor da Cafa do Civel, e de fua mulher
'D. Leonor de Noronha , filha de D.
Joa6 de Almeida, fegundo Conde de
Abrantes. Ta6 ilufre como pobre,
cafou com D. Leonor Coutinho , filha
de D. Leonel Coutinho, que morreo.
com o Marechal em Calecut, da qual
“teve a D. Miguel de Caftro , que falle-
ceo Governador de Malaca ; a D. Fer-
'nando de Caftro , que morreo na mina
de Dio; a D. Alvaro de Caftro , que pe-
tos Teus altos merécimentos foi Embai-
“xador-a Caftella, França , Roma, e Sa-
a yayi Confelheiro de Eftado , e Vedor
em ii WELRei D, Sebaítias. Ja
cina
Pç
DE PORTUGAL, LIV. Le 133
cintho Freire de Andrade com a {ua Fra wia
inimitavel penna tefere os fucceffos il-
luftres de toda a fua vida, e lhe defcre-
ye o caracter com efta elegancia : D.
foa de Caftro foi vifto com igual.fem-
blante entre as incommodidades da Pa-
tria, e as profperidades do Oriente, pa-
recendo fempre o mefmo homem em
diverías fortunas. Fez brio de merecer
tudo , e de nað pedir nada, Fazia-razaô,
e juítiça a todos igualmente, fendo nos
caftigos inteiro , mas tað juftificado ,
“que mais fe podiaô queixar da Lei, que
do Miniftro.. Era. com os foldados li-
beral, e com os filhos parco, moftran-
do mais humanidade no officio, que na
;mátureza.- Tratava' com grande reípeito
as acções dos feus Anteceflores, hon-
rando até aquellas , de que fe apartava..
Sem eftragar a cortezia confervou o ref-
.peito. , fempre zelou a caufa. de Deos
primeiro , que a do Eflado ; nenhuma
virtude deixou fem-premio ; alguns vi-
„cios deixava fem cafligo,: melhorando
“afim a muitos, huns: com o beneficio, .
«outros com a clemencia, Os donativos,
- que recebia dos Principes da Afia pe
a”
ti
234 Historia GERAL |
Era vulg. dava cártegaf na Fazêndi Real, virta-
dè ; que louvárdô tódos, imitárað pou:
cos. Os foldados enférmos achava6 nél-
le latima , é rémeédio ; a todos obriga:
va, e parecia devedor de todos: Nefihu-
na facçãõ empfëhèndëb ; qué tað coh
feguiffe ; Tendo has exetiições promptif:
fimo ; maduro nos confélhos. Entre oc»
cupações dé foldâdo confervol vittadés
de Religiolo ; era frêquênte em vifitat
os Templos, grande hvhtador dos Mi-
nitro da Igtéja , compaflivo, é liberat
com os pobres; devótilims da Cruz,
cujo fignal adorává com inelinaçaS pré-
funda a diferença de lúgát , ou tem-
0, &e
i Abertas as vias fé achgtad nomeados
D. Joað Mafcareúhas ; e D. Jorge Te-
jo, que haviaó partido pára © Reino.
Abrio-fe a terceira, e cahio à fórte no
veneravel velho Garcia 'de Sá, quê ef-
“tata prefente ; Fidalgo , que contava
mais merecimentos , do que dias; gue
“fe conduzia {egundo a fimplicidade “dos
primeiros rempos , e que havendo phf-
- ado na India a maior parte da vida» era
“húm feminario dé ékpeñeacias euro:
"Ema Pres, n àa-
DE PORTUGAL, LIV.. 135
nhadas de probidade. O prazer dos ho: Era vulg.
mens na fua eleiçaô foi à propoxçaõ da
eftimaçaã geral, em que todos o tinhað ,
fofem Partuguçães , qu Índios, tefe-
munhas conteítes da candura das feus
coftumes. Tudo brilhou nos primeiros
dias do feu governo, fofle na renovaçaõ
dos Tratados feitos entie q Camorim,
o Nizamaluco, q Cotamaluca, e outros
Principes, ou fofle np ajuíte na nava paz
com o Hidalcaó , que acabou por hyma
vez com o negocio mais critico , que
durava da tempo do Governadpr Mar-
tim Affonfo de Soufa atégora , a refpei-
to da refugiado Meale. |
— O Hidalcaô lago que foube que Gar-
cia de Sá fuccedéra a D.Joaô de Caf-
tro, lhe mandou propôr a falta de ob-
fervancia dos Tratados, de que os feug
predeceflores abufárað , retendo em Goa
a Meale , quando elle lhes havia cedis
do as terras de Bardes , e Salcere com
a condiças de mandarem elle Principe
para as Moluças , oy para Portugal : que
o Eftado poflyia as terras , e N cale eÈ pali
tava emGoa: que afua equidade nað
podia conlęntir efta contrayençaó., £
= que
a
2136 HisroriA GERAL
- Fra vulg, que elle lhe pedia fizeffe juftiça. Garcia
1549
de Sá conduzio efte negocio com'tan-
ta dexteridade , fervio-fe de térmos tad
infinuantes , ufou com o Hidalcad de
tal candura, que elle muito á fua latif-
façaô conveio na refidencia de Meale
em Goa, proteftou de nað fallar mais
palavra nas pretenções de Bardes , e Sal-
cete, elavrou hum Tratado de paz de
mutuos interefles com fatisfaçað com-
pleta de ambas as partes contratantes.
Sem embainhar as armas o Rei de
Cambaya, punha attentos os cuidados
da India, e de Portugal. A mórte dé
Luis Falcaõô , Governador de Dio, qué
cando de noite no feu quarto , huma
balla lhe entrou pela janela, e fem `
ber-fe donde veio, lhe tirou a vida; ô
deo grande a Garcia' de Sá. Elle man-
dou logo a D. Jeronymo de Menezes en
carregar-fe da Fortaleza , em quanto
Martim Correa da Silva nað hia tomar
offe; é elle preparou a Armada para
bae em pefloa a jornada do Nórte. Do
Reino , depois das feis nãos em que falla-
mos, fahirað mais onze em duas Efqua-
aa para reforçarem a guerra de Cam-
baya ,
DEPORTUGAL, Liv. L. 137
baya , que animada por hum Rei po- Ers vulg;
derofo , e eimulado , fazia que em Lil- 1549
boa fe lhe temeffem as confequencias. .
A primeira daquellas Efquadras era com»:
pofta de cinco nãos ás ordens de Ma-
noel de Mendoça , que levava o defpa-
cho das Fortalezas de Gofala , e de Mo-
cambique ; a fegunda de feis comman».
dadas por D. Joaô Henriques, que hia
provido no governo de Malaca. Neftas
nãos pafláraô á India os primeiros Re-
ligiofos de S. Domingos, que fundárad
em Goa o Convento da fua Ordem.em
toda a parte luminofa. . F y
Naðő foraô neceffarios eftes foccor-
£os para a guerra de Cambaya, que fou-
be prevenir a prudencia de Garcia de
Sá, O Rei Sultaã Mamud fim eftava com
as armas na mað, quando efte.Governa-
dor chegou ao Nórte acompanhado de
huna Armada numerofa, muito mais .
da fua reputaçad , que fazia maior vul-
to. Soube o Sultaô , que elle chegára
a Baçaim, e deípedio Embaixadores a
cumprimentallo, a efcufar-fe dos fuc-
ceflos paflados, a queixar-fe do Vifo-
Rei, que nad quizera cumprir os Ar-
; | ti-
Era vulg. '
138% Historia GERAL -
tigos da paz antes ajuítada com D. Gard
cia de Naraonha : huns Oficios, que
— Garcia de Sá atalhou com as demonfs
trações (enfiveis, de que o perfido Ca-
ge Cofar tinha fido a caufa da rotura
da concordia , que o Sultad padia cone
folidar , fe quizefle obrar juta, Como
as noflas efculas fe conformavab com
as inftrucções daquelles Minifiros ; a
paz foi ajuftada quafi cam as condições
dos tratados precedentes, menos o mu-
“to de divi(a6 , e nos rendimentos da Al-
“fandega , que fe haviað repartir entre
os dous Monarcas. Por efte Tratado fe
reftabeleceo na Índia tranquillidade per-
feita com grande vantagem do Eflado
e confummada gloria de Garcia de Sá ,
que em poucos mezes de governo obrou
mais , que os feus predecefores em an-
nos. | e
Nelle fe avançáraô felizmente 0$
progrefos da Religizô, a conquifta das
almas , por efeito do zelo abrazado de
S. Francifco Xavier , dos Veneraveis
Padres Miguel Vaz, Diogo de Borba,
e Joaó Soares, que regenerou pelas aguas
faudaveis do Baptiífmo o Rei se
DE PORFUêALs LIV. Le 139
Efto Principe convertido de coraça6, Ers vulg.
e cónfefior de bocea quiz tér a compla-
cencia de vir vêr a Goa a mageftade y
com que a Igreja celebra os Officios
Sáritos, Elle foi tratado como o mef-
tão Rei de Portugal, fe elle vieffe a ef-
tá Capital do feu Eftado da India; e
confirrmado ná Fé, voltou a fer o Apof-
tolô dos feus Dominios : converfad ;
quê eommunicada por El-Rei no Papa
Júlio HI elle. a feftejou com acções do
giaças, prociísões, Pontifical , e todas
as Outras evidencias de'prazer, com que
à Igreja Militante fe conforma no jubis
lo tom a Triunfanté , quando hum pec-
tador faz.ta tetra penitencia : jubilo
maior, que o que lhe caufa a perfeve-
yanca de noventa e nove Juítos , que de
penitencia nêb decelhtad.
Para pôr termo com goflo aos feus
anios avançados, Garcia de Så viv. no
fim da vida òutros fucceffos felices. El-
le vio cafadas. duas filhas efpeciofas ,
que fora D Leonor de Albuquerque
woth Manvel de Soufa de Sepulvedá,
Ruma Heroina, como imoftrou na:def-
graça do. feu maufragio ; a outra D. Jemi-
Entenda na
Era vulg.
140 „HISTORIA. GERAL >`
: pa de Albuquerque com D. Garcia dé
Noronha , filho do Vifo-Rei do meímo
nome, ambas fem deixarem no mun-
do fucceflaô , que chegaffe a netos. Elle .
vio focegar a guerra ameaçada de Or-
muz Movida pelo rebelde Bislalá, que
paffando á terra firme , inquietava ao
feu Rei, e a D. Manoel de Lima na
tranquillidade do governo. Nað o poden-
do fujeitar por meio das armas, o Reis
` e o Lima fiárað de hum galego alenta-
do o negocio de lhe dar a mórte, que
elle executou no meio das fuas trópas,
avançando a habilidade em as reduzir £
obediencia do feu Rei natural, muda-
da de repente em Ni a reos
liad. |
CAPITULO IL
Dos acontecimentos da America,
Africa , e Europa nefe ARNO
de 1 549.:
En. quanto na India acaba a vida
com mórte.:plácida Garcia de. Sá, f-
lho de Joaõ Rodrigues. de Sá , : Alcaide
|
DE PORTUGAL, LIV.L. 141
Mór do Porto, vejamos os fucceflos de Era vulg
“Portugal pelas outras partes do Mundo..
Até agora nada tenho cu tratato da
America des do anno de 1500, em quê
eka grande Regiaô foi defcoberta. por
Pedro Alvares Cabral, como diffe an-
tecedentemente. Do meu filencio foi
caufa a menos importancia dos defco-
brimentos do Brafil, por levarem os da
Índia todas as attenções dos Reis de
Portugal, que deíte anno de 1549 em
diante fe applicárad a povoar com mais
deívélo aquelle grande Continente. He
verdade, que antes do dito anno já fe
havia6 feito viagens ao Brafil , nelle
defcobrimentos , e povoações, de que
eu darei aqui huma breve notícia, até
chegar ao ponto do tempo , em que.
falamos. ? EE)
Depois que Pedro Alvares Cabral
defcobrio o Brafil, a primeira das fuas
terras , que os Portuguezes povoárad
foi a Capitania de S. Vicente, que to-
“mou o nome da Villa, fua Capital. El-
“Rei D. Joaõ a deo a Martim Affonfo de
Soufa , Governador da India, fendo já.
“fenhor da de Tamaracá feu irmaô ig
de o | Io
+
+
142 Historia GERAL
Erawulg. dro Lopes de Soula. Do Pará foi cons
quiftador, e povoador Francifco Cal-
deira de Caftello-Branco , ao qual El-
Rei D. Manoel fez mercê defia Capi-
tania pelos annos de 1516. A do Mara-
nhaô , que fe etende por 400 legoas
de cóta, fai defcoberta por Luiz de
Mello da Silva, em 1535, e povoada
por Jeronymo de Albuquerque de or-
dem do Governador Gafpar de Soula.
O Seará., huma vafta extenfad de Paiz
inculto fituado em tres grãos e meio
Auítraes entre o Maranhaô , e oRio
Grande., qué nunca teve donatario ,
tambem foi defcoberto,, e mal povoa-
do pelas mefmos tempos. Nicolão de
-Refende defcobrio o Rio Grande, ca
:fua Capitania habitada dos Gentios mais
ferozes, andou (empre na Coroa. Em
1535 deo El-Rei a Paraiba ao:.memora-
xel Joaô de Barros, . que a mandou po-
voar por feus filhos acompanhados de
900 homens ; rmas elles fe perdêrad
junto ao Rio Maranhab., .e depois de
paflarem muitos trabalhos em huma
“Ilha , voltáraõ ao Reino;fem. nada cot-
“feguirem. Muitos. annos depois a man-
|
dou
DE PORTUGAL, LIV. Le 143
doú povoar o Cardeal Rei á culta da Ess vulg
Coroa por Fra&tuofo Barbofa.
Pedro Lopes de Soufa conguiflon,
e povoou a Capitania de Tamarac., de
que El-Rei lhe fez mercê, como fica
dito, e depois foi de D. Antonio de
Ataide , primeiro Conde da Caftanheira,
donde paflou , por cafamento., à Cala
dos Marquezes de Caícaes, Duarte Coe-
Jho , que-chegúra:a Portugal rico da In-
dia , com foldados á'fua culta povoou
a Capitania de Pernambuco , que ob-
teve em prémio dos feus (erviços «, e
houve de 'fuftentar com conftancia: hu-
ma dura guerra -com os-Gentios 'Cai-
tes ajudados dos Francezes., que nos
perturbavad naquellas ‘Colonias, .Sergi-
pe- que tem 'portCapital a Cidade de
‘S. Chryftovãd., He: Capitania pobre., e
‘que nunca foi'de Donatario. Depois. fe
'fegue 'a dos 'Ilheos , que item por fua
Capital a Villa do feu nome ,. ElRei
“fez graça della em 1946 a Jorge de-Fi-
"gueiredo Correa , -que: deípendeo na (ua
""povoaçaS muitos cabedass.;-mas feu £-
Jho Jeronymo de 'Alarca6 a vendeo a
'Lucas -Giraldes , € :teye depois outros
e: eia
"144 Historia GERAL
Era vulg. deítinos. A de Porto Seguro , que tem
o mefmo nome poíto por Pedro Alva»
res Cabral na occafiaõ do feu defcobri-
mento, foi dada pelo mefmo Rei a Pe-
dro de Campos Tourinho, que a culti?
VOU, € povoou; mas fua filha Leonor
de Campos a vendeo a D. Joaõ de Lan-
caftro, Duque de Aveiro.
A Capitania do Efpirito Santo, e
a (ua Capital da mefma invocaçaô, foi
fundada por Vafco Fernandes Couti-
nho, que a obteve d'El-Rei em 1525.
Na do Rio de Janeiro pretendeo efta-
belecer-fe o Francez Nicolão Villagai-
lhon antes dos. Portuguezes a habita-
rem. Pellos annos de 1566 Mendo de
Sá , que governava na Bahia, veio em
pefloa efpalhar os Francezes volantes
confederados com os Tamoyos da ter-
ra. Elle deixou encarregada a conti-
nuaçaô da conquifta a feu fobrinho El-
tacio de Sá , que foi foccorrido pela
Rainha D. Catharina, eperdeo a vida
nefta guerra. Seu Tio lhe vingou a móre
te, abateo os Francezes , domou os .
“Tamoyos , fem que a efles valefle o
.número., aos outros a indúftria. Enta&.
T DES aa l è
meça e err a —ĖŮŮ .
DE PORTUGAL, LIV: Le. 145
fe começou a fazer célebre a Capitania Pra tulg;
do Rio de Janeiro pela fundaçaS de no-
vas povoações, efpecialmente a Cida-
de Capital de S. Sebaítias - nome, a
“que os Portuguezes unirad o obfequie
ao Rei com a devoçaô do Santo, co-
mo diremes em feu lugar. Ultimamen:
te da Bahia de todos os Santos dize-
mos , que foi defcoberta por Chryftos
vað Jacques, e que o primeiro Portu-
guez ; que por caminho defgraçado a
povoou , veio a fer Digo Alvares, que
perdendo-(e na cófta , pelo íeu modo
agradavel efeapou com os conhpanhei-
ros de encontrar fepulchro horrendo no
ventre dos Barbaros. Entre efles fe fou»
be Diogo Alvares fazer arbitro , e mes
recer grande eftimaçaô por matar ú ef».
pingarda hum paflaro , depois na guer»
ra alguns Tapuyas, Efte homem veio a
París , donde voltou para a America 3
mas no tempo que efteve em França
inftruio a Pedro Fernandes Sardinha,
que eftudava em huma das fuas Univers
(idades , nas fingularidades da Bahia, Na
volta para Portugal o Sardinha deo par+
te a El-Rei do que paflára com Diogo
TOM, XIV. K Ale
t45 -Hisroria GERAL ©
Era vulg. Alvares; à tempo que chegava da In-
dia cheio de ferviços Francifco Pereira
Coutinho. Em premio delles lhe fez El:
Rei mercê da Provincia da Bahia com
tondiça6 de-a povoar d fua cuíta.
> Francifco Pereira levou os primei-
TOS: annos ém paz, que fe mudou em
oito da mais dura guerra. Naó poden-
do já fuftentar-fe:, fe retirou para a Ca-
pitania dos Ilheos, donde ajuítou a paz
com os Gentios; mas voltando para. à
Bahia:, perdido' no -mar , -encontrou
maior naufragio -na terra , aonde elle į
e os“ftus acháraõ nas mãos dos Tupis
nambis a mórte:, mos feus eltomagos
fepultira. Afim tinhad corrido os neé
Ro da Bahia até efte anno de 1549i
omo: El-Rei por mórte do Coutinhá
havia tomado poffe da Provincia, mans -
dou nelle em cinco nãos a Thomé de
Soufa., Fidalgo muito honrado. , com
- às qualidades neceffarias para a impor-
tante 'expediçao., a que o feu Soberano
v deftinava. Elle. levava as pefloas ne-
teflarias pára o governo Ecclefiaftico ;
Politico , e Militar , muitos cafaes de
Moradores, 320-fuldados, outros tan»
a na a
` a
pr PartucaL, Livit. 149
tos degradados, e muitos, artifices pára Era vulgr
fundara Cidade de S, Salvador, que veio `
a (er a Capital dp Braúl, Metropoli dọ
Vifo:Rei , Arcebifpado , com Relação,
„e Arfenal; huma payvoagað das mais bri-
Jhantes da Ameiica.: dae
-» Com viagem feliz chegou Thomé
de Soyfa à Bahia, ẹ achou a Gramataĝ
“Teles em huma pequena Aldéa com 30
homens da companhia de Francifco Pe-
rsira Coutinhp , que yiviad em paz com
os Gentios ,: fempre aBlufiados da volu-
bilidade da-fua. condição bruta: Elle fé
poíftou em terra. gom todo o apparato
marcial, que os attemorifafle ; coim as
gxterioridades. pias da Religiad , que as
attrahifle: Precedia a todos hum Jelui-
ta carregado com o pezy de huma grap-
«de Cruz ao hombro, como reprsfentan-
do ap Original, que com outra. Crug
ás: cóllas vençeo o Sceptro do Exadtor;
como no dia de Madian, quando pará
& fua Sociedade elle tomava poffe dá
grande Regiaô de Santa Cruz, aonde
tanto floreceo a piedade dos Jefuitas. -
Immediatamente fẹ entrou á obra comi
tanta actividade q sue em) pouco tempo
ade ii o <
hand
148 -HistorIA GERAL `-
Eké vulg. ficou a Fortaleza acabada , e beim guar-
nécida de artilharia ; ʻa Cidade cercada
èm roda , é provida dos Officiaes necef-
farios para o-feu góverno: El-Rei fe em-
penhou nos annos feguintes em enyran-
decella, e no de 1550 nomeou para feu
primeiro, Bifpo ao mefmo Pedro Fer-
Naúdes: Sardinha:, que em Pariz eflive-
ta com Diogo Alvares; mas perdendo-
fe'a-hão , que o levava com muita gen-
te; elle, é os mais fora6 palo da vo-
tacidade dos falvagens Americanos.
> - Por-efte tempo efava a Corte em
“Almeirim , aonde chegou Monfieur de
“Biron com o carater de Embaixador
Extraordinario de Franga para convidar
“da parte de Henrique II. feu A mo a El-
Rei de Portugal para Padrinhó de hum
“Principe feu filho , que lhe nafcêra. El-
"Rei acceitou efla marca da amizade do
Reiile França, 6 com o mefmo caracter
enviou. à Pariz a feu fobrinho D. Conf-
tantino de Bragânça , irmaó do Duque
defte titulo; com os plenos poderes pa-
ra-ceremonia tað auguíta, D. Conftan-
tino afifio com a pompa, que ella re-
quéria tque á fua pefioa era-devida ,
eor mui-
DE PORTUGAL, LiviL. 849
muito mais á do Soberano, que elle res Era sulge
prefentava. Mas quando (ucceflos -tað
felices enchiad de fatisfaça6 a nofla Cor-
te, as vantagens do Xerife em Africa
perturbáraS o prazer com. o fuíto das
confequencias. i
Efe Barbaro > que como eu tenha
moftrado , principiou de homem. par:
ticular a le vantar a máquina-da (ua-gran;
deza fobre as idéas do:-fanatifmo., fa:
zendo-fe na Africa Mifionario do Al-
corað ; já Rei de Sus, depois de Mars
rocos pela. -derrota de feu.irma6. o Xer
rife Mayor, agora metteo o Reino de
Féz no número das fuas conquiftes. El
le poderofo com o daminio de quatro.
Reinos tað. confideraveis como o. de
Bus, Féz, Morrocos, e Veles., bum.
ma tal uniaó de Sceptros metteo em
agitaçaó a Corte de Portugal, e a fez
lembrar da neceflidade , que tinha de
guarnecer as Praças de “Africa a como
barreira para impedir em Hefpanha as
invasões do Monarca formidavel. Levou
-as primeiras attenções ÁAlcacer Ceguer,
aonde fe determinou fundar hum Cafe
tello na ponta do: monte de Seynal..
que
t
146 "Historia GrRhAL a
Erk vulg gue era húm padrafto com aptidad paz
tà poder a Praça fer batida. Foi: èn:
carregado defta obra D. Affonfo de No:
ronha', Governador de Ceuta, junta:
mente com Alvaro de Carvalho, que ú
era de Alcacere. O bravo Luiz de Lot:
féiró foi enviado à Andaluzia reclutar
ob homens para Tangete , 400 para
“Arzila, co número; 'que'podefle , pará
o Seynal. D. Aflonfo: de Portugal; filho
do Conde do Vimidlo, tevé incum»
bencia dê expedir as trópas ; `e defor»
heter os ViveteS ; eriudições. * t
<` Aow também El-Rei ho-Iriperas
dor Callos V., que-fe rchavatem Bryt
géllas, das vovidades de Africa. O mef-
mo “avilo fez a:feu-fobrinho o Archi
Duque Maximiliano , que goverravá
por elle eim Caftellá ; vepréfentárido a
áinbos"os interefles communs, e€ queas
bálér Chftelhanas cruzaffem os mares
dentro, ¢ fóra do Eftreito. Condefcen-
dendo ambos os Principes com efta det
manda do-Rei de Portugal, D. Afon-
fo de Noronha pafla de'Ceuta a Atcas
tëre , aonde vað com trópas: Caftelha-
nas o Duque: de Arcas i o o, ge : de
Es — Qal-
DE PORTUGAL, LIVI. gt
Gaftellar. Todos reconhecem a-impor- Eta vulgã
tancia. do Forte do Seynal, em qae:
trabalhava, com ardor- fem oppoficaa
dos Mouros, Quando. todos fe.-difpus
nhað para levantarem na Mkuritania nos
vas pegas de-fortificaçad , : máquinas pas
ra huma defenfa vigórofa , Luiz de Lou:
yeiro chegava de Lisboa com ordeni
para Arzila , que era governada. pele
Conde do Redondo, fer demolida ,;-€
abandonada aos Mouros: : reloJuçag: ;
que huns fentitað , -outros approváraðş
que. (e -a alguns. pareceo. providencia ;
muitos na conjunctura a attribuirad a
medo , ta vários ps fentimentos dog
tomens , como diferentes as “inclinar
ões dos efpiritos, ou os afectos. dos
Orações, | Ao
Temia-fe fobre da a ária: do Xer
sit + quando fizemos minar as fortifi-
Laes de Arzila, que levárad pelos ares
hun dos tres magnificos troféos , .que
dérő ao Rei D. Affonfo V. a Devifa
glorofa de Africano. Já fe temia o mef-
mo hino a Alcacer Ceguer., que lhe
nað: tedoy, nem já havia quem reco-
er a importane do Seynal, pou-
Ço-
igê Historia GERAL `
Eis vulg, CO antes canonifadá importantiflima,
Como a lifonja era o primeiro agente
para fe tomarem reloluções effedivass .
entendeo-fe jufto que os dous grandes
homens D. Pedro Mafcarenhas , e feu
Sobrinho D. Joaô Mafcarenhas, pouco
antes chegado da India com o titulo de
Heróe pela memoraval defenfa de Dio,
pafaflem ambos a África, e foflem el»
jes os Juizes arbitros do. que fe devia
fazer da Praça de Alcacer, e do For-
te do Seynal. AflentáraõS eftes Varões
illuminados, que nað obftante.a defpe-
ga de tantas fommas até entaô appli-
cadas , o Seynal, e Alcacere -deviad
voar, como eflectivamente foi execu
tado. oo | s
Nað impedio o meímo deftino f .
* bre Arzila a negociação do Rei dep(-
to de los Velles: refugiado na Praçade
Melilha. Luiz de Loureiro trabalhva
na execuçaó das ordens, de que ora
encarregado, quando El-Rei pelo feu
Embaixador Lourenço Pires de Tavo-
ya reprelentava ao Imperador Cimos a
neceffidade da unia6 dos dous Pincipes
para defimembrarem os Eftadosdo. =
a rife
Nr gr. q a mg
p Ea
-çia.::Foi encarregada ela dd > a
DE PORTUGAL, LIV. Le 153
rife com a protecçaô , que elles devia Era vulg.
dar a Muley Buhaíon, Rei dos Velles.
A meíma negociação fe tratava com Mas
“ ximiliano em Cafella;, e além defla Li-
ga , pretendia aguelle Rei dethronado,
que havendo os Portuguezes de aban-
donar Arzila, lha entregaflem a elle pa-
ya a oppór como hum freio aos pro»
greflos rápidos do Xerife. Para lograr
ambos os defignios Muley foi em pef-
foa a Caftella.,-e a Anvers, aonde na-
da confeguio de proveito. Voltou a Lif-
boa com-a efperança de fe ir firmar em
Arzila, .que já eflava em podet dos Bar-
-baros -o Xerife mais arrogante com
eítes deípojos, que deveo antes a bhu-
ma frouxidaõ languida , que ao feu va-
dor ardente,
El-Rei , que quando queria dimi-
nuir-lhe os Eílados, lhe engroflava o
poder , nað duvidou dar a Muley os
foccorros, que lhe pedia para o leva-
rem á fua Cidade de Velles com o def-
“tino de renovar a guerra , para que o
-convidavaô arrependidos os feus vafial-
Jos, que lhe haviaô negado a obedien-
5º
Erá vulg.:
194 Historia GERAL:
Ignacio Nunes. Gato, que: tinhaxa rés
commêndaçaô de fer bom interprete da
Libgua Araba , e:partio para ela-com
cinco navios., em que: levava 0:Rei
Muley , e s0o homens.de foccorra. . El,
le entrou na Cidade: de» los Velles far
gendo oflentaçaô do feu poder com hu»
ma falva eftrondo(a de artilharia; mas
defpatada a tað mão tempo , que foi
ouvida: pot Zala Raez, Governador de
Argel, que da outra. parte da terra acar
bava de: efpalmar huma Efquadra de
winte., e quatro. galés ,. com que andar
va “infeftando os amares.de Hefpanha.
Nað mediou tempa em elle ouvir O
eftrondo dos canhões: , mandar -tomar
os rémos.em punho, .e entrar com fem
blante de guerreiro pelo porto de lob
Velles. go Deaan
© Defendeo-fe Ignacio Nunes com co-
‘Tage em partido ta6 defigual , que até
“Me faltou o vento para: fugir, fendo a
“calmaria taô vantajofa ds: galés. para
"combater, Ficárað os cinco navios, ©
“as fuas tripulações pHftoneiros do Raez»
“que entrou com elles triunfante em År-
“gel. Peida, que fe entad- foi fenível
Es — ao
DE PORTUGAL, Liwa. 16%
ao Rei Muley, depois tirou delta con:
fequências felices pela alliança:, que fez
com Zala Raez, como veremos a feq
tëinpos egue fervio a ElRei para ex-
ercitar os offrcios da taridade com .os
feus vaffallos captivos , que prompta-
mente. refgatoú -do poder dos Barbaros
por meio da delpeza ae grons fom»
masi 5p
Megh PR 1a ab
ma CAPITULO LA
+
Contini. a materia do Capitulo. pretn
' Mentes quahto aos megocios “da Burd-
pas até no princíipiodo governo: -de
Sorgo Cabral- Pe fed eta
k +
s 4. ` + aik
Pio em Ant BRA ji:
ra “as. tenteferitações Muneltas ; que de-
pois le fegufra6 , El-Rei He applicava
«cotn adtividade em fazer feliz o (eu
Povo ;: feja pelos novos : regulamentos
“dados aos Defetnbârgadores pura cot-
tarem as demoras das caufas, que en-
Welheciad os pretendentes na- Cortes;
i: “por abater às preços *dos generos,
que
Era vulg.“
196 Historia GERAL ::
Era wulg.. que. os monopoliftas fobiad a huma al-
| tura intoleravel; ou feja pelo deívélo .;
com .que cuidou nos avances. da agrir
cultura, e multiplicação das coudelas
rias, de que no Reino havia neceflidas
de. Quando elle fe entretinha neftas ac?
gões dignas da-Mageftade , hum nego-
cio em Roma, outro em França lhe
defafiára6 a attençaó. Morreo na Cu-
- tia o Papa Paulo II. , e por arbitrio
proprio Balthafar de Faria, que eftava
nella Enviado, lembrou aos Cardeaes,
e. aos Embaixadores do Imperio , e de
Franiça a pefloa do. Cardeal D. Henri-
«que para fucceder no Pontificado. Co-
mo em todos:achou acolhimento, fol+
fe fincero , ou apparente , deo parte
do que paflava a Lourenço Pires de Ta-
vora , Embaixador junto 4 pefloa de
Carlos V., e a Braz de Alvide, Re-
fidente em Paris, que encontráraó nel-
tes Soberanos as meímas civilidades »
„que Balthafar de Faria achára nos feus
"Embaixadores em Roma.: |
Os dous Miniftros iluminados Ta~-
„Vora . e Alvide, nað querendo avançar
.os ofícios em hum negocio. defa na».
A
DE PORTUGAL , Liv. L. 19%
tureza fem ordem exprefia de feu Amo, Eca-vulg:
deraô parte à Corte de Lisboa, a tems
po que o Faria tambem praticava efte
jufto dever. El-Rei, que fe defejava pa-
ya- feu: irmað efta alta Dignidade, nað
Queria: follicitalla como pretendente
com detrimento da honra da Sobera-
nia ;-nem. por meios humanos ; mas
recebella como hum dom, que pende
do alto ; elle efcreveo ao Imperador ,
ao Rei-de França , àos feus tres Minil-
tros por hum tom, que fazia fobrefa-
-hir a independencia da Mageftáde ao
empenho , que fe lhe podia confiderar
de vér Pontifice a hum Cardeal Prin-
cipe, que-era irmaô de hum Rei. Po-
tém quando as infirucções chegáraó a
Roma., os Cardeaes havia6 dado tanta
prefla à eleiçaô, que já Julio II. efta-
va criado Papa. El-Rei moftrou tanta
fatisfaçaO da fua eleiçaô , que logo lhe .
mandou: render obediencia , e dar os
parabens da exaltaça6 ao Solio por hu-
ma pefloa de tað alto caracter, como
era feu Sobrinho D. Aflonfo de Lan-
caftro., Commendador Mór da Ordem
de Chrifo...
a N No
3 o
+58 Historia GERAL >o `
Ers vulg, -— No negocio de França podia EkRet
tomar as medidas eftipuladas nos Tras
tados precedentes para cortar os excef-
fos dos pyratas Francezes, que nað cel-
fava6 de infultar os noffọs navios , que
voltava6 das conquiftas. Naó quiz elle
valer-fe da força fem efsotar os meios
da prydencia ; ordenando. a Braz de Al-
vide- propozeffe ao: Rei Henrique , e
“ag Condeltavel ds França-as contravene»
ções dos Françezes aos mefmos Ttatas
dos ; que rompiçô a eada paflo : que el»
le: efperava- da fua equidade: fizeflem pat
rar os infultos ; e-que. quando affi nad
fuccedefle , elle (e havia por juftihcado
para repellir a força com a forga.: Relulr
toj defes oficios prorogar-fe mais tem-
pa para Juizes arbitros:decidirem a quet-
tað, que era bem-capaz de tranftornar
a harmonia dos dous Eftados contratan-
tetas DO ese só UR
-" Quando em Portugal, e Africa acon-
teciad: os fuceflos. referidos, na Índia
acabava: a vida com reputaçaô entre. og
homens o Governador Garcia de Sá,
eaberta.a:quarta, fucceGad., Jorge Car
bral foi declarado feu fucceflor. podes
ss É acha-
DE PORTUGAL, Liv. L. T29
achava governando Baçaim , aonde fe Bra vuh
lhe mandárað as novas da nomeaçaó ,
que fú deixou de fer agradavel ao efpi-
rito: do nomeado. Longe de acceitár O
cargo:, à nenhuma ambiça6 de Jorge
Cabral quizera antes acabar o emprego,
que occupava pata fe fervir dos foldos
na viagem do Rcino y que voltar a ele
como mendigo depois: de governar a In-
dia. Foi capaz de derrotar efta confide-
ração: bem previfta a jadtancia de fua
mulher, que fendo-bella, moça, e am-
biciofa, preferio as fumaças da honra
vã, ou os defejos de fe vêr a primeira
fenhora da India aos intereffes reaes, é
verdadeiros, que melhor ponderava a.
circunípecçao do feu prudente marido.
Ajuntou-(e ao prazer y com que Goa
o recebia nos corações; o da chegada de
cinco nãos , que efe anno fahíra6 de
Lisboa commandadas por D. Alvaro de
Noronha, filho do Vilo-Rei D: Garcia,
provido no governo. de Ormuz , e que
trázia ás fuas ordens os Capitães Dio-
o de Mendoça , Jocome TriÃaS , Joa
igueira , e Diogo Botelho Pereita, a
que fora na pequena Eufta leyar: d Fte-
Meres ia
160 HISTORIA GERAL
Era vulg. dia a Portugal a noticia da fundaçaó da
Fortaleza de Dio. Efte homem memo-
ravel , depois de andar annos na Corte
defattendido em premio da fua faganha ,
como diflemos, perdida a faude no go~
verno da Ilha de S. Thomé , agora def-
pachado no de Cananor , embarcou
taô hydropico , que fobre parecer hum
'monftro , fe aflegura bebia dous almu-
des de agua em cada dia: moleítia, com
que chegou á India para ter a confola-
çað de morrer lembrado.
Naô fe enganou o público na idéa a
que foina do merecimento pefoal
de Jorge Cabral, eo feu governo, aine
da que breve , paflou por hum dos mais
eftimaveis entre os melhores. Elle foi
hum Fidalgo , que naő conhecia o in-
terefle; que amava a juftiga ; que- zes
Java o bem commum ; que abominava
E dra. que a toda a hora ouvia as par-
ss que ainda ás mais impertinentes fe
po benigno; que fempre teve as
trópas fatisfeitas. A eftas bellas qualida-
des ajuftava elle a de huma condefcen-
«Cia facil aos diétimes dos: prudentes ,
de que refultaya ,: que, Os. homens nog
x con-
me e RE ps
DE PORTUGAL, Liv.L. 161
confelhos votaffem livres, ou lhe fize(- Era vulg.
fem avifos por cartas anony mas, quan. `
do as urgencias do Eftado o requeriaó. |
Depois, no meio dos negocios mais fe-
rios , entretinha o povo com hum efpi-
rito de jucundidade , multiplicando fef-
tejos públicos para o ter fempre -con-
tente, quando as trabalhos era6 mais |
fortes: Idéa imitavel, de que fó fe apar-
ta a aulteridade dura , que le firma no
temor dos outros , como fe ella podef-
fe ter aquella virtude fuperior , que faz
bemaventurado o homem, que (empre
anda medrofo. |
Grandes negocios occupáraS em
pouco tempo toda a dexteridade de Jor-
ge Cabral. Elle teve de prover os das
Molucas, que corriaô de mal em peior ,
efpecialmente depois de faber , que påf-
favaô a ellas os Caftelhanos em cinco
nãos commandadas pelo mefmo Ferna6 |
de la-Torre, que annos antes trouxera
Fernad de Soufa de Tavora daquellas
Ilhas para a India, donde fe recolheo a
“Hefpanha. Elle nað pode. efcular-fe de
- tomar partido na guerra contra o Rei
de Bardelá , qué os li aa chama-
TOM. XIV. va
Era vulg.
163 HISTORIA GERAL
vað o Rei da Pimenta. Elle teve de foc»
correr em Ceilaô ao Rei de Cota cone
tra feu irmaô rebelde. Elle deo o mef-
mo auxilio ao de Candea, que repre»
fentando-lhe o defejo de fer Chriftað ,
pedia tropas para fe oppôr aos vaflallos ,
que o quererizô divertir dos feus fantos
intentos. Em fim, elle fe vio na necef=
fidade de fazer hum armamento refpei-
tavel por conta da voz , que corria,
de que os Turcos com huma grofla Ar-
mada , que tinha de verga d'alto no
porto de Suez , marchavaô a atacar al-
guma das Praças mais importantes da
India.
Em quanto á guerra do Rei da Pi-
menta, efte Principe, que fegundo o
coume Oriental, era hum dos perfi-
Jhados do Rei de Cochim, abandonou
efta relaçaô para a contrahir com o Qa-
morim de Calecut , fempre inimigo da-
quelle Rei, e por confequencia dos Por-
tuguezes. O de Cochim fentio a fua in-
“Júria, eo perigo do leu Reino com ef-
ta altiança ; nós a falta da pimenta, que <
Bardelá nos fornecia, e agora paflaria
a Calecut. Antes que efe negocio hou» .
| veí-
DEPORTUGAL, Liv.L. 163
veffe chegado a termos de rotura”, Jot- Bra vuly.
ge Cabral, que viera de Tanor a Co-
chim , fe defgoitlou com o feu Rei por
condefcender nas idéas de Francifco da
Silva , Governador da Fortalaza, Fi-
dalgo impetuofo , imprudente , avaren-
to, que confeguio delle à permiflaõ de
roubar o Pagóde de Palurte , aonde ima-
ginava hum grande thelonro. Defta em-
preza taó temeraria , como injufta, nað
reluitou mais proveito, que mórtes, e
feridas de Portuguezes , fentimentos do
Rei de Cochim pelo infulto facrilego,
e o Governador nada confeguir nos ne-
gocios, que o trouxera6 á Corte do Rei
amigo , agora aggravado. z
Com a aufencia do Governador to- 1650
mou corage o Principe da Pimenta pa-
ra obrar com força defcoberta contra
Cochim : refoluçaó, que poz o feu Rei
na necefidade de fe reconciliar com
Francifco da Silva, que inutilmente ten-
tou todos os meios para divertir o Prin-
= cipe da alliança com Calecut. Conclui-
“da ella, o Principe fortificado com os
foccorros , que recebêra do Camorim ;
veio ajudado de mil Nayres lançar-fe na
i L ii “Tiba
164 Historia GERAL
Era vulg. Ilha de Bardelá, que era o objeto da
© ` divifað, efe fez fenhor della. Efa ex-
pediga6 fez pronunciar no juizo do Rei
de Cochim, e de Francifco da Silva a
fentença decifiva da prizað , e ruina: do
Principe. Ambos os Colligados o buf-
caô em Bardelá , o primeiro com as fuas
forças de terra no Reino da Pimenta , q
fegundo por mar na Ilha com 600 Por-
tuguezes. Antes da rotura o Principe,
que já delejava compôr-fe , acceitou a
“propofta de huma conferencia com Fran-
ciíco da Silva. Elle confentio em tudo,
até (e fobmetter a refidir na noffa For-
taleza de Cochim, com tanto que o Sil-
va fofle garante da fua (egurança , em
quanto fe tratafle da paz. T
Tranfportou-fe o nofio Chéfe da fua
arrogancia cotumada , e fe fuftentou
obítinado na propofiçaô deftemperada ,
“de que elle fe havia entregar á difcri-
'çaô do Rei de Cochim. Como o de Bar-
delá reculou efta extravagancia , Fran-
cifco da Silva depois de o tratar como
“quiz, lhe voltou as cóftas , e fe lan-
. çou ás armas. Duro foi o combate, e
Belle victimas da fem-razaõ as obg
Co “ Prine
DE PORTUGAL, Liv. L. I6g
Principe, e do Silva. Ete Cabo vale- Ers vulg..
“tolo , ainda que imprudente , teve a
vantagem tað completa , que morto o
Principe , derrotadas as fuas forças, che-
gou ao Palacio Real, elhe deo fogo;
injúria, que para os vaflallos da cófta
do Malabar era intoleravel. Os Índios
do feu partido o avifáraó , de que ella
havia fer caufa dos Nayres fe fazerem
Amoucos ; virem lançar-fe fobre os
Portuguezes a morrer, e matar; que
elle fofle: embarcar-fe , antes que os
prazeres da viétoria fe converteflem em .
lutos. Elle defprefou o confelho , e ao
tempo, que os prudentes á vifta de hu-
ma trópa de Nayres furiofos bufcavað-
a praia ; elle com 150 temerarios,
que o feguirad , fe avançou para a Ci-
dade. VR: E
Creíceo tanto: O número. dos con-
jurados, que o Silva teve de bufcar: o
campo para correr ao: embarque, Co-
mo elles fe lançava6 a corpo perdido
fobre os noflos com fúria brutal, mpi-
tos entráraô a cahir, entre elles alguns
Fidalgos diftinêtos ; os mais cuidáraó
em fe retirar para bufcarem nadando as
T em-
166 . HISTORIA GERAL |
Eta vulg. embarcações com defordem lamentavel,
= Francifco da Silva defamparado -dos
feus , mais furiofo que os Amoucos,
fe lançou a elles, e depois de peleijar
em deleíperado , cahio morto aberto
em feridas. O mefmo defino tiveraó
mais de cincoenta Portuguezes, que fo-
raó facrificados pela precipitaçaô do
feu. Chéfe , que. teve por Succeflor na
emprego a Henrique: de Soufa Chichor-
xo para reftaurar a glória da reputaçaô
perdida (obre. os Nayres arrogantes com
æ vitoria. Ella os encheo de tanta. fo»
berba , que nað contentes com. deval-
tarem a Ilha de Aru pertencente ao Rei
de Gochim , viéra6 atacar os arrabaldes
dea Cidade pelo quartel dos Judeos.
Henrique de Soufa lhes fahio ao ene
contro com (ucceflo tað differente ao do
feu: predeceflor, que nem hum fó dos
Amoucos ficou com vida. |
Pela certeza conflante de que o
Camorim preparava hum Exercito de
140)000 homens para vir tomar pof-
fe da Ilha de Bardelá , e mais Eftados
da Rei defunto , em que havia perfilhar
bum fobrinho, que lhe ficára, e. que
Ato E; l pa-
ator da
= DEPORTUGAL, Liv.L. 16%
pata ebgroflar mais o poder cohvocava Era vulg:
tados os Principes feus vaflallos ; os
Governadores de Cochim , e Cananos
determináraô oppôr-fe a eftes defignios,
e cortarem ao Camorim a paflagem pa-
ra os Paizes ameaçados. Toda a dili='
gencia deftes Chéfes nað impedio, que
elle lançaffe na Ilha 40gj000 Nayres
conimandados por defoito Principes feus
- alliados, e tributarios , entre ellès al-
guns rebeldes de Cochim. Henrique db
Soula defpachou por mar com efle avifo
ao Governador o valerofo Fernad Ro-
drigues de Mariz, que com viagem hor-
tenda no rigor do Inverno chegou a
Goa atropelando perigos. Ao meímo
tempò mandou a feu cunhado Antoniô
Correa, que com trinta navios de re-
mo impedifle aos Príncipes acantona-
dos em Bardelá a communicáçao com
o Camorim, que eftava em Clior no
Continente de Chembe. o
Nós nað individuaremos os (utcel
(os ligeiros delfta guerra em todo o'Tn
verno para referirmos os cuidados dë
Governador Jorge Cabral , que défe-
jando empenhar nella as forças do Ef-
tas
| 168 Histonra Gerar |
Erá vulg. tado pelos noflos interefles enlaçados
com os de Cochim ; elle fe via embas
façado com as noticias concordes da
ip “Armada de Turcos, que vinha
ahirido do Eftreito a demandar a Índia z
noticias , que chamavad todas as fuas
attenções , fem poder refervar alguma
para o grande negocio de Bardelá. El-
las lhe impedia6 lahir de Goa , e o for-
çavað a preparar a Armada com toda g
diligencia ; mas ellas lhe fervíraô para
dar novo relevo a fua confummada pru-
dencia nos confelhos, que pedio a tos-
dos os homens de experiencias efpalha-
dos pela India ; para conhécer a delicaé
deza de eflimaçaő , que todos faziað da
fua pefloa nos importantes, e volunta-
rios donativos , que lhe aprefentáras ,
tudo officiofo , nada extorquido. Cos
mo difpoz à Providencia ao meímo tem-
po pelo avançado da Eftaçað , que as
nãos do Reino já nað poderiaó paflar de
Cochim, eque a Fróta Otomana por
ordem do Sultaô foflé defarmada em
Suez ; Jorge Cabral ficou defembara-
gado para empregar as forças da India
na guerra de Calecut, > -> Rs
DEPoRTUGAL, Liv.L. 169
É CAPITULO V.
"Da expediçao do Governador Jorge .
* Cabral fobre Bardelá , e outros
~ Juccefjos do feu tempo nas
| Molucas.
S
I:
o
| E PR na Índia o temor da' Era vulg,
vinda dos Turcos , o Governador def-
| semi de Goa a Manoel de Soufa de
epulveda, para que ajuntando os feus
navios aos de Cochim , bloqueafle aos
Principes Malabares na Ilha de Barde-
lá. Elle os rodeou de fórma, impedi-
dos os foccorros, e a communicaçaô
da terra firme, que avifou ao Gover-
nador lhe tinha fegura a victima para
elle a vir immolar: tað officiofo com
o feu Chéfe para elle ter a gloria do
triunfo, que nað quiz acceitar a offer}
ta da liberdade, que lhe vinha offere-
cer grande número de foldados com-
“muns reduzidos à ultima extremidade
da fome. O Governador com efle avi-
fo fahio ao-mar na viftofa Armada dë
mais de cem navios, em que embar-
ra | CC - cou
170 . Historia GERAL -
Erə vulg, cou toda a Nobreza ; veio pela cófta
do Malabar , já fazendo oftentaçaô bri-
lhante do poder, já delcarregando gol-
pes pezados com a cfpada. Elle redu-
zio a cinzas fobre a marcha as Cidades
de Tiracol, Coulete, e Panane. Che-
gou á de Calecut, e quiz fazer-lhe o mef-
mo ferviço; mas os Fidalgos , e Offi-
< ciaes velhos lhe propozerad o rifco def-
te empenho, que podia mallograr o prin-
cipal projecto, o qual eraa priza6 dos
- Principes Malabares, que elle tinha em
Bardelá como atados em hum laço, O
homem flexivel tomou o confelto , e
fe fez na volta de Cochim , aonde achou
o feu Rei, que com sogjoco foldados
o efperava para obrarem unidos. No dia
feguinte foi a Ilha rodeada pelos navios
da Fróta, a cuja vita os fitiados arvos
ráraó huma bandeira branca em fgnal,
de que queria6 parlamentar. Elles fora
“ ouvidos: as noflas condições lhes pares
céraS duras; efpecialmente quando ou»
víra, que os dezoito Principes fe ha-
viaô entregar nás noflas mãos falvas as
Vidas para depois fe regularem as con-
dições da paz. ð
DE PORTUGAL, Lave. 71
— O Rei de Tanor, que haria eftado Em vulg;
em Goa depois de convertido, como |
difemos , era o Medianeiro neftes ajuf-
tes, que leváraô tres dias. Como as pro-
poftas nað foraô, nem erað acceitaveis,
ficou determinado o aflalto da Ilha pa-
ra a madrugada [eguinte. Porém no meio
da noite chegou á Armada com cartas
hum Fidalgo mandado pelo Vifo-Rei
D. Affonfo de Noronha , que fazia fa-
ber ao Governador Jorge Cabral a fua
chegada a Coulað , e lhe ordenava nag
fizefle algum movimento, em quanto el- .
le nað chegava a Cochim, que feria bre-
vemente. Subprendeo-fe Jorge Cabral
com a ordem , que lhe arrancava das
mãos a gloria da acçaó mais bella, Nað
“abflante a períuafad dos Officiaes park
elle a interpretar fegundo: a configurar
çağ do tempo, no Varað fabio a pru-
dencia toma preferencias fobre as inf»
tancias, cede a mefma gloria emoble-
quio à abediencia, Eu fou fenfivel aq
empenho que moftrais da minha vepur
tação , diz Cabral aos feus fubalternos;
mas que. gofto me póde dar a vidorias .
que ha de ter por confeguenctia deixafr
173 Hisrorra GERAL. '
Era vulg. vos a todos no defagrado do Vilo-Rei ?
Acabe Jorge Cabral o feu governo fem
complacencia , com tanto que vós fi-
queis em paz com o novo Chéfe.
- Deixando o mais que pertence á ex-
pediçaô de Bardelá para o (eu tempo.
proprio, concluiremos em huma reca-
. pitulaçaó breve outras acções no do go-
= verno de Jorge Cabral. Os progrefios
da Religiaô forað os mais confideraveis
“pela actividade dos muitos Operarios
das Ordens Francilcana, Dominica, ©
Jefuítica em diferentes Regiões da In-
dia. O Padre Gafpar Barzeo mudou a
face do Reino de Ormuz. Antonio Cri-
minal derramou o fangue pela Fé no Ca-
bo Comorim ás mãos dos Bagadás. Os
Franciícanos em Ceilaô recolhiað fru-
` &os abundantes na dilatada vinha do Se-
nhor. Nefa Ilha o Principe de Candea,
inclinado ao Chriftianifmo , era perfe-
guido pelo Rei, feu Pai: pela melma in-
elinaça6 o Madune perfeguia a feu irmaô
o Rei de Cota. Em favor de ambos man-
dou o Governador Jorge Cabral feiscens
tos. homens a Ceilaô commandados por
feu Tio D. Jorge-de Caro, que def”
Ed em-
DE PORTUGAL, Liv.L. 193
“embarcou em Columbo. O Rei de Can- Era vulp
dea foi o primeiro em ufar dos feus cof-
'tumados artificios por meio.de Embais
“xadores bem inítruidos no fundo das
fuas intenções, que reprefentáraó a D.
" Jorge , como feu Amo nada defejava
tanto como fervir a Portugal, reconci-
liar-fe com feu filho, fazer-fe Chriflaó,
para o que pedia lhe mandafle por ca-
tequiftas a dous Padres. Francifcanos. -
- JD. Jorge concedendo facil quanto
“lhe foi pedido , marchou a foccorrer a
Praça de Cotas que o Madune tinha
' €m apertado fítio, para fe applicar de-
pois aos negocios de Candea , como
levava em regimento. O Madune levan-
tou o campo com precipitaçaó , fem-
- pre feguido por D. Jorge na téfta daí
: trópas Portuguezas, que hiaó reforça»
das pelas do Rei de Cota. Arrojandoro .
de tres desfiladeiros até o levar a hu-
ma campina raza no caminho de Cei-
tavaca , para onde o Madune fe retira-
va; D. Jorge oataca, vence huma ba-
- talha completa , obriga-o a bufcar def-
trocado o refugio dos bofques , apre-
- -Senta-fe fobre Geitavaça, que abre as
o | por-
174 Hisrorra GERAL ©
Era vnlg. portas ao vencedor, offerecendo-fe å pis
Riagem. Madune na6 teve outro re-
curlo , que o da ordinaria piedade do |
irma6 fempre clemente com efle re-
belde. |
Mais animado com vitoria tað af-
fignalada, D, Jorge determina paflar ao
Reino de Candea , para onde mandára
os dous Padres Franciícanos com hum
Official Francez , que nos fervia, coms
mandando a efcolta de doze foldados.
O Rei de Cota o diverte do intento
com a lembrança da perfidia do Rei de
Candea ; com a memoria ainda freíca
do fucceflo de Antonio Moniz Barreto ;
mas nada fufpende a refoluça6 tomada
por D. Jorge. O Rei perjuro , em quan»
to elle fe demorou na expediçao de Cor
ta, havia ajuntado hum Exercito de
409)000 homens , e fortificado Candea
para efperar a vitá. Marchou D. Jor-
ge com tanta fegurança, que fe poftow
meia legoa da Cidade , aonde efperava
entrar nos corações , e foi recebido nas
pontas das lanças. Todas as trópas fe-
riað vitimas da perfidia do Barbato „
{e o Official Francez naō fusife efa
o l noi-
DE PORTUGAL, LIV.L. 175
noite da prifaó, e viefle avifar D. Jor- Era valge
ge do laço, em que eftava cahido , fe
a toda a marcha elle fe naõ pozefie em
retirada.
Afim ofez o credulo Official, da.
ro em acceitar as advertencias fauda veis
do Rei de Cota para experimentar os
effeitos tries da inconfideraça6. O Rei
de Candea avifado do feu retrocefio,
fahio a cortar-lhe os caminhos , a efs
perallo nos desfiladeiros , aonde encon-
trou hum homem totalmente defigual
a Antonio Moniz Barreto na cabeça, .
nas mãos, na agilidade, no confelho,
até na fortuna; aquelle com tanto. de
glória, quanto efte de abatimento. As
trópas quali fempre fem ordem, a ca-
da paflo batidas , foraô femiando o
campo com 800 cadaveres, de que a
ametade erað Portuguezes , a outta
Chriftãos do Reino de Cota, o refto
perífeguido até entrar nos Eftados de
Ceitavaca. O Madune, ta6 pérfido co-
mo o de Candea , fabendo do deftroço:
do feu vencedor o mandou hoípedar por .
hum Modeliar com çoo homens, que |
levavaS ordem para o acabar de deftruir,
176 Historia GERAL
Esa valg. D- Jorge, que penetrou a trahiça6 , de
noite levantou o campo, e por vere-
“das incognitas fe falvou em Cota; mas
as fuas bagagens foraô deípojos de Ma-
dune , as cabeças dos enfermos, e fe-
tidos as viétimas do feu odio. O Rei
“de Cota cumprio os- deveres de bom
amigo , e deípedido delle D. Jorge; foi
para Columbo , aonde embarcou, e (e
fez na volta de Cochim. |
Os negocios das Molucas, do pon-
to da Epoca, em que eftamos , cor-
réraô tanto á decadencia até encontra-
rem vinte annos depois a fua ultima rui-
na, que nós faremos delles huma reca-
pitulaça6 nefte lugar para nað fallarmos
muito tempo nas Molucas. À origem
das. defordens continuadas neftas Ilhas
infelices da época da entrada dos Por-
tuguezes até ao da fua expul(ad ; o mo-
do com que elles fe conduziraô , tað
, diferente da fua conduĝa ordinaria nas
outras partes do mundo , aonde fe ef-
tabelecéraô, e que fomentou as meímas
defordens; tem pouca dúvida, que el-
la proveio de huma falta de temor das
caftigos, fundada na diftancia dos ig
: i PRERA p S u-
DE PORTUGAL, LIV. te 179
bunaes Supremos , aonde as difoluções
chegariaô com imagens tab contrafei-
Era vulg;
tas, que ainda os efpiritos mais illumi-.
nados fe embaragaria6 com a incerte-
za dos informes para pronunciarem fó-
lidos os juizos , ou definitivas as fen-
tenças. Annos erað neceflarios para che-
garem as queixas a Portugal ; annos pa-
ra Íe tomarem informações ; annos pa-
za fe decidirem as caulas, tudo annos
“para as liberdades de foltura , para os
cícandalos de liberdade. =
A tantos perigos:, que fe dava na
demoras , fe notava a differença das par-
cialidades ; que elcreviad as noticias;
as contradições , que fe encontrava6 in-
explicaveis; a quafi impoflibilidade de
formar juizo , ao menos femipleno, lobre
relações oppoítas.: Por outra parte ha-
via quem affogafle as queixas, quando
ellas queriaô naícer. Olhavaõ as partes
offendidas para os Governadores dag
Molucas, e viaô huns homens aprova-
dos pelos Governadores da India, luas
creaturas , feus parentes , o mais he que
feus penfionarios : circunftancias todas,
ve faziad córar os crimes , diminuis |
- TOM. XIV. M as
1798 Historia GERAL
Eta någ. as extorsõea, parecer a fraude bem pú-
blico , virtude o vicio, e abafada a men-
tira, apparecer no rebuço com fem-
blante de verdade. Nós vamos a cor.
rer brevemente efte eftadio de defcon-
certos defte anno de 1550 em diante |
até ode 1581, em que a gente de Ter:
naté expul(ou os Portuguezes da Porta-
jeza para terem até agora por fubltitu-
tos os Hollandezes.
- “No anno de que fallamos em todás
as Ilhas do Archipelago das Molucas tis
hha foado a Voz de Deos na bocca de
S. Francifco Xavier, e de outros Ore
vãos do Evangelho, que fizeraô prò-
greffos rápidos, illuftres, miraculofos
nos negocios da Religiaó. Milagres eraô
neceflarios para fazer crivel aos Barba-
tos huma Religiaô profeffada pela el-
coria dos Portuguezes, que derrama-
dos pelas Ilhas, a deshonravad com a
diflolnça6 dos coumes , com injuíliças
enormes, com horrores intoleraveis à
natureza , que os faziad parecer apof-
tatas da mefma Religiaô, ou os Dogmas
della abfolutamente eftranhos ao feu co-
nhecimento, Reis, Grandes, e Póvas
“a e . de
De PorTUaaL, Liv.L. iż
de imuitos Eftados das Ilhas fora6 rege- Era vulg.
nerados pelas aguas faudaveis do Bap-
tifmo. Muitos fzéraô tanta honra do
Chriftianifmo , que fe expozéra6 volun-
tarios ares a perder os Dominios, è å
mefma vida , que renunciallo depois
de recebido. Outros foraô faceis hefa
- renuncia, que deo- occafia6. à muitas
guerras, em qúe (empre tomára6 par-
te os Portuguezes. Enta6 lhes fervio a
Religiaó de pretexto pata proimoverem
os interefles , a cubiça., a arhbigaó, à
vingança. Entað o Santo fe lançava aos
cães , as margaritas àos animaes im.
mundos, E a D
- Quanto entaő fe via eraó expedi-
ções contínuas de humas para outras
lihas a intentadas por hum punhado dé
homens; mas com tal (uperioridade fo-
bre Caftelhanos , e Ilheos , que elles pa»
teciað huns flagellos fataes da indigna-
tað divina ; elles os authores das defos
lações ; elles os inflrumentos dos cataís
trofes dos Reis de Tidore, de Geilo- ..
lo, mefmo do noflo bom amigo o dé
Ternate. Era efte o infeliz Cachil Aey-
to, ém que já temos fallado ; œ gue em
pi M ii i3-
180- Higroria GERAL
Era vulg. 35 annos de fe chamar Rei, com bre,
ves intervallos de venturo(o, a ferie do
féu governo foi calamitofa , e o feu fim
lamentavel, He verdade que Aeyra fem
declarar Religiaô, já parecia inclinado
ao Chriftianifmo , já ao Mahometif-
mo, fempre aos Portuguezes officiofo,
fempre bom, e fiel amigo. No meio
das {uas vantagens, quando além do doe
minio de Ternate, de Machiaõ, de Ti-
mor , e de outras Ilhas dependentes das
Molucas , elle fe fez Senhor das de Mo-
ro, de grande parte da de A mboino , par
recendo hum Monarca univerfal do Ar» .
chipelago ; elle fe confervou [empre
conflante, fideliimo até a mórte aos
intereffes de Portugal contra os particu-
lares dos Governadores, e Officiaes de
Ternate , que combatia, quando fe op-
punhað aos do público. | o
Tanta fidelidade , tanta conftancia
de zelo em Aeyro , ellas foraô bem mal
remuneradas pelos Portuguezes, que en-
tendia6 as fuas vantagens ifleparaveis dos
deíprezos dos miferaveis Soberanos de
Ternate, Os feus Governadores o man-
dára5 -duas vezes carregado de ferros par
| o Ta
e mare ce a
DE PORTUGAL, Liv.L. Br
rå Goa , como o criminofo mais judi- Era vulg.
gno , fendo hum Rei, fó pela reprefen-
taçað: da Dignidade merecedor de ref»
peito: immenfo, -Outras tantas o recam-
biou o Vifo-Rei D. Joað de Caftro com
as honras devidas para reentrar na pof-
fe dos feus Eltados , nað lhe valendo el.
tas provas cathegoricas da fua juítiça -
para o Governador Jordaő de Freitas
deixar de o perfeguir até o ponto da
poca , em que fallamos. Paffárað fete
annos de opprefsões pelo pobre Princi-
pe, e chegoulo de 1557, em que foi
nomeado Governador das Molucas D.
Duarte Deça , hum Fidalgo colerico ,.
mefmo tranfportado , todo entregue à
huma avareza extrema. Entaô rompeo
a audacia todas as balizas da grofleria ;
tocou as raias mais apartadas a defgra-
ça do lamentavel Principe, que foi vif-
to de todos com tres cadéas nos pés,
mãos , e peícoço eftar prezo a hum dos
canhões da Fortaleza , hum alvo para
as impreísões das inclemencias do tem-
po, hum efpedtaculo da irrifað da for-
tuna, feu irmað Cachil Guzarate, €
OS feus parentes tratados com pouca A
182 Historia GERAL -
Eró wilg. ferença deeflimaçaô. Em fim, a Cafa
= da Mifericordia fultentava por carida-
“de.eftes Principes pobres , abatidos,
de(prezados , fem haver para elles cam-
paixaó. | ME
CAPITULO V
Comtinuağ es Jucceffos das Molucas. -
A. MAGESTADE facrilegamente altras
jada fempre encontrou propugnadores
refpeito(os, que trabalhaflem effe&ivos
por lhe (ultentar no azilo oque nella ha
de flagrado. As injúrias feitas à de Acyro
por D. Duarte Dega , a voz vaga de que
elle intentára matallo com veneno, de
queoivrára6 os defenfivos, que o Prin.
cipe tinha comfigo , forað huns afuma
ptós criticos , que obrigárað todas ag
Hlhas a tomar as armas contra os Portu-
guezes. Na télta dos elcandalifados (e
poflou Cachil Babu , filho de Aeyro,
e ein fuccefios varios efta guerra durou
tempo longo, fempre defvelado o Rei
prezo em folicitar pop meio- dos feus
na ami-
DE PORTUGAL , LiviL. 183
amigos os esforços de Babu. para obter gra vulg..
| q liberdade , que cutou fem frućđto, a
vida do Jefuita Affonfo de Caftro pri-
fioneiro daguelle Principe. .Q fim, gue
ee nad pode confeguir, veio Agyro a
= lograllo por meio dos mefmos Portu-
guezes , que por huma parte. compade-,
cidos de verem apodrecer efe Princi-
_ pe nas prizes , por outra fendo-lhes in-
toleraveis as iniquidades de D. Duarte
Deca , carregáraõS as fuas culpas dos
melmos ferros, com que elle opprimia
a innocencia, ema 0 o aaa
- Reftituio-fe a paz com a liberdade
de Aeyro; mas depois, fem lhe valer
a céga paixaó, com que elle promovia
ps noflos intereífles, Manoel de Vaf-
concellos o tornou a inguietar , nað lhe
dando focego, em quanto nað renunciou
o direito de Soberania a favor do Rei de
Portugal em virtude da cefa, que Ta-
barija lhe. fizera de Tornate , quanda
morreo em Malaca, . Contentou-fe o
Principe depofto com o fimples titulo
de noflo Tenente General, que lhe du-
Fou ta6 pouco, como a vida no governa
de Dioga Lopes de Mefquita : tee
ehi | E l - Q
184 Historia GERAL
Eri volg. lo formidavel, que fez efquecer as ate
trocidades dos feus mais efcandalofos
predeceflores. Depois de huma ligeira
rotura , que teve por confeguencia o
aflaflinio de hum fobrinho de Aeyro,
fem que o Melguita fizeffe defe inful-
to o menor cafo: depois da fua bon-
dade livrar da mórte a todos os Portu-
qe em huma conjuraçaó bem arma-
ja por defpique daquelle affafinio: de-
pois da paz folemnemente jurada entre
Aeyro,.e o Mefquita, nað paffárað mui-
tos dias que elle, reveítido da fua fin-
ceridade ordinaria para com os Portus
guezes, nað viefle á Fortaleza (em ar-
mas acompanhado de feu filho Mufa ; é
de alguns cavalheiros para tratar com 6
Governador Mefquita negocios, que nos
erað reípedivos. Pe
.
|. Efte Chéfe depois de o ouvir grof-
feiro , lhe voltou as cóftas defcortez.
Seu fobrinho Martim Affonfo Pimen-
tel, que tinha o caracter do tio, nað
“gaftou qualidade alguma de cumprimen-
tos para lhe dar tres punhaladas mor-
taes. A vifta delta refoluçaô temeraria
clama o Principe : Afim me tratais , Pora
DÊ a tU-
pa ae, á
DE PORTUGAIL, Liv. Le 185
tuguezes, em remuneraçaőð da fidelidade, Era vk.:
com que ha tantos annos vos firvo? El.
le corre a morrer abraçado com o Ef-
éudo das Armas de Portugal, que efta-
va gravado em hum dos canhões das
batarias , tomando-o por teftemunha da
fua ingenuidade , e da nofia perfidia. Seu
filho , e os Fidalgos elcapáraó fugindo:
“todos pedem depois:o feu corpo-para lhe
darem fepultura decente; mas o Mef-
quita avançando .a barbaridade + O man-
dcu fazer em póftas, mettellas em hu-
ma caixa, e arrojalla ao mar, que foi o
monumento do defgraçado Aeyro.
Cataftrophe tað laftimofo parece que
foi o ultimo delito , que encheo a me-
dida dos crimes dos Portuguezes das Mo: `
lucas, que em nada pareciaô Portugue-
zés. Entaô principiou a defemparallos a .
affitencia divina , que nas outras par-
tes da Terra. quafi vifivelmente promo-
via a fva felicidade, como hum effeito
iffeparavel do exercicio da virtude. Tal
foi o horror caufado por efta morte no
Archipelago , que todo elle olhava para
cada Portuguez, como para hum monf-
tro. Efpecialmente em Ternate os mo»
ra-
186 . HisrToRIA GERAU :
Epá vulg:: radores abandonárað a Cidade vinha &
Fortaleza , e (e efcondêrad no centre da
Hha , aonde nað podeflem chegar as
noflas armas : o meímo fizeraôd os de
outras muitas partes nefte anno fatal de
+570, tratados os Portuguezes nas Mo-
lucas Como homens prafcriptos, todos
armando-fe para lhes fazerem cara nos
lugares , em que elles apparecefem,
Hum dos caftigos da férie das atrocida-
des foi o deícuido, que os Governado-
res da India tivera daqui em diante em
foscprrer as Molucas: foccorros fracos;
huns .que chegavad tarde, outros mal,
alguns nunca. Do a | |
. Augmentou-[e o mal com as divisões
inteftinas, e domefticas , quafi contínuo .
o fcifma politico , fem foldar a returá
entre os membros civi, e militares ,
que viera a fentir o ultimo golpe da
vingança. O Principe Babu mais com a
força da noffa defuniad , que com a das
fuas armas.,. poz hum apertado bloqueio
á Fortaleza, que com effeito fe lhe en-
tregou no anno de 1981. Elle moftrou
entaô, que ainda no fundo da fua alma
fe confervava hum bom tefto de incli
Ta pas
DE PORTUGAL, Liv. L. 187
/nagað aos Portuguezes; parque 40 en- Era vulg.
trar na Praça ganhada , diffe: Que to- |
mava poffe della em nome do Rei de
Portugal para a tornar a entregar, quan-
do elle lhe fizefle juítiça , e deffe (atil-
façaô da mórte de feu Pai, Finalmente,
Diogo Lopes de Mefquita, Martim Af-
fonfo Pimentel, e Gonçalo Pereira Mars
ramague, authores do aflaíinio de Aey-
ro , paflado. breve tempo Íobmergidos
em calamidades , todos acabárad com
fim tragica; e os Portuguezes , abor-
recidos pelos efcandalos de huns poucos,
de individuos abominaveis da fua Naça6
illuíftre , foraô expullos das Moluçag
com affronta, a é ug
Concluida efta narração breve, tors
naremos a atar a fio da nofla Hiftoria
fobre os fucceđos de Bardelá , aonde
deixamos o Governador Jorge Cabral
com ordem do Vifo-Rei D. Affonfo de
Noronha para naó continuar as opera-
ções da guerra, em quanto elle naô che-
gava de Coulaô a Cochim. Nas cinco
nãos. em que elle embarcou no Reino,
viéraô muitos Fidalgos da qualidade
mais diftinãa em obfeguio a aa
id | cs
188 HISTORIA GERAL
Era vulg. fe, filho do fegundo Marquez de Vile
la-Real, e por Capitães dellas D. Dio-:
o de Noronha o Corcoz , Lopo de:
Soufa + Diogo de Caftro do Rio, e Dè
Alvaro de Ataide da Gama , filho do
Conde Almirante D. Vaíco , que vi-
nha provido no governo de Malaca.
Chegou elle a Cochim , aonde o foi
vifitar o Governador Jorge Cabral, que
naó encontrou no recebimento as hon-
vas , de que era digno. Cabral (e mof-
trou infeníivel, e fe applicou á expedi-
að da fua partida para o Reino, aon- |
de foi recebido com eftimaça6 , fem
lha defmerecer a pobteza.
Em quanto aos Principes do Mala-
bar , que eftava6 bloqueados em Bar-
delá por Manoel de Soufa de Sepulve=
da; elles foraô poftos em liberdade por
virtude da paz, que o Rei de Calecut
ajuítou logo como Vifo-Rei. Efte Prin-
cipe defiftio nella da perfilhaçad do Rei
de Bardelá, e conveio em que a Ilha fi-
caffe no dominio do de Cochim. Affin
confummado efte grande negocio , O
Vifo-Rei mandou a Luis Figueira para
o Eftreito com cinco navios , e elle na»
vês
DE PORTUGAL, Liv. L. 189
vegou para Goa. Na fua auÍencia oito Era vulg.
mil Nayres dos conjurados pela mórte |
do Rei de Pimenta, entráraô a fogo,
e fangue pelas terras de Cochim. Jor-
ge Cabral, que eflava nefla Cidade pa- |
ra fe embarcar, e Manoel de Soufa de
Sepulveda ; que ficára nella para guar-
dar os rios , lhes fahiraô ao encontro
com dous Elquadrões de Portuguezes,
e em diíputada batalha os fizéraô em
pólas com morte de mais de 29)000.
Acçaõ das glotiofas de Jorge Cabral,
que fahio da India vencendo, para le-
var della, em lugar dos thefouros, a
reputaçaô dos triunfos. e NO
=- Nab fuccedeo afim a Luiz Figuei-
ra no Eftreito , aonde fora obfervar o
armamento dos Turcos. Elle o entrou,
e correo até as Ilhas Aparcelladas: mas
encontrando com cinco galeotas o Tur-
co Cafar, que curfava aquelles mares,
' Luiz Figueira o abordou, e fuftentou
hum combate, que pôz em admiraçaõ
os meímos Barbaros. No ardor delle,
defamparado dos Capitães dos quatro
navios, o Figueira foi morto, q feu
navio tomado , todos os bravos com
"y igual
190 Hisroria GERAL i
Era vulg. igual deftino , os menos valerofos pófs
tos em fugida : homens dos criados enė
— tre as delicias da Índia , já fem lemi
brança da corage dos Portuguezes pri:
mitivos, que apertavad os peitos para.
alargarem os corações. Depois da mór-
te do Chéfe, o Capitaó Gafpar Nunes
teve tal pejo de apparecer na Índia, que
foi com a gente da fua tripulaga6 para
o Mofeiro de Baroa na Ethiopia, dona
de nunca mais voltou á Patria. Os oui
tros viéra6 a Goa pagar nos carceres
a fua fraqueza, e ainda que depois ana
dáraô foltos, fempre vivêrað defprefa:
dos dos Patricios com honra , que naĝ
podiað dar o lado a gente covarde.
Os Turcos debaixo do feliz gover: .
no do Imperador Solima6, arrogantes
com as fuas profperidades, pelas pars
di tes do Eftreito, depois que fe fizeraõ
fenhores de Adem, e de Bagorá fobrea .
embocadura do Tigris, e do Eufrates ,
= como nós deixamos dito ; elles fe pros
pozéraô a idéa de dominar todo o gols
fo Perfico até as vifinhanças de Or:
mez , que felhes fazia recommiendavel
pela groflura do feu Commercio, O Bas
rod E xá
"ho r a a
DE PORTUGAL, Liv.L. 109f
xá de Baçorá fé difpoz para a fua execu- Exa vulg]
að , já com a conquifta da Cidade de
Catifa , já com o projecto da de Ba-
harem , que erað para o Rei de Ormuz
perdas irreparaveis; para os Portugue-
zes huma vifinhança, que elles deviad
alongar, nað fó para fe efcufarem aos
fultos , mas para evitarem a ruina, D.
Alvaro de Noronha , Governador de
Ormuz , juntamente com o feu Reis
reprefentou ao Vifo-Rei D. Affonfo as
confequencias da perda de Catifa; quane
“to ellas feriad mais temiveis, fe Baha»
tem tivefle igual deftino ; que fe devia
fufpender a Fortuna dos Turcos por
meio de huma guerra prompta fem der
mora, | |
Reprefentações femelhantes faziad
em Goa pelos feus Embaixadores o Rei
de Baçorá, e outros Principes inimi-
gos dos Turcos, promettendo ao Vi-
fo-Rei a Fortaleza do porto daquela
Cidade, ea metade do rendimento da
fua Alfandega , fe elle lhe mandafle hum
foccorro de Portuguezes , que unidos
ás fuas trópas o fizeflem reentrar na
pofle da Capital perdida -dọ ea
Be | tá
192 Historia GERAL
Era vulg. Era muito ponderofo efte negocio aos
interefles de Portugal para o Vifo-Rei
deixar de lhe diferir, como o Rei de
Baçorá, e os feus Alliados pretendiaõ.
Sem perda de tempo mandou elle
apromptar huma Armada de fete nãos
de alto bordo, e de doze navios de re-
mo , de que nomeou Commandante a.
feu Sobrinho D. Anta6 de Noronha ;
que levava ás fuas ordens 19)200 ho-
mens, entre elles huma boa parte da
Nobreza da Índia. Hora deixemos a D.
Anta6 navegando para Ormuz, e de-.
mos huma volta a África , logo a
Malaca, donde marcharemos a encon-
trar-nos diligentes com efte Fidalgo. .
CAPITULO VII:
Do que aconteceo em África , e em Ma:
l aca nefe anno de 1550.
Cono D. Antaô de Noronha, quan-
do houve de partir para a Índia com o
Vifo-Rei, feu Tio, governava a Pra-
Ga de Ceuta, El-Rei proveo o gover-
no vago em D, Pedro de. Menezes., fe
g Cod eu reta QO
-
DE PORTUGAL , LIV. L. 193;
lho quinto do Conde de Linhares. Ou- Ers vulg:
tro Fidalgo do mefmo nome fubflituia `
em Tangere a feu irmaô D. Joað , am-
bos filhos de D. Duarte de Menezes,
e teve de fahir a campo com pouca gen-
te contra hum corpo de tres mil caval-
los do Xerife, que mandava o feu Al-
caide Cadi Hamet , querendo (ubpren-
der huma partida dos noflos forrageado-
res. D. Pedro os atacou com corage
nað vulgar em tanta defproporçaõô ;
obrigou-os a retirar-fe com a perda de
24 mortos fem alguma da nofla parte;
mas nós tivemos oito dias depois a mais
fenfivel pa da fua pefloa , que acabou
entre a refignaçaó edificante de Catho-
lico, e a glória de vencedor de duas
grandes feridas, que recebêra no com- ,
bate. © a -
. -Por efte tempo o Xerife conquil-
tador de tantos Reinos, já acabado de
annos , á ambiçaô nunca rendido , ti-
ha a fua Corte na Cidade de Féz. Con:
inante com elle Reino o de Treme-
cem , elle determina conquifallo, quan-
do o pofluiaô Turcos de Argel, que o
baviaô roubada aq feu Principe Jegiti-
TOM. XIV. N o mo.
~
194 HISTORIA GERAL
Era vulg. Mó. Ad intênto fe feguio a exêcuças,
" tað prompta , que baftous o eltrondo
da fua marcha para os Turcos fe pôrem
em fugida , deixando-lhe por deípojo da
viêtoria hum Reino. Narrani, filho pri-
mogenito dó Xerife, foi o author defta
conquiíta , tað façanhofo nella , que fe-
guio os Turcos até Moftagaõ , donde
tornou a expulfallos , forçando-os a re-
tirar para Argel. Pouco tempo lhe du-
tou o gofto do triunfo pela mórte, que
fobreveio ao bravo Principe , chorada
de todos, a feu Pai ponco fenhvel pe-
ka paàixað extremo(a de afecto , que tis
bha a Muley Abel, filho fegundo , que
elle defejava feu Succeflor. Mas dous
ahnos depois recobrando os mefrmos
Turcos a Moflagaó , e Tremecem , nað
havendo já Arrani, que lhes fizefle cá-
ra, elles tiráraS a vida so atado Mu-
ley com dôr mortal de feu Pai. |
= Na Corte de Féz merecia as attene -
ções defte Principe , e de fua irmãs
efpeciofa Infante , Diogo de Torres,
que enfinando.a elle a lêr, e efcrever
ém 'Hefparihol., tanto fe infinuou na foa,
boa vontade, que quai Q teve Kra» —
; H E é
DE PorrucaL, Liv.L. 193
cado do abyfmo dos erros de Mafoma ; pra vaig.
gue fervindo-a a ella refpeitofo, e re-
verente , era participante dos diverti-
fhêntos do Paço, è do entretenimento
dos jardins. Em huma otcafiaô. efan.
do nelles lhe mandou tecer de flores hu-
ma coroa na figura dá que ufavað os
Principes Catholicos. Ella é recebeu
oltofa , e potrdo-a fobre a cabeça , dif-
e: Deos queira, que eu cinjá afim à
de Portugal fendo Rei, e meu efpofo:;
o Infinté D. Luiz. Deftjos nobres os
deita Senhora ; mas mais Áúblimes as
virtudes do Infante , que {Ó ouvidas mo-
vêrrô no-efpírito da Princeza de Mar-
tocos taes defejos. Com eftas duas pro:
tectões TPR 3 tanta confiança
na: Cortes. que pela Semana Santa faz
2ia expôr nella o Santiflimo em Mo-
humento público. O Xerife lhe pergun.
tou com ġie licença praticava ha- fua
Capital efa ceremonia dos Chriltãos,
Relpondeo-lhe o Torres, que com a
miefma coh: que. elle nas dos Reis Cas
fholicos faria o leù Zali, que em qual:
quer parte lhe tra permittido: refpof-.
ta pard 0- Xerife tab agradável, que
"and N ii lhe
|
196 . Historia GERAL |
hi vulg. lhe TER ter huma Igreja. pública
com Imagens para a celebraçaô dos Ri-
tos Romanos,
Quando: eftas coufas fuccediað em
Africa, as profecias formidaveis feitas
pelo. Santo Xavier lobre as difloluções
de Malaca fe viaô executadas, Alodin,
“Rei de Viantana, que pelo nofio def-
cuido tinha engroflado o feu poder dee
pois de vencido por Pedro Mafcarenhas,; *
e por D. Eltevad. da Gama , como eu
diffe nos feus lugares ; agora vendo
Malaca adormecida naquelle defcuido ,
foporada no vicio, a mollura, a apathia
dominantes., elle fórma o projeão de
aeentrar na poffe do feu amado: Patri-
nonio. Para lograr o defignio , elle
ajufta huma Liga com vários Principes,
em que entrava a poderofa Rainha de |
Fapará na cófta de Java, que engroflou
a Armada colligada no' feu porto com:
2$ -juncos alterofos , bem artilhados s
e fornecidos. Para que Malaca conti-
nuaffe no lethargo, Alodin mandou hum
filho do feu Almirante Laque Xemena
por. Embaixador a D. Pedro da Silva da
Gama, que governava a Cidade > pror
+ m “pon
`
DE PORTUGAL, Liv: Le 97
- pondo-lhe fe nað afluftaffe com a fama gra vulgo:
do feu armamento , que fe encaminha-:
va ao pérfido Achem inimigo commum:-
Nós dariamos hum inteiro crédito às
intrigas de Alodin, fe o velho e exe:
perimentado Laque, defgoftado da io.
juftiga, e do pouco fruto , que efpera-
va defta guerra ; nað efcrevefle por feu
filho a D. Pedro, advertindo-o fe pre:
parafle , “porque contra “Malaca fe for-
java o raio, que nað tardaria em rom |
per a nuvem do engano. - |
| Defpedido o Embaixador com: aa:
“dos exceflivos , e ricos prefentes para”
“feu Pai, nað tardou em apparecer a Arv
mada, que logo poftou gente em'ter-
ra. Álodin , depois de queimar duas-
nãos, que eltavaõ na Ilha, ganhou à |
dg de Ilher ;. os Jáos , a dos Que=" |
ins ; nað lho podendo impedir: Luiz
Mendes de: Vafconcellos, que com cent
Portuguezes foi foccorrer o Tumugãó;'
e o Bendara, que com a fua gente de-
fendiaô o Povo. Em tanta defpropori'
Gað fervio a corage do Vafconcellos:
para facilitar aos petfeguidos a retira:
da para a Fortaleza ,-aonde elle fe reco-
lheo
s9% Historia GERAL,
Erg valg lheo o: ultimo. O Governador já com
a certeza do fitio , mandou, bum pavia.’
correr os pórtos , “aonde os noflos cam-
merciavad , e avifallos vielem. todos
acudiç ao aperto de Malaca, O pri meie;
ro, que chegou. foi Dk. Garcia de Me-
nezes , que o ViforRei mandava em hu~:
ma grande, 6 bemarmada caravella ás;
"Melpeas para (ucceder a Jarda de; Frei-
tas. Apenas o Rei: de. Viantaga a avifo,
tou navegando a todo ọ-panno ,: dekar
cou fobre ella cincoenta lanchas con,
mandadas pelo melma hague Xeatena
em pefloa ~ que nella acçafind:,-em. que:
governava Malaca hum filha: do Conde:
Almirante , pagou, cam à vida a MEERES:
que annos, antes havia dado po. méímer
frio a D. Pauls da Gama, ano fu
filhos do mefmo: Conde, |- à
“Moftrou D. Garcia- nefte Tobi
como: a exercicio das letrag, que: pró:
feflára:, nã0 impedia. a ulo das armas ;'
em: que- fe deixava vêr intrépido. Elle;
fultentou hum combate denodado., naĝ;
confentindo gue os inimigos a abordaf-,
fem., fesvindoras tanta a tempo: com;
> artilharia; que: Fréta do Liague. 1 nad,
RA po-
DE PORTUGAL, LIL. 599 |
podia confgryar a ordem., Foi tanta a Eça vulg:
“Sua fortuna, que de huma balla de cas `
nhað metteo a pique a lancha. Çapita;
nià : golpe feliz, que privou da vida
o velho Laque, a fou filho „a feugen-
“té; que declarou a favor de D. Garciz
“a victoria > que poz aos Barbaros em
fugida; que abrio o paflo paraelle .vir
dar ferro em Malaca ,: e foccorrer. com
a fua gente aos. fitiados. He” verdade
que lhe naó durou o gofto do triunfo;
porque poucos dias depois fahindo com
Pedro Vaz Guedes mandando cem ho-
. mens para tomar hum canhaó com que
os Jãos batia6 a Cidade ; mórtos:30 ho»
mens, os mais mettidos em derrota,
às dous Fidalgos. deftemidos , por nad
lárgarem o canhaó., que tinhaó ganha-
do , com valor temerario: fe deixárad
matar fobre elle. D. Pedro da Silva fen-
tio efta perda: como era juíto... « com
a {ua corage herdada fahio da Forteler
aa a foccorrer Os fugitivos, que reco-
lheo fem damno , falvando-os dasimãos
da moltidaõ barbara , que os períeguia»
Applicou D. Pedro todos os feus
cuidados á defenfá da Braga dos muros
ari a
200 “Historia GERAL
Erà vuig, à dentro, e deflinou-lhe a Providencia
hum: fimples foldado da guarniçao pata
inftrumento das vitorias pelos feus con-
felhos prudentes. T'emia-fe hum afialto
geral, que os Barbaros determinavad
dar em torno da Fortaleza com grande |
número de 'efcadas , e fe receava que
ella podefle defender-fe atacada por tan:
tas partes. Ertaô 'aquelle foldado buf»
cou o Governador , e lhe'aconfelhou
mandafle bordar ʻa circunferencia “do
muro de 'maftos , € vergas de “navios
atadas com córdas : que quando osni;
migos arrimaflem as efcadas , e fubife .
fem , as fizeffem rodar fobre e :"e
moftraria o fucceflo o acerto do feu conà
felho. Afim fe fez; e cahindo de gol
pe as traves lobre as efcadas, rompés
rað todas, e matárað. sob homens. Og
vivos fe retirad attoúitos; mas'O aperta
do cerco , ea-inimiga fome: tanto ops
` primem os fitiados', que as fevandijas
mais afcarofas fervem "dé mantimento;
e pelas ameias naô parecé foldado;
quo deixe. de- “pagar a da id Com a
Rios
. Q ed Srbitrifta rai a ellari
4 | Goe
DEPorTUGAL, DIV: Le 20r
Governador, e lhe lembra que mande Era vulg::
fahir do. porto todos os navios com o
defignio verdadeiro de irem bufcar vi-
veres, aonde os achaflem; mas fingin-
do, e publicando que marchava6 a ata-
car: os Eftados dos Principes alliados do
de Viantana, que com elle eftavaô no
campo. Elles, que fe afluíftaS com a no-
va, O levantaô , embarcad-fe, e vað
acudir á invafað imaginada, Unicamens
te os Jáos ficáraô com Alodin fuften-
tando o,ĥtio ,.a tempo que vinha6 che-
gando foccorros avifados pelos Emiflas
rios, que o Governador mandára pelos
pórtos de Pegu , Quedi , Tanaçarim
até Bengala, entre clles Gil Fernandes
de Carvalho, que troúxe huma galeos
“ta bem-guarnecida., e foi nefta occafiad
o redemptor de Malaca. Efte bravo hos
mem pedio logo licença ao Governador
para no dia (eguinte fazer levantar o fi-
tio :de Malaca por meio de hum com»
bate decifvo. Obtida ella, eícolheo 209
homens : todos os Fidalgos fe lhe offe-
regêraô voluntarios ; e formados tres El-
quadrões, hum que elle mandava 'na vå-
guarda , e os.dous.cobertos por a |
: É va
ts F
202 .Hiurdria GssaL. -
i : tã6 de Sa, e pòr Gomes Barreto , mata
RR chou ot manhã fobre os inimi-
-- ERava. o Santo Xavier no Japaô y
aonde indicou aos Portuguezes , que O
acompanhavaõ , as calamidades defte fis
tio em caftigo dos peccados de Malaca,
a piedade de Deos na vitoria , que has»
via: ganhar o Carvalho; mas que conti-
nuvaria à pena das maldades na:mórte de
muita gente ocafionada do veneno , com
que os inimigos inficionaria6 as aguas;
Tudo fuccedeo pontualmente como Xa»
vier o vira em efpirito, c o prediflera.
O Carvalho atacou com valor defmedi-
do a acçaó y huma das mais brilhantes
que vio Malaca. No principio delta obrá-
rað: os Portuguezes prodigios de valor ,
que pareciað mais que homanos. O Car»
valho de hum golpe formidavel foi ater»
ra; mas levantando-fe com a corage el
timulada , fe botou cam tanta fortuna
fobre hum dos Reis da Java, que.o atras
veçou de huma eftocada pelos peitos. Ef
ta mórte declarou: a noflo favor a viĝo:
via, fugindo atropelados: os: Barbaros a
bulcar os (eus “navios depois ade deixar
X i IÇ Ra
?
DE PontucAs, Liv. L. 203:
rem juncado o campo com dous mil ca- Ecs vulg, ;
daveres. O Governador, que dos muros
da Fortaleza via o combate, fahio com,
q reto da gente a confummar o triun-.
fo, Elle nos veio a cuftar a vida de 200:
homens., que depois bebérad as aguas
envenenadas, conhecendo o mal,- quans,
do já era irremediavel o damno, |.
.: “Como nós acabamos de dizer quo
no.tempo deftes fucceflos em Malaca q
Santo Xavier eftaya no Japaó., aonde
os hiftoriára antes de fuccedidos ; nós
devemos fazer huma relagað breve da
Miffaó do Santo tomada. na fua origem,
Quando elle voltou das Molucas a Ma~
laca . Q efperava nefta Cidade hum Japo- `
nez, que atrahido: da fama dos feus mi»
. lagres,. fó por vêépa Xavier fez viagem
tað longa, À. communicaçao com elle
acabou: de. jlluftrar. o bomem meio illus
minada., que com dous criados recebea
q. Baptifmo , e tamou nelle o nome de
Raulo de Sauta Fé; Elle moftrou-na-cosl-
tancia da crença emtoda a vida , que lhe
era, bem. proprio o nome, e a elle pos
demos dizer. que deveo a fua Patria os
grandes: progrefios , que depois Fog meia
ea E a
204 Histor GERAL t
Era vulg. la a Religia6 Santa. Na companhia dot
tres Japonezes convertidos foi Xavier pa-
ra a India ; mas depois de afliflir às hon-
ras do Vifo-Rei D. Joaô de Caftro, com
a mefma fociedade, e a de alguns dos .
feus Religiofos , tornou para Malaca com
o defignio de marchar å conquifta efpi-'
ritual do grande Imperio dv Japaô.:
Os trabalhos, que nelle paffou Xa-
vier; as viagens, que emprehendeo ;'
as conversões, que fez; os milagres ,
que obrou , tudo foi monftruofo ; os
Authores da fua vida tudo referem. El-'
le plantou naquellas Regiões brutas as
primeiras fementes da nofla Santa Fe,
que em pouco tempo brotáraõ a fron- .
dofa arvore de huma Chriflandade com-:
pofta de mais de 40095000 Fiéis: Chrif-
tãos tað robuítos , que debaixo do fer-'
ro da perfeguiçao dos T'yrannos, dif-
putáraô primazias de glória aos Mar-
tyres da primitiva Igreja : Chriflãos
impávidos , que nað duvidárad regar as
plantas tenras com a innundaçad do lew
angue para produzirem fruétos de du..
TaçaoO eterna : Chriftãos ao Inferno tað
temiveis, que elle- applicou- eo |
o Óle
DE PORTUGAL , LIV.'L. 206
fártes , longos, diabolicos para no de> Bra vulg:
curfọ das idades arbitrarem os Japone-
zes o meio execravel de fecharem a en-
trada dos feus pórtos a todos os Ef-
trangeiros , exceptuando os de huma fó-
Naçað , que leva em fi patente o ciu-
me do Commercio, as devilas da ava»
Teza , as marcas da herefia.” |
“Como hum. dos argumentos mais
fórtes , com que os Japonezes ataca-
vað a Xavier era o do exemplo dos Chi-
nas, que, diziað elles, fendo homens
tað illuminados , noticia alguma tinha
da doutrina , que o Santo lhes préga-
va; efle. formou a idéa, de que redu-
zindo os Chinas, todo o Imperio do
Japaô lhe feguiria os veltigios, Firme .
nefte conceito, o-feu efpirito magna-
nimo concebe a refoluçaó Ífublime de
voltar á India, confeguir do Vilo-Rei
para,o (eu fiel amigo Diogo Pereira o.
earacter de Embaixador á Corte de Pe-
kim, embarcar com elle para a China,
derramar no (eu vaíto: campo coberto
ds abro lhos ;.e,elpinhos a femente da
Divina Palavra ,, vélia, produzir plantas
fandavgis ,, ranfíplantallas nos, terrenos
> 7
`
406 Historia GERAL T
Eti vulg. Japa6S para nelles lhe colher copiofos
os frudtos. Mas coino os fucceflos def-
ta viagem faõ pertencentes ao anno fes
oa de 151, nelle lhe daremos o
eu lugar proprio pata agora nos irmos
encontrar com D. Antaô de Noronha,
que deixamos navegando da India para
Ormuz em foccorro defte Rei, e do dé
Baçorá contra os Turcos. o
CAPITULO VIL ”
Da expediçad de D. Antaô de Noronha
` fobre Catifa, e Baçorá, com om '
tros fucceljos da cofia de Afris `
ca, e de Ceila.
Ca viagem feliz chegou D. Antað
de Noronha a Ormuz para marchar &
reftauraçaô de Catifa, Nefta empreza ð
acompanhou o célebre Rax Xarafó comd
mandando łooo homens das trópas
do feu Ret, ea gente que fe pode els
cufar na noffa Fortaléza. ` Manoel de
VVafconcellos com os návios dé remo
fazia a vi-guarda da viftofa Armada s
e na meíma figura pojou em: aa
“o. tr a
DE PORTUGAL, Livit. 207
ttópas, que haviaô fazer O ataque da Eça vulg:
Cidadela. Os Turcos fe defendéraõ em
Catifa oito dias; mas vendo a exten
fad das brexas, temendo o perigo -do
aflalto , huma noite fem ferem [ênti-
dos fe refupiára6 no hermo. D. Antaó
entregava Catifa ao Xarafo, como pet-
tenca do Rei de Ormuz feu Amo. El-
le fe efeufou ao cuidado de a defender;
ea fizérró voar com tanta precipitaçaó;
que quarenta Portuguezes , entre elles
alguns diftinãos, ficaraó fepultados no
eftrago das minas. | o a 5
Sem perder tempo navegou D. An-
tað paraa infeliz, e mallograda empre-
za de Báçorá , bem prevénida pela in-
dúflria do Baxá ; que a commandava,
Navegou a nofla Armada pelo fundo
duqueile eftreito até a embocadura do
tiò Eufrates, aonde deo fundo para
D: Anta avifar ao Rei de Batorá, e
mais Principes feus alliados da chegas
da do“fúccorro da Índia contra os Tur-
cos feus inimigos. O Baxá auro, que
tinha concebido indifpenfavel efta core
Freíporidehcia , mandou tomar: todos os
“Ciininhos com tanta cala ; que as
de Cars
208 Hisroria GERAL
Era vulg, Cartas, e os portadores “lhes cahira6:
nas mãos. Eritaô fingio elle huma fir:
mada pelos Principes alliados de Baço-
rá, que lhe remettiað inclufas as de
D. Antaô, e fazendo-a lêr em público, .
dizia o intrigante Baxá em nome dos
Principes : Que fendo elles vaffallos do
Grað Senhor, Se&arios da fua mefma
Religiað , haviaô confeguido vir da In-
dia a Baçorá huma Armada de Portu-
guezes para a fubmetterem ao feu po-
der „como marca da fua fidelidade : que
para próva da candura, com que obra-
vað , lhe remettiaó as proprias cartas
do Commandante Portuguez ; e que:
“elle Baxá foffe preparando os ferros
para hum número tað grande de ca-
ptivos. . | | RE
Prefenciárad todo efte fuccefio , ou-
virad as cartas, virad as firmas dous ef-
cravos Chriftãos , que o: Baxá pouco
depois deixou efcapar de indúftria, fen,
parecer que elle favorecia a fua evas
faô. Elles vierað á Armada; dérað para
te a D. Antãõ do que. fe paflava ; cos
mo. o Rei de Baçorá, e os feus alliados
otinhaô vendido ; -que cuidai amres
a . css ls
DE PORTUGAL, LIV. L. 209
tirar-fe. Todos os noflos Officiaes jùl- Esa vulg
gárað 'efta relaçaő por hum eftratagema |
do Baxá. Os: dous Italianos davaõ della
as próvas mais fignificantes ; e como
elles affegurava6 terem vifto as firmas
de D. Antaó , lembrou. a efpecie delle
as eftampar no meio de huma folha de
papel rodeada de hum grande núme-
ro das dos Oficiaes, que todas fora6
apre(entadas aos ingenuos relatores. El.
les as corrêraô com a vita , e chegan-
do à de D. Antaô a apontáraô com o
dedo: demonitraçaoS, qué tirou todas
as dúvidas ; que os fez crêr verdadeiros;
que detesminou a retirada para Ormuz,
fem fruĝo huma expediçad , que daria
gloria immortal és armas Portuguezas,
arbitras das defavenças dos maiores
Principes nas extremidades da terra,
aonde nað. pozérad os pés os famofos
conquiftadores do Univerfo. ?
--. Em-quanto D, Antaó fe recolhe a
Ormuz ; depois á India, e chega o tem»
po de referimos as re(ultas defte fuc-
cefo de Baçorá ; nós fazemos huma
paflagem. pela cófta de Africa para ire
mos acabar em Ceilad a Hifloria defte
* TOM, XIV. o O ~oo Ana
219 Historia GERAL ..
Era vulg, anno. Quando os negocios da Religiad
pelo zelo . dos noflos Mifionários tor
' mavaõ hum. incremento .admicavel na
Brafil, elles decahiaõ no. Reino de Cons
go. Nos Sacceflores do pisdo(o; R ej. Dk
Affonfo nağ ençontrárad, às Qperarios
Evangélicas; Acolhimento. tag-oficiolos
antes elles: agháraú: huns Principes (eus
«oppoftos nos fentimentos , eltrashos nos
coftumes , exemplares. da prevasioaçaó;
que eugolfáraó as negros do Paiz na
antiga libertinage , è fnperfiçah. Sem
embargo. das poflas diligencias. na ions
ga carreira dos annos, a diflolugad tos
moy tanta poffe dos efpiritos, Que Ros
ultimos tempos fe (entirad apagadot em
Congo os veítigios: do Chrifianifmo,
Como nós neĝe Reinq, nað, tinhamos
o dominio. abíoluto , afim: como..nas
Pragas da Índia , e no Continente do
Brafil, naô podiamos fazer aos fens Pós
vos a violentia (audayel de. os conda-
zir á oblervancia fiel dos noflos Dos
mas. ER e a a ad
“O Vifo-Rei D, Affonfo de. Noron
Nha, que na vinda do Reino para a gn
dia eltivera em Geilaô , € deixára . aa
DE Porricar, Ltv.l. 22
paz ós Principes da Ilha; depois que Bra vulg
elle fe aufentou, o Madune rebovoua
guerra, Elle fabio do feu Reino de Cei-
tavaca com forças- refpeitaveis para de
hum golpe deftruir a feu irma6, o Rei
de Cota, qué” aborrecia com odio en»
tranbávél. Nefte Reino, e em Colum-
bo. nað havia entsô, mais decem Por
tuguêzes, que lhe podeflem fazer fren-
te, commandados por Gaípar deid zé”
yede, que fe incorporou com astrópas
de Tribuly Panget ; genro. oGenoral
do Rei de Cota. Veio efle Principe ag
campo, € hum dia querendo vêr o me:
do., com que os Porxuguezes comiad ;
e obfervaudosos pela janella de huma
varanda, cifpôs o deftino , que bumh
balla dé mob incerta lhe paflaffe a ca-
beça. Entendeo-fe que golpe tað de-
teflavet fora defcarregado peles Portu-
guezes, ob gue o Madyne ganharia al-
gom infame, que houvefle entre elles,
pata author, de ifemelhante mórie, Elle
conceito gesal..fe confervou firme até
© tempo, gue hum dos noflos folda-
dos , cando para morrer , declarou
“Com inpenuidade que ele tisando a
o O ii hum
212 Historia GERAL “`
Era vulg; hum pombo bravo, por acalo matára
ISS
o Rei de Cota. z
- Dramabella filho de Tribuly Pan-
dar , e neto do Rei defunto, já em
Cota, e em Lisboa eflava reconhecido
fucceflor de feu Avô. O Madune fem
perda de. tempo marchou fobre' Cota
para lhe difputar a herança ; mas: nad
{ó encontrou inexoravel a Nobréza;
fenað que o meímo-Tribuly ajudado
dos Portuguezes: O atacou em huma bas
tálha, eo obrigou a retirar deftroçado
para o lugar de Canabok, A noticia de
fucceflos tað importantes , da dura guera
ra, que haviaô fultentar os dous Ri-
vaes , foi logo mandada ao Vifo-Rei da
Índia, que conheceo o valor dosnofá
fos interefles em Ceila6 , ca (ua mar-
cha em pefloa ablolutamente indifpené
favel em conjunétura tað critica, Bllé
fe fazia preítes para fe embarcar , quan
do -chegáraó a Goa cinco nãos das vi=
to, que fahiraô do Reino, de que era
“Capita6 Mór Diogo Lopes de' Soufas
Das outras tres. nãos: foraôd os deítinos
` differentes :: a de D. Jorge de Menezes
'Baroche invernou ‘em Mogambigue:; æ
: pe
DE PORTUGAL, LIV. L. 213
de Ayres Moniz Barreto ferrou Or- Era vulg..
muz: a de Diogo de Almeida veiade-. 1551
pais;a Cochim, > © 0
1x Com, foccorro tanto à tempo o Vi-
fo-Rei fe fez ao mar. em huma podero-
fa Armada , que -moftrou nos effeitos.
fer. deftinada: antes à conquifta dos. Ef-
tados ; gue ao amparo do Rei: amigos
Apenas elle. defembarcou em Columbo,
edepois em Cota, moftrou huma avas
seza ifactavel fem exemplo, indigna
da occafiad , e da pefloa. Naô houve
peíquifa violenta., que elle. nað met-
tefe em vlo a fim dé defcobrir os the-
"fouros do Rei defunto , como: fe a ra“
“zaô::de alliado lhe défle direito para os
fazer proprios. Os Modéliares , ós Grans
“des da Corte; huns forad'prezos, ou? .
tros mettidos a tormento para decla-
rarem os fegredos, queignbravad tell |,
candalifando affim as-gentes ~ eenchen:
do de furor os efpiritos, 'Nad fè def-
cobrindo: por efles meios as preciofida-
des, que-fe bufcavað , o Vifo-Rei fez
devagar o:Palatio Real, cavar os feus
pavimentos, refiftar -os feas efcondri-
j% , até que - achou matéria copiofa
; pa-
`
sr4 Histonta GERAL
Prá volg.'pará Os atear voraz o incendio da Erê
! bi de --- fa
ie Depois da primeira fe sifon a fas
unda iniquidade , que foi extorquir da
Principe e(poliado 200gãooo -pirdáod
para os gatos da guera y que fe hávia
fazer a féu favor. Já 6oo' pefloas. das
principaes , atbnitas das extoredes ; has
viaS tómado o partido. dos inimigos.
agora fe fubprendêrað todas:,: veado
gue as trópas mõ rompisó a imasgha
fem fe apromptar:a metade da nta s
que o Rei ajuntou por meio da wenda
do fes. movel. Enta (e -fezpublicê-a
fórma da alliança ; em que `o VifoRei
promestia fazer àp fuas trópas iflépara»
veis das de, Cota. até prenderens y ou
* defiruiram o: Madune:, com: Condiças
de que os. defpojas ganhados: fe párti»
riaô 30 meio. Começon::a gberra com
tanta fortuna , que: o Madude derrota»
do em tados os desfiladeiras, aonde fe
fazia fórte , apenas pode. alya. das: ses
liquias do defraço cem homens, com
que fe retirou ás. a e
veis de Darnagale. sr:
A Corte do Ceitavaca arin a as. qa
tas
DE PORTUGAL, Liv. L. arg
tæ do vencedor, que para achar ouro Ers wulg.
lhe deo o meímo tratamento , que an-
tes z Cota, èa Columbo., Copiá gran-
dê defte' melkl” forneceo o Palacio, é
“tam Pagode miapnifico, quê foraô pie
Hiados.: Na fórma dos ajuftes pertencia
a metade ao Ret de Cota ; nas elle
ficou fem nada, Para ácabar de defiruir
6: Madone , fegundo o meímo ajufte ,
togou elle ao: VHo-Rei lhe déffe oo |
hómens , com que o foffe prendér aos'
montes. Pareceo jafto o requerimento :
pedto-fe ao Rei mais dinheiro, e por
que -niab o tinha para o dar, lhe foi ref-
pondido pelo Vifo-Rei, que era tardé ;
que elle tinha de ir defpachar ás nãos
do Reino , é dando-lhe as cóftas mar-
ghóu: para Columbo a dar ordem ao Teu
embarque, deixando em Ceilaô as fè-
mentes da guerra em eftado de brotam
Tem com brevidade troncós duros.
Nefta occafiaS vem a prepófito 2
a + que fez à-hum Embaixador
de Portúgal ó Sophi da Perfiá lembra-
do de ositrasfemelhantes. O voffo Reis
perguntou ete Soberano ao Minifire »
tem mandado cortar muitas cabeças ds
; 6
| 216 Historta GERAL
Era vulg, Governadores da Indias -é-das: (us? Peas
ças? Refpondendo o Embaixador-!- quie
áinda nað hoúvera cobjunttura para feu
Amo ufar com algum deles tanta- fẹ-
veridade , lhe tornòn o Sophi : Poiséf.
tai certo, que elle naó confervará mui-
to tempo o Dominio ádquirido com
tanto trabalho. Em fim o Vifo-Rei fa-
zendo encher muitas laudas duslivros
das cohtas do Eftado de grafias formas
extorquidas., por hum mado taó:con-
fufo , e tað groffeiro, que não ficaffe
queixofo o interefle peffoal ; elle dei-
xou com pouca fegurança- no Throno
ao Principe, que podia nelle ficar fr-
miflimo. o a Ea
Para acabar de efgotar os efpiritos
de Ceilaô , aonde ficava commandaado
D. Joa6 Henriques , hum Fidalgo de
muita probidade; o Vilo-Ref Ihe- or-
‘denou que depois da fua partida pren-
‘deffe a Tribuly Pandar , Pai do-Rei
de Cota , e lho remettefle a Goa. O
defignio era haver pot etle hum «grande
reígate ; mas D. Joaô Henriques ufan«
“do da fua natyral equidade ; fabendo
que q Tribuly fe açhava nos- ny
| Q
DE PORTUGAL, Liv. L. o 217
de Teu primo , o Principe das: Corlas Eri vulg.
ajultando. q. cafamento..de huma fua fi- o
Aba, com feu filho. o de.Cota , e huma
poderofa Liga contra o Madiune de Cei-
tavaça;; elle naõ executa a ordem , e
preferio, o bem ;commum de Ceilað ao
intereffe, particular do Vifo-Rei. Dio-
-go de Melo, que fuccedeo, ao Hen-
Jigues no goxerna , mas nað nos fen-
timentos, faz a elcandalofa prifað.- D.
Duarte Dega , gue; tres dias depois lhe
fuccedeg y a aggrava ,.a aperta, e com
efla iniquidade (e enfaia , para ir nas
Moluças fazer. reprefentações femelhan-
tes» na pefloa do infeliz Rei Aeyro;
como nós acabamos de dizer... *..
—. A Rainha Miãi, indignada até os
ultimos. pontos do furor pelo tratamen-
jo vil , que hum Chéfe alliado dava ao
feu Efpola,, Pai do Rei ;,ella fahe de
Çota „ajunta trópas, e entra com D.
< Duarte em negociações. Entendendo
que. fazendorfe feu marido Chriftað ob-
teria.a liberdade ,. propõe-lhe efte- ar-
“bitrio , elle o.abraça, D.. Duarte defe(-
pera, eogarrega de ferros. À Rainha
“eppellou para outra indúltria, que foi
com»
»
718 . HISTORIA GEMaL ":
Ers vulg.. comprar álguas: Poitáguezes defembas
raçados ; que por meio de huma minag
que fizérad vokr , junto ao Convento
dos Francifcanos, confepuíraS tirar da
prizaó a feu markio , e entregar.lho)
Elle em libevdade fa pofta tia frente Va
Exercito, que a Rainha tihhá preventa
do, e lançando-fe dormo torrente idi?
petuofa fobfe ‘toda. a cófia de Gafë ;
abate as Igrejas, degolta os Chriffósi
queima. hum:navio nofio , e fe põe em
: elado de fazer guerra áos Portiigutzes
à fogo , € fangue. D. Duartė fe fob?
prende, é cáhe em maiores abifutdos ;
admitindo as propoftas do Mádunt,
que á forga de prefentes ó havia core
rompido, css
O afio Rei de Cota 'eftranhot &
elte Official a fua eórndada, que Dad
fó o chepava:zos tenos dé perder d
Coroa, que elle pofluio feudataria “de
de Portugal; mas aos de (e vêr abin- .
donado por feu Pai ; fe elle, e (eu ir-
mað nað cafaflem' com duas filhas de
feu inimigo © Madine +- único 'tefire
gio, que ele procurava patá fe (Aver
da angúfia, em que os Portbguezes O
meta
DE PORTUGAL, Liv.l. 219-
mettað, Intoleraveis para: o Rei eftes Era vulg.
gafamentos , elle fuftentou algum temr:
poa: guerra fem: os noflos foceorros:;
mas vendo que Ferna6. de Carvalho,
fuccefior de D. Dtarté, fé conduzia
peor que elle; que; promegtegdoshe
hum-corpo' de trópas a troco de huma
grofla porção de-divbeiya., elle rece- .
bêra o dinheiro, e ñað lhe fornecia as
trópas:; o Rei, que tinha abatido +
foberba do Magme, e efte implorado -
a: (ua clemencia, antes. quiz foffrello a
elle, que fopportar os Portuguezes, e
ajutau os cafamentos com fuas filhas,
Todas eftas defordens fizeraô huma al-
ta -impreflã6. na Corte. de-Lisboa, bone
de e Rei de Cota fe queixára , e foi or»
denadocap Vifo-Rei, que tudo lhe refs
tituide : caítigo debil, que apenas (a,
tisfeg huma pequena parte. da juíliça
ofendida, cc “a
~: f > . ; :
fa RSS id Ro no Pe C ' q
Era vulg.
ISSI
LIVRO LL
Da Mifloris Moderna de Portugal.
CAPITULO L |
Trata-fé då Mifas de $. Francifeó Xa:
~ vier à China, aonde morreg, e o que
obrou o Baxá de Baçorá depois da re-
` tirada de D. Antaô de Noronha, =
O vIsO-REI na volta da fua viagem
de Ceilaô para Cochim foube que q
Rei de Chambe , hum dos dezoito Prin-
cipes Malabares, confederados do Ça-
morim , impedia a extracçaô da pimen-
ta para a carga das nãos do Reino. Nas
da valeo áquelle Principe o Exercito
de 30g)000 homens para deixar de fer
desbaratado pelo Vifo-Rei, e por feu
filho D. Fernando de Menezes, affo-
lado o feu Paiz, abrazadas as Cidades,
e pilhados os Pagodes. Depois Erg
eis
|
DE PORTUGAL, Liv. LIL 221
deixar afeu filho com .soo homens em Era vulg,
Cochim, € de fubflituir a D. Antonio `
de Noronha ,. em raza6 de- huma feri»
da recebida na batalha, por outro Fi-
dalgo do méfmo hoine y flho do V ifo-
Rei D. Garcia de Noronha , para Ge-
neral do matr: elle- fe recolh£o a Goa,
aonde o efperava o Santo Xavier para
negociar a Embaixada de feu amigo
Diogo Pereira à China , aonde elle o
havia acompanhar para convėrteraquel-
je: Imperio , .e levar depois o (eu exem-
plo ao do Japas + como meio o mais
eficaz da fua converfad , na fórma gue
fica dito..
Para fe condefcender com a rogati-
va do Santo nað havia mais difficulda»
de, quea dos gaftos da Embaixada, |
qtie tomou á fua conta o mefmo pre:
conifado: Embaixador Diogo Pereira,
Na fua companhia chegou Xavier a
Malaca; aonde encontrou , entre our
tras calamidades , com que a mað de
Deos . tocava efa Cidade criminofa,
æ do incendio de huma divifad entre q
Governador D. Pedro da Silva da Ga-
ma; efeu irmao D, Alvaro de aa
aii | å
222 História GERAL -
Era vulg. da Gama, que queria entrar no gover-
no faltando: a. D. Pedro bum anno para
completar a few trienio, Era efte hum
Fidalgo. proho muito inclinado ap Sanr.
to ; pelo contrario D. Alvaro impro» .
bo, efeu definclinado , inimigo ihftf
do Embaixador Diogo; Pereira., Dagui
naícea a oppofiçãô barbara; com quê
D. Alvaro lhes quiz impedir a paflagem
á China. Todas as forças de Acherons
te elle moveo para lograr o defgnia;
Por tudo rompeo: comi'brandura o ef}
pirito animo(o de Xayir. Conflaate em
nað vêr D. Alvaro -ello de embarca ;
e entaô o fogo do zelo, que lhe abraza
o efpirito, o faz obfervar as doutrinas
do Evangelho. o,
Xavier para fugir de huma a outra
Cidade perfeguido , facode dos capatos
o pó dé Malaca. Ufando ia primeira vez
da authoridade de Nuncio Apoóftolico
fulmina fobre D. Alvaro-hwum anathéria
tremendo, Depois nos affatos do efpiri<
to, fallando em tòm de Profeta, pree
diffe com tantà clavidade os juízos futute
ros de'Deosfobre:l. Alváro „que quais
tos ds outdnd enténderao , que eles
F ; com
-2
DE PORTUGAL , Liv. LI. 223
gamprehendiaã os (eus deftinos fuveftos Era vulg:
emambos os Mundosa Tinha difpoto a
Providencia , que Xavier nað lografie
os. leys ma gonyetlað da Chindi; morren-
do: às fws persas. ma Cidade de Sancbaó.
As moitas criaturas de DuAdvaro, gens
te: das-feus, humores, de que fe mettês
sa hum bom. número a bórdo .da não pa-
ra ix .moriificando a Xavigriha viagem:
entað, conheceo ella quem era Xavier;
Amigo. de Deog já exceflivamente hone
radoi pelos fens meímos perfeguidores:
do Deas ,>que fempre eflivera com el
le-ga tuibylagaó: para.o arrancar des mãos
dos. ipáigsa para: glorificar , para Q
encher de:djas em veneração longa , pa-
ta lhe mofirar cia: tau Salvador em annos
GEINOR, cs IR i E e
-.. Gom,pouca differenga de tempo foj
a rẹtirada de ,D. Antaô: de Nordnha. dẹ
Baçorá enganado: peig retamuuho das
cartas fngidas. O afturoBaxá fez logo
avifo awCanfantinopla-da opflh fefólu-
cú ; do pado camique dirroçára O nof-
fa: projeta „pedindo i foccotros effecti-
vas.. Sem, perda de tempo vierad ordens
aparadas a Smez, para: fe lançarem yivão
Geden | c
Era vulg.
1652
224 Histor GRRAL- è,
e cinco galés ao mar; entregue q fet:
commandamento ad célebre coffario Pita-
bec com a inftrucçað , de que vicfie aq:
porto de Baçerá , aonde acharia -o plas:
no das fuas- operações, : fem: que om toe.
da a viagem fizeffe hoftilidade alguma:
aos Portuguezes. Chegou Pirbec-ao luz
gar deftinado , e na:primeira. conferone.
cia com o Baxá lhe moftrou efe os defs.
pachos da Corte, que lhe mandava ter:
promptos isgjoco-bomens -para refars
çar a tripulação da Armada, emque els.
le havia embarcar com Pirbec , e unis
dos ambos navegarem a “Ormuz, půst
fitio á nofla Fortaleza e na6 levanta».
rem o campo fem veiicer, ou morrer...
D. Alvaro de Noronha ,: quegover-.
nava a Praça, foi a tempo. avifado dos
preparos , que fe faziaó em Sueg; edef
pedio logo varias fuftas. para irem hwr:
mas a Mafcate oblervar os: movimbntes:
“dos Turcos, outras á' India dar parte 8%
Vifo-Rei do fitio., quertemia Ormite;
Pirbec veio a Baçorá na fórma, que the
fora prelcripto , ignorando. o @ que (vir.
nha ; mas communicadas as inftineções s:
em rodo o refto da empreãa: exseutam
to. fm
DEPORTUGAL, Liv. El 4226
múuito: mel às ordens, oú por ciolo de Era sulg,
o fobrnetterem ás determinações do Ba- 1552
gá: de Baçorá, ou porque antes queria
fazer prézas, que empenhar-(e na guer- .
ta; ouporque elle fó fe tinha por di-
ghoda expediçað,a qué o mandavað. Co-
mo quer qué feja, elle chegou a Maf-
cat, ca Ormuz a noticia da (ua chega-
da ;: aonde caufou tal efpanto, que `a
Cidade fe defpóvouu , a gente principal
ferétirou pára a Ilha de Quéixome., a
piebeparz as terras:do Magofia6 , é v
Rei tom os feus Ofciaes-fe recolheo na
no Fortaleza, que D.: Alvaro, tinha
bem:-provida, refoluta com a guarniçaõ
de-ç5o homehs a defender-le né å ulti-
fria extremidade. : ->
-u Efte Chéfe prudefice depois de aff
guitar quarenta navios , que-eftavaó no
“peno debaixo dá artilharia, e conr gróf-
fós.cabreftabtes prezos à F ortaleza, pros
ved osBaluartes della em Fidalgos , e
Officites de conhecido valor , e expe-
Hencias; Noeeritro da Torre da mena
gem aquarrélodio Rei, a Familia Real;
eu. foa -Cortes : tudo com tal ordem,
| goro: acertadas di ea eflava ig
“TOM, XIV, di-
226 Historia GERAL -4
Era vulg. dicando a gentileza da refiftencia, Apy
pareceo a Armada de Pirbeç fobre Maf,
cate , aonde eftava Joaôd de Lisboa com
60 Portuguezes, que recolheo na For-
taleza para logo os entregar debaixo das
condições da liberdade , que o Turco
nað. cumptio. Já (e fabia em Ormuz da
vifinhança dos inimigos pela fufta de Sis
mað da Cofta , gue os fora. efpiar aq
Cabo de Rofalgate; que eftivera debais
xo da prôa da galé do filho de Pirbec,
aonde lhe ficáraô dous homens pendens
tes de hum remo; que defviando-fe der
baixo do fogo com valor incrivel , fican»
do-lhe a galé a gilavento , tanto met-
teo de ló, que a deixou a balravento ,
e chegou felizmente a Ormuz com as
noticias, que fe neceflitavad. . |
Chegáraô os Turcos a efta Praça,
que por eftar fem moradores foi faqueas
da fem refiftencia, Pirbec,- naĝ perden»
do tempo, começou o ftio; da Fortas
leza , tirou as linhas , levantou redutos
plantou as batarias , e fez fobre elja. bum
fogo vivo, Às balas do nofio , mais bem
fervido por artilheiros déftros, embo-.
cavað os feus canhões , que ficavad par-
| ti-
t
DE PORTUGAL, Liv. LI. 229
tidos ; e muita gente defpedaçada. Por- Era yuilg.
tuguêzes, e Turcos ignoravab a quali-
dade das forças, qué atacavað , e de-
fendiað. Pirbec quando fe inftruio das
noffas , perdeo a corage , e defeíperou `
da viãoria. Os foldados Portuguezes
quando fouberd6', que as dos Turcos
nað fe compunhad de muitas vezes déz
mil, gritára6 ao Governador lhes abrif-
fe as pórtas; porque queriadir ao carn-
po fazer em póflas 4 gente attrévida ,
gue tivera a coúfiariga -de:vir com hum
punhado de homens infultar os Portu-
guezes a fua cafa. Toda a corage de D.
Alvaro , attento á confervaçaő dé huma
Praça, que era a chave do Golfo Per- .
fico :, lhe foi. neceflatia para: conter ô
ardor das trópas originado da pouca fo-
bordinaçao:, que'ellas cotumavað’ ter
nti-Índia , quando a prudencia queria re-
frear a temeridade nas occaliões, em
que-ellas entendiaô ganhat honra. EL |
pecie de defobediencia façanho(a fem
tumulto ,- de que’ muitas Nações aguer-
tidas defejariaõ fer imitadoras.
> Pirbec atacado por tres partes; do
iame pela: companhia do Baxá ; do |
ne P ii mes
228 Historia GERAL
Era vulg. medo pelo deíprezo, que delle fazia6
os Portuguezes ; da defefperaçað á vif-
ta do nenhum efeito, que.o feu fogo
caufava na Praça; elle embarca a arti=
Jbaria, e refolve levantar o útio. Na
noite, em que havia partir, enviou à
Fortaleza hum lingoa a propôr o refgate:
de Joaô de Lisboa , e dos feus folda-
dos a D. Alvaro , que entaô foube q
fucceflo de Mafcate. O Turco civil lhe:
=», mandava de prefente a mulher de Joad
de Lisboa, dous dos prifioneiros dif-
tintos , e os dous foldados da fulta de:
Simad da Cofta , que ficárad penden-
tes no remo da galé de feu filho. D.
Alvaro occupado dos fentimentos da
magnanimidade Portugueza „ lhe fez ref-
ponder: Que aos dous foldados como,
homens fem culpa os acceitava, cem
cambio delles lhe offerecia as peçaspre-.
ciofas , com que o regalava : Que os ou-:
tros nað queria véllos, e os recambia-.
va como Portuguezes covardes , que:
entregáraó a Fortaleza de Mafcate an=
tes de ferem feitos em póftas : Que.
pela meíma razað defprezava as lágri-
mas da mulher de Joaô de Lisboa, €a
| ane o igre
DE PORTUGAL, LIV. LI. 229:
tornava a enviar á fua prefença para Era vulg.
caftigar com efte genero de inbumani-
dade o crime affrontolo de feu ma-
sido. = ARCA:
Recebido efte recado , Pirbec na
mefma noite agradeceo o oblequio com
mandar deitar na Ilha a mulher de Joaõ
de Lisboa , e os prifioneiros, que erað
dous feldados velhos. Immediatamente
fez tomar os remos em punho ; che-
gou a Queixome , aonde o nad efpe-
tavaó , roubou riquezas immenfas , fez
os efcravos que quiz, e tomou o rumo
de Baçorá. O Vifo-Rei da India infor- |
mado do fitio pelos differentes expref-
fos , que: de Ormuz lhe defpachára D,
Alvaro de Noronha , fe fez logo ao
mar com huma Armada de oitenta vé-
las , em que entravad trinta nãos deal-
to bordo, para foccorrer a Praça, ba-
ter, e abyfmar os Turcos. Naveganda
pelo golfo de Dio recebeo outras car-
tas de D. Alvaro, nellas a noticia do
Jevantamento do útio , e retirada de
Pirbec. Efta agradavel nova o fez mu-
dar de rumo , e de refoluçao ; aflentar,
que para guardar o golfo da Perfia baf-
: tas
230 Historia GERAL -
“Exa vulg, tava huma Elquadra de menos lote 3
vem a Goa, e defpacha para lhe defen-
“der as gargantas a {eu fobrinho D. Ane
tonio de Noronha com doze galebes ,
e vinte fuftas;, levando ordem para fuc-
ceder a D. Alvaro de Noronha no gover-
no de Ormuz, e entregar o da Efquadra
a D. Diogo de Noronha, o Corcoz.
Neke anno chegáraõ feis nãos do
Reino, entrando no feu número as que
no paflado haviaô invernado em diffe-
rentes pártos. Ellas erab-commandadas
por Fernad Soares de Albergaria; e An-
tonio Moniz Barreto voltava å India no
célebre zambuco, que fez efta ultima
de tantas viagens q Portugal, varando
no rio de Seitapor, aonde fe fez em
pedaços com temporal depois de po-
jada a gente em terra. Hum reforço tağ
confideravel poz habit ao Vifo-Rei pa-
ta fuftentar muitas emprezas com vis
gor; mas antes que nós paflemos á nar-
yaçaô de outras acções, he juto çon-
cluirmos com a do deftino da Armada,
Turca depois do levantamento do fitio
de Ormuz , até á fua deftruiçao às mãos
dos Portuguezes; E
| Cà-
- pEPortuGAL, Liv. kl 2 31
"= CAPITULO IL
Do e fuccedeo a Pirbec depois do p fi tio
vp Ormuz ; como a Armada Turca
“foi defiruida pelos Portuguezes , e
; outros fuccelfos defe anno de 1 552 em
Dc din ca do, Mundo.
| No aa de ka milhas de defpo-
jus de Ormúz- bem‘ repartido em Conf-
tantinopla fiava Pirbec a boa acceita-
| 426 do nada, que acabava de fazer em
ferviço de Solimad. A fua idéa o en-
ganou, porque o Baxá de Bagorá deo
contra elle informações tað delavanta-
jofas , que fem lhe valer o milhaô,
perdeo a cabeça. Elle fe havia efcapa-
do com: efta quantia em tres galéz da
caça, que lhe déraõ D. Antonio de No-
tonha, e D. Pedro dé Ataide o Infer-
“No; que com as fuas Efquadras cruza-
vaó o Eftreito de Meéca', mas fe no
tnar fe livrou de meia infelicidade , em
Conftantinopla a encontrou inteira: So-
limaô temia, que a nofla audacia che-
gafle naquella Cidade a fer facrilega com
: a
Era vulg.
232 Historia GERAL: -
Bra vulg. à profanaça6 do fepulchro de atá
e defejava hum “Official dé corage, “a
“quem encarregar o commandamento das
“paléz para fegurança do Eftreito. Com
“eta qualidade: (e-lhe reprefentou Mo- .
“radbes , que moftrou “bem pouta,
* quando 'o valerolo D. Antað de Noro-
“hha o obtigou a” pandora o poíto, de
Catifa. |
“ Eftimon Moradpeg a otcafiat deves
“cuperar a fua honra ,.e a toda a- dilis
„gencia veio a Bagorá, “donde fe fezaa
“mar com quinze- galéz. D. Antóriio-de
Noronha já a efte tempo tinha entres
; gue o governo da Efquadra a D. Dio.
` NA 'o Corcoz, que cruzava do lado dà
rabia; mas fabendo pelas fuas efpias,;
“que as galés: tinha6 fahido: de Baçorá,
sacos para o da Perfia em.fua de-
“manda, Tanto que: aviftou os Turcos,
“cofidos com a terra, que lhe impedia
* a aborda os fervio com o fogo dps
canhões. Files lhe refpondêtaó com ou-
tro taô vivo ao lyme dá apta , que
| aberto o galeaó teve de: o abandonar
“para o virarem de bórdo, e lhe tapas
tem os rombos, Qs Portuguezes affou- o
tos,
iiidfiana. Tá
DEPortucALy LAV. LI. 233
„tøs; eintrépidos no. combate (e cha- Ers mlg.'
.márað infelices y quando-de repente lhes
“accalmou-o vento ; arhotos :os galções
pelo mary: fem. governo , € tãó apar-
Ados., gue. nao podia6. fogcorser-fe :
vantagem paraç,os Turcos tað. grande,
Jogo: no principio da acçað, e do dia,
-que tomando .0s temos, as quinze ga-
léz rodeárab q formofo- galeaô de Gon-
cala Pereira. Marramaque , que eftava
ais delviado:,: ous na certeza
E ETENEE
- Bem quizera eu tratar. AQ laio as
pe A dele combate ; que dus
-you a, maior, parte do: dig. Mas eu naĝ
: expligarei bom a corage de 120 Lufi-
tanos façanhofos , -que o fuftentárað y
- “com Hjzss -que-no Oriente, entre tan-
„tas Acções. illyítres, ofla. nað -teye -fes
» mealhange 2 Gonçala Pereira., D. Affon-
- fo Henriques y; Luiz Freire. de Andrade;
«Jorge de Soufa , D. Leoniz Pereira ,
André Pereira de Berredo., D. Luiz Pe-
- Wira PUTOS Fidalgos , e os feus fuls
- «dados Soffrêraô por muitas horas tal fos
E9 s: fem os Turcos fe -attrevérem:a
--abordalios que o. galead nad.era mais
Re que
I
234 Higtoma GERAL ^
Era vulg. que hum cafco nadante, (em mahos;
caftellos de póppa, e prôa, fem obras
mórtas, fó os peitos dos homens huns
maros de bronze. D. Diogo de No:
ronha tio convéz dá fna ndo , como
mettido em defefperaça6:, batia o pé,
arrapelava as barbas, rúgia lead , bra-
mia tigre, piedofâmente irado , nem
no Ceo lhe efcapava S. Lourenço, que
elle quafi reprefentava outro Ulyífes fe-
chando: os ventos no feu odre, Em fim
elles refreícad fobre a tarde , toda a
Elquadra árrazada em poppa buíca o
flanco das galez , para das mãos dos
inimigos arrancar a preza.: © è ¢-
Moradbeg vendœas deftroçadas pot
hum fó navio, temeo-fe agora de tan-
tos, e fez foar a retirada, que empre-
hendeo a toda d voga pel cófta'da Per-
fia , deixando pela retaguarda huma
não de mantimentos, que nos tomára
Pirbec, e agora reflituimos; D. Diogo
de Noronha fubio logo ao galead def-
troçado , aonde o efperavad brilhantes
os foldados ; cobertós de fangue , quei-
mados do fogo , negros do fumo , alim-
pando os fuores., bordados de flexas,
E Eji»
= DEPORTUGAŁL, Liv. LI. 336
efpectaculos do horror , imagens da Eps vulg.
cólera, na fua frente todos efes retra-
tos copiados na pefloa- unica de Gon-
galo Pereira, qué correo com os bras
ços abertos para D.' Diogo, Aflaftai-vos,
Senhor , lhe diz efte Fidalgo: com hum
impeto de generofidade, affaftai-vos ,
nað quero abraçar-vos , que nada fe vos
deve , por teres obrada. o que cumpria
á vofla obrigaçaó pelo .voffo nafcimen-
to , por feres: quem fois; Deixairme
abraçar cada hum dos vaflos: faldados ,
hoje producçães illuítres. de f meímos,
haje filhos do feu. valor, hoje create»
ras da (ua dilciplina, hoje que naíceo
hum Heróe em cada bum
,--Hogrando o Chéfe a todos com-pa-
lavras fublimes , elle deixa algumas ful-
tas pasa sebocatem o-galaad.até Ormuz,
e com q reto da Armada vai no alcan-
ce dos Turcos. Elle os feguio fete dias
“até. os metter pela embocadura, do: Eu-
frates, aonde maó pode entrar.. Daqui
defandou para Moçandaô a acabar o .
tempo do feu regiwento, , e fe recalheo
a Ormuz. A noticia da fugida de Mor
radheg chegou a Conftantinopla , e deo
oC
ME e e ooo o
236. Hisroria GERAL
Era vulg. Occafiaô ao Coffario Alecheluby para:
animar contra .elle a critica fevera , de
que nað fe podia efperar mais de hum
homem nomeado para fe bater com os'
Portuguezes , quando a experiencia já'
tinha moftrado a fraqueza, com que lhes
havia entregado huma Praça da impor-
tancia de.Catifa fem: defembainhar as .
armas ; que fe o Gra6-Senhor defejava.
recolher as galéz ao Eftreito, lhe fiaffe-
o feu governo:, que elle as levaria a
Suez a falvamento. Os Baxás aprefen-.
tára6 efte oferecimento no Divan, don«
de o Coflario fahio defpachado como
defejava. . o
Elle chegou a Bagorá , quando já cor=.
ria o anno de 1554; tempo, em que
D, Fernando de Menezes , filho do Vi-
fo-Rei, com huma: grofa Armada crus-
zava no Eftréito (empre attento nas ga-
léz , que depois da fua retirada até ago-.
ra nunca os Portuguezes as perdêrad
de vifta. Efperavaó as noflas eípias, que
ellas fahifem ao mar pata avifarem a
D. Fernando, que eltava preítes para.
lhes cortar o caminho. Bernardim de |
Soufa , que havia fuccedido a D. An-
tos
parte, Ficárad as feis cortadas ; logo
DE PORTUGAL, Liv. LL 237
tonio de Noronha no governo de Or- Era vulg.
nmz , armou hum galead , guarneceo
quatro .nãos mercantes, e fe poftou na
boca do Eftreito de Baçorá para fechar
a entrada às galéz , fe ellas. fupiflem de
D. Fernando, avifando-o. as feguifle até
onde elle pairava , para que alguma del-
las lhe elcapafie. Difpoítas defte modo
as coufas, com- a noticia de que Ale-
cheluby já andava no mar ; D. Fernan-
do fahio de Mafcate em fua demanda.
A doze legoas.defta Praça nos Ilheos
de Soar fe encontrárad os dous Chéfes,
e o noflo aprefentou a batalha , que o
Turco queria evitar. |
Para o confeguir fe coleo com a
terra quanto pode ; mas a nofla Arma-
da feguindo em torno as quinze galéz,
as teve como cercadas, nað lhes fen-
do poflivel retroceder, nem tendo ou-
tro refugio, que o de montar hum cá-
bo, que alli fazia a terra. Às noffas ca-
ravellas fe esforçáraS para-o impedir ;
más nað o podéraô lograr fobre nove
das galéz muito ligeiras, em que en-
trava a Capitania , que paflárad á outra
in-
Ed
238 Hrstónia GERAL
Era vulg. inveftidas pelas: caravellas, que depois
de hum fanguirolento combate, todas
abordáraS , todas rendêrað. Ð. Jero-
nymo de Caftello-Branco varou fobré
duas, e foccorrido por D. Manoel Maf=
carenhas tomou ambas com mórte dé
todos os Turcos. D. Fernando de Mon»
toy, e Antonio de Valadares , cada
qual em fua galé, leváraô o negocio
á efpada , fazendo lançar os Turcos ao
mar, aonde foraô degollados pela tri»
pulaça6 das futas. O mefmo deftino ti-
verað as outras duas- : todas feis ficáraS
em noflo: poder (em mais captivos, que
as chulímas , que refervâmos para nos
fervirém. D. Fernando lhes nomeou los
go Capitães para as mandarem conceiw
tar em Mafcate, e os defpojos , que
nollas fe acháraô forað armas.
-Alecheluby , queda outra parte do
Cabo obfervára a batalha, € vira a pers
dá,-privou' a: Bernardim de Soula. de
confummar o triunfo na boca do Eftreis
to; porque temerofo de voltar a Suez
para pagar a defgraça com a' cabeçã';!
fe fez na volta de Cambaya; D: Fer-
Mudo -ordenou-ds caravellas ;: que =
tala .
DEBORTUGAL, Liv. LI. 239
tafem todo a. panno, cas foem fe- Era ii
guiado até. n porto ,; aonde .entraffem
para:as bloquearem. Ellas lhe forað dan-
do caça pela cólla. da India. Sete def-
tas galéz entrára6 no porto de Surrate,
aonde R. Jeronymo de Caftello-Bran-
ço, D. Nuno de Caftro , e D. Manoel
Malcarenhas as enfaçárad , e fe poflárað
“fobre a barra, D. Fernando de Monroy,
e Antonio de Valladares perfeguiraõ as
duas , até as obrigarem a varar, e fazer
em pedaços, huma: em Damaõ, a our
tra em Daru, Finalmente deRas quias
ze galéz, nenhuma efcapou ; porque re-
forçado o bloqueio de Surrate por Frane
cifco de.Sá de Menezes, Governador
de Damad, por Jorge de Mendoça ş
gue. o. era: dẹ Chaul , tempos depois o
Commandante de Surrate para defim»
pedir a barra do fey. porto. ,. nað teve
mais .refugio , que. convencionar com
as. Portuguezes virem.:elles fer tefte-
muphas das. miudas peças, em que as
galéz fora AEOLIAN como.em feu lus
gar fẹ. dirá. , |
Dada efta. noticia. do fuccefo da Ar
mada: aiis »:que na. India: ,, e na Eu-
10º
Era vulg,
worados. pelos Cafres , a maior parte
240 «Historia GERAL
ropa fizéra tanto. eftrondo , eu' paflo 4
narração de outras acções reípectivas ao
anno de 1552, em que falamos. Nel
Je fuccedeo na cófta da Cafrária o nau-
fragio laftimolo de Manoel de Soufa
de Sepulveda , de fua mulher a for-
mola D. Leonor, filha de Garcia de
Sá , de feus tenros filhos , de -muitos
Fidalgos, e de çoo peíloas, que com
elle embarcáraó na ndo: S. Joaô. Del. |
feita ella nos cachapos , toda a gente
fe falvou em terra para padecer mórtes
continuadas , lamentaveis , tries, á
vifta de efpedtaculos da mais extrema
agonia pcela-longa duração de mezes;
muitos tragados das féras, outros de-
coníumidos da fome; D. Leonor para
occultar a fua nudez obrigada a enter-
rar-fe viva.na areia da Praia, Heroina
honefta fepultada antes de morta ; (em
marido como louco , vendo-a acabar:
com os filhos nos bragos , errante por
bofques , donde nunca mais fahio ; eng
fim depois de foffrer trabalhos ,'que fe
nað concebem, fahíra6 com-vida defta
tragedia ,. e viérao. dar :á. India. unica-;
mea
DE PORTUGAL, Livir. 241
tente dito Portuguezes. » É quatorze Era vulg!
elcrávos , entre.aquelles Pantaleað de
Sá, Trifta6 de Soula, Balthafar. de. Si
queira, Manoël: de:Caftro:, e:o Piloto
André Var > “teftemunhas da fenfivel
Katima. : RE EO aai
Es Pelos mliios tempos - -as dqaerai
imeneafas., que-os Portuguezes traziad
das fuas icongoiílas » de tal fórte: exci+
ra a cubiça dos: Caflarios Rrance-
zes , que defprezados: os ajuftes-entie o8
Sóberanos 4 ellessaugmentavaó o núme»
ro dos armadores:; fem que: os Minif-
tros" da Corte de França fe embaragaf=
fein muito em fazér parar a-cur(o: das
piratas pela ambiçaó.,:com:.que dele-
java6; hum-cftabelecimento: no novo
Múndo:.: A. fua: difloluçao obrigou o
Imperador , e o:Rei.de Portugal a lavra»
rèm hum Tratado.deallianga para. mur
tuamente. defenderem as luás cóítas, ©
as: fuas conquifias...Os dous Monarcas
contratantes ajaftáraó entre fi trazerem
fempre no: mar as fuss frótas nas para»
gens',-que. lhes aflignárad , para. aflegu-
rare a ida, e avolta das fuas nãos de
carga.: Naô ;oblftante..eRa. prevençãó »
TOM, XIV. Q
242 . Historia GERAL >
Era vulg. e-correndo o tempo , os Francezes 3
eípecialmente os Calviniftas, fe fora6
eftabelecer no Brafil, commandados pe:
lo Marquez de Villegagnon : homens ,
que traníportados do efpirito, que inf-
pira a herefia , intentavaõ formar huma
efpecie de DominaçaO, que os fizefle
temidos para viverem mais diflolutos:
O Almirante Coligni, depois hama das
viétimas do maflacro de dia de S. Bar-
tholómeu, patrocinava efte projeto chi
merico. Parao fazer abortar nos fervio
a divifa6 entre Coligni, e Villegagnon;
que abjurando a herefia, nað fe queren-
- do fervir dos Religionarios, faltando-
lhe a protecçaô do Almirante, a má-
quina do edificio cahio por fi meíma. `
Naô ferá improprio para fe conhe-
- cerem as forças maritimas de: Portugal
nefta época, que eu refira as que Els
Rei aprelou em cumprimento do Tra-
tado feito com o Imperador. Mandos
elle armar vinte caravellas para cruza-
tem tres na altura de Caícaes; quatro
na da Atouguia; quatro na de Cami-
nha ; as mais pelo mar de Cezimbra até
Lagos, Para guardar o rélio da pra
7 T o
DE PORTUGAL; Liv. LI. 243
do Algarve Te deltinárao quatro fitas , Bra wg.
tres caravellas, e bum galea6, que ha- |
viað chegar á de Andaluzia para cá do
Efireito. Mais ao mar andavaO quatro
nãos de alto bordo para (egurarem a
“navegação das embarcações de viagem.
Com o mefmo. dellino para as de Gui-
né. Brafil, e India andavad à vifta das
ilhas tres nãos de guerra, dez navies
ligeiros, e fete caravellas. Eles grof-
dos reforços", e ovidadefa vigilanota
Postugueza foi applaudida por toda-ia
Europa ; efpeciahnénte pela impera-
dor, que da fua parte acudio a defen-
der os mares , que lhe erab refpeótivos,
de fórte que a navegaçãô das duas Po-
tencias ficou fegura dos infultos. dos
piratas. pc ss
- Como o Principe D; Joa6 chegára
a idade competente de fe'lhe dar efta-
do, que reparafle a-perda : de..tantos
Principes fahidos do ventre para en-
trarem no tumulo , fe ajutou o feu
cafamento com a Princeza D. Joanna, |
filha do mefmo Imperador , e de fua
tia a Imperatriz D. Ifabel, com o do-
te de 360g)oco ducados, O Duque de.
“e
T Q ii Avei-
244 ~- HISTORIA GERAL
Fe vlg Aveiro D. D. Joss de Lancaftro , e 6 Bif-
po de Coimbra D. Joað Soares forab |
encarregados da conducçaô da Prince-
«za. Elles marchára6 para a fronteira
com hum feguito brilhante, com ha-
ma libré magnifica, aonde encontrárad
-na6 menos Juminofos ao Duque de ER.
-calona:D. Diogo Lopes Pacheco:, e ao
-Bifpo de Olma D. Pedro da Cofta, que
haviaô fazer a entrega da Princeza. El-
les. queriaô eta ceremonia ao ufo de
:Hefpanha. Depois de muitos debates”,
-a eloquencia do Duque de Aveiro con-
feguio. que fe praticafie (egundo o
coume de Portugal. El-Rei foi elpe-
-rar a Princeza ao Barreiro, donde a
trouxe: a Lisboa entre os aparatos da
pompa, € tranfportes do goto , tur
"dà. momentaneo , caduco , tranfeunte ;
-depois as defgraças longo tempo anca
eae ea iatoleraveis
a. — O a a ae
-
DE PoRTUGAL, Livir. 24g
na Soa
pa
Continuaçað dos fucceffos da India da É
eo “amo de 1553: 0
RR inquietos os Principes do'Era vulg,
Malabar , naô ceffavað na renovaça6: 1553
da guerra contra Cochim em prejuifo:
“dos interefles de Portugal no embata<
ço da extracçaS dos generos para:a car-
ga- das noflas nãos. Quiz o Vifo-Ret
cortar eftes inconvenientes , e ordenou
a Francifco Barreto , que acabava dé
governar Baçaim, paflafle ao Malabat:
“com vinte naviosa (occorrer o Rei allia-
do contra os de Diamper, e da Pimen:
ta, que nos impediad a carregaçao faa-:
torifados pelos de Chembe , e Bardelá.:
Baftou a intelligencia , a agilidade de
hum fó homem , Malabar de naçaó:s
nos dogmas Catholico, chamado Vafs:
co, que eftes Principes tinhað no feu.
ferviço, para illudir as forças, o va-
lor., a prudencia de hum Chéfe tað
completo ,-qual era Francifco Barreto. .
Como os contornos de Cochim fað ter-
ES a | ras
246 História GERAL -:
Era vulg. ras alagadas cortadas em canaes eftrei-
tos, que forma6 pequenas Ilhetas; o
célebre Vafco , muito prático nefa ef-
- pecie de labyrintho, em pequenos, e
ligeiros catures, de que fe nað fazia
cafo, e que por toda a parte entravaó,
Co ce fahiaô voando, de tal (irte incom-
"> modava os noflos navios , que o mes
nor dos feus males era eftarem em inacs,
- Em quanto o Vifo-Rei fe punha.
promptó para acudir em pefloa a re-
parar a indiflereriça dos Íucceffos de.
Francifco Barreto, outro Coffário Ter.
co, que andava ao foldo do Camorim, »
determinou pallar à cóta da pefcaria.
com quatorze navios para faquear as.
Cidades de Negapataó , de S.:Thomé,
e afolar a Clwiftandade de Ponicile :
póvosçaS: tuada em huma ponta dê
teryz, que foi cottada para ficar Jha
ma contra-cófta do Cabo de- Comorim..
Por suo homens mandou o Turco ins
veZir Ponicale; aonde n2ð havia mais
de fetenta Postuguezes mandados por
hum Fidalgo dilincto;chansado Manoel,
Rodrigues Coutinho. Efe bravo hos
A mem
|
DE PORTUGAL, Liv. LI. 447
mem na tefta da fya pequena trópa fe Era vulg: |
conduzio com tanto valor, que deftro- Ê
çados os inimigos os obrigou a embar-
car. O Turco mettido em delefpera-
çaô por caufa defta affronta , elle fe po-,
jou em terra com 1g)500 homens, que
“os noflos nad quizeraó eíperar para fe
nað exporem a perder-fe. Paflárad to-
dos ao Continente , e ficou Ponicale
em preza aos Barbaros Malabares, que
encontráraS bem de objetos, em que
empregar o furor, é a cubiça. O Nai-
que da terra firme acudio com oito mil
homens ao eftrondo do combate ; mas
vendo nella os Portuguezes , metteo
a todos em ferros para tirar do foccorrá
q proveito dos reígates.
' Chegou a voz defte cataftrofe & fë-
rir os ouvidos da gente de Cochim,
aonde fe achava o bravo Gil Fernan»
des de Carvalho , que nós vimos Ha
pouco libertador gloriofo de Malaca ,
obrigando. o Rei de Viantana a levan-
tar o fitio, que defendeo D. Pedro da
Silva da Gama. Elle defejou caftigat os
Malabares; mas havendo navios, fal:
tava dinheiro para o feu fornecimen-
to,
248 HISTORIA GERAL.
Era vulg.: tò. Sacrifica-o Carvalho todo o feu cas:
bedal aos interefles do commum ; tos.
ma gente a foldo, compra mantimen-:
tos, prepara: huma Fróta, e fabe ao:
mar com 170 homens em demanda do:
Pirata fuberbo. Na volta do Cabo o:
avita , e naô podendo dobrar huma ref-
tinga, o navio de Lourenço Coelho vav.
rou nella, e ficou em fecco. Seis dos
contrarios o atacað á via do Carva-
lho impedido pelo vento contrario a
foceorrello.. Largas horas durou o com-
bate, em que nað houve Portuguez.,
que quizeffe render-fe : todos morrêrağ.
em brava gente ,. menos amantes da vis
da, que da honra. ;
-Sentio Gil Fernandes eftà ia
fe.deixou levar do tempo á Ilha das
Lebres, aonde eftava hum navio Pors
tuguez, que incorporou na Fróta. Ao
outro dia fe encontrou com os Barba-
ros mais arrogantes pela victoria. EHe
ferve:a Capitania inimiga com a pri-
meira banda de artilharia.,. ferra-fe-com
ella, haldea-fe coma fua. gente -a bór-
do, e contra 200 Mouros difputa hum
SuonnE horrendo... Todos morrem hana
q
1
ZE ~m
DE PORTUGAL; LIV. LI. 249
a ferro , outros no már , a Capitania: Eva vulg.:
fica: rendida., e os feus quatro navios
fazem o meímo ferviço a outros tan+
tos dos contrarios. Defembaraçados def-
ta primeira . refega;, todos cinco fein-
corporad , e cahem fobre o reíto da
Fróta, aonde o eftrago foi igual ao fu-
sor. Entre a chofma naufragante , o
Chéfe Turco teve a felicidade de che-
gar .a terra nadando. com alguns pou.
ços; os mais ficáraô (epultados nas on-
dass reftituido o navio de Lourenço
Coelho , e todos os dos inimigos, fem
elcapar hum fó, em noflo poder; Gil
Fernandes de-Carvalho com a gloria re-
novada, o memo homem no Malabar,
que em Malaca. Oécco della victoria
baftou para o Naique do Continente
pôr em liberdade a pouco preço os Par-
tuguezes captivos com o feu Cabo Ma:
noel Rodrigues Coutinho para vir rel
tabelecer em Ponicale a Chriftandade ,
que ao Apoftolo do Oriente cultára tan-
tos fuores. |. o
-«:. Com o reforço das nãos do Reino,
que chegárað efte anno ás ordens de
Fernando Alvares Cabral, .o Vifo:Rei
ao 7 aprel-
aço. Hisroria GERAL.
Esa vulg. apreítou a Armada, com que partio pa-
| ra Cochim em foccorro de Francifco
Barreto contra os Principes Malabares..
Na barra de Cochim fe lhe incorporá-:
rað D. Diogo de Noronha, o Corcoz,
Gonçalo Pereira Marramaque , e outros
Capitães, que vinhaó de Ormuz vito-
riofos das galéz dos Turcos. Entrado
no porto foi determinado nos confelhos,
que fe deftruifem as terras do Chembe,
e às Ilhas Alagadas do Rei da Pimenta,
como meios de chamar todos os Prin-
cipes Malabares a defenfa. Revogou-
fe a primeira refoluçaó refpectiva ao
Chembe, e fe deftináraS todas as for-
ças para a affollaçaó das Ilhas , donde
o Rei da Pimenta tirava a mais confi-
deravel porçaô das fuas rendas. O pa-
recer do Siqueira, Capitaó dos noflos
Malabares. livrou a Francifco Barreto,
e a Bernardim de Soufa de hum peri-
go evidente ; elle o principal infru-
mento da vitoria por perfuadir ao Vi-
fo-Rei, como prático no Paiz, o ma
do de fazer o defembarque , e acomet-
ter a acçaõ. | RR E a
- Para ella fe definárað dous aa
Ea m
DE PORTUGAL, LIV.LI. z5r
hum que mandava o mefmo Vifo-Rei, Ers vulg :
autro o Governador de Cochim Josd
da Fonfeca. Cada hum pos fua parte
faltou em terra , levando na frente der-
ramado o terror, que nað perdoava a
fexo , e idade, a culpado, e innocente.
Fartos de langue os Portuguezes , fizé-
rað captivos os paizanos, a quem per-
doou a cólera, abrazáraó os edificios,
convertêraô os frondofos campos em
hermos triftes: À necefiidade de defpa-
char: as nãos para o Reino obrigou o
Vifo-Rei .a voltas pasa Cochim few
coffumimar a obra; mas deixou por fen
fubftituto a Gomes da Silva, que com
poucos navios fez tantos deítroços no
reflo das Ilhas, que os Reis .confede-
tados pedirad à paz com as condições
de deixarem corres pelos feus rios O
trato. da pimenta, de reconhecerem a
perfilhaçaô do Rei de Cochim , fen-
doslhes ;reftituidas as Ilhas , e 03 cas
ptivos.: Docs, ES
<: Depois do reflabelecimeno: defa
tranquilidade. fe temeo huma nova
` guerra em Cambaya originada. da mór-
te: do Rei Suta Mamud, que o feu
af uni-
“262% “História-GERAL' f
Ees vulg.. Unico confidente Boradim, pretextan-'
- do tyrannias, quando o feu verdadeiro:
defignio era levantar-fe com o Reino,
aflaflinou ás punhaladas, ao tempo que” .
dormia defcançado na boa fé dehe tra-
hidor, eftimado guarda fiel da fua pef-
foa. No meio da perturbaçaô dos Gran-
des , Boradim pagou com a vida a pe-
na do parricidio ; foi elevado ao Thro-
no -hbum Principe occulto , que fe dizia:
fer filho do Rei morto, e a Madre Ma-
luco fe encarregou a Regencia do El-
tado. Entre os muitos delcontentes em
revolta tað geral, era hum o Abexim
Abixcaó, que commandava em Nova-
nager, e mais terras da juriídicçad. de.
Dio: Politico de tað curtas viftas , que:
devendo fervir-fe da vilinhança dos
Portuguezes para apoios da fea autho=
sidade , elle os efcandalifou de novo
com pretenções ta6 eftranhas á conjun=
étura dos tempbs , como ao carater
da Naçaô. Naô attendendo elle ás re-
prefentações de D. Diogo de Almeida,
Governador da Fortaleza , nem corri-
gindo as demafias de Elal, que em feu
nome governava a-Cidadé de Dio ;' Di
Dios
-.
a
e
DE PORTUGAL, LiVELI. 233
Diogo entrou por ella na frente de $00 Era vúlgi
homens, que com o fangue, e fazen-
das dos moradores vingáraS a renova-
-að do antigo. Forte de Meliqueaz, as
novidades introduzidas na Alfandega ,
a prohibiçaõ de fe venderem generos aos |
Portuguezes, os deíprezos com: que el-
les os tratava , e todas as outras demà-
fias do faganhofo Elal. > = > à
: -Efa acçað executada por D: Dio-
go-de Almeida no principio do feu go-
verno , foi a primeira, ea ultima del-
le, fendo logo depoo , e fobftituido
o feu lugar por D. Jorge de Menezes -..:
Baroche , em quanto nað chegava de
Ormuz D. Diogo de Noronha o Cor-
coz , que eftava provido em Dio. À
decadencia daquelle Fidalgo proveio; .
de que eítando elle para fe embarcar
em Lisboa ,: El-Rei lhe fez huma mer-
cê, que D. Diogo acceitou altivo com
aggravo da Mageftade. El-Rei nað quiz
entaô cafligallo: deixou-o partir; mas
no anno feguinte ordenou ao Vifo-Rei,
que privafle a D. Diogo de Almeida de
qualquer emprego; porque: elle tivera
juítas caulas , naó-fó para lhe dar pers
Ri | Q
244 Historia GERAL ~
Era vulg, do: ferviço, mas para: mandar rilcar ©
-` {æn nome do Livro dos Fidalgos da Ca-
fa: Real > exemplo de feveridade bem
merecido. para enfinar a vaflallos fober-
bos o decóro, que fe deve aos Sobe-
' ganos. O. Vifo-Rei execitou outra fe»
welhante a refpeito de D. Alvaro de
Ataide da Gama , que por huma fen-
tenga da Relaçaô 'foi privado do gover-
no de. Malaca, remettido prezo para
o Reino, e conferido: o melmo gover-
noa D. Antonio de:Norvaha , filho do
Vilo-Rei D. Garcia. o a
1554 |
D. Fernando de Menezes , que fen
Pai enviava com huma Armada ao Ef-
treito , pouco bem (wccedida na expe»
diça6 da Fórte de Dofar defendidos pee
“los Fartaques ; -elte levava as ordens
para entregar o governo de Ormuz a
Bernardim de Soufa, e defpedir a D.
Diogo de Noronha para Dio. Eãe Fi»
dalgo pouco (offredor das injúrias, que
offendiaS a honra da Naçaô., apenas fe
encarregou do governa ; determinou-caf
tigar as demafias de Cide Elal com gol»
pe mais fenúvel, que o que fobre el-
le defcarregára D.Diogo. de. us
- o Ole
DE PORTUGAL, Liv. LI. 24%
Poftado na téla de-600 homens fahio gra vil
elle da Praça a atacar o Forte reno-
vado de Meliqueaz , que era O lugar
do feu refugio , e que os Barbaros en-.
tregárao falvas as vidas.: Nós nos oc
cupavamos em o demolir, quando che-
. gava o avifo , de que Abixcaó-com qua-
tro mil homens , fe marchava tarde
para impedir o principal defignio , ain-
da vinha a tempo de embaraçar a van-
tagem, que D. Diogo acabava de con»
feguir. Fernað de Caftanhofo foi man-
dado com 120 homens impedir. a mar»
cha dos inimigos , na fua tad arrebata-
do , que fem efperar o groflo da gen:
te, que o feguia, com dezafete com»
panheiros ficou cortado por 300 caval-
los, que fazia6 a vã-guarda dos inimi-
gos. Defendêraó-fe ees poucos homens
com valor incrivel, fem fe quererem
render; mas todos pagáraô com.as vi-
das a inconhderaçaó do Caftanholo. .
No campo, em que D. Diogo de No-
fonha ficára poftado , vio a precipita-
da fugida do refto da gente defte Ché-
fe, e advertindo que Abixcað havia paf-
fado do Continente para a Ilha, deis
Dae, «ip ie xan"
1554
256 HISTORIA: GERAL i
Era vulg. Xando-fe tranfportar' de bama ee
"* dadecéga, fe moveo com rapidez a atas:
car fem ordem,o corpo dos inimigos
tantas vezes fuperiar. Luiz Cabral,
Feitor de Dio, Cavalleiro de valor, e
experiencia., o deteve , reprefentandos .
lhe.o perigo a que expunha a gentes
€ a Fortaleza, que ficára fem guarni-
çeô : dous objektos. do ferviço do Rei
tað: importantes, que os devia preferir
aos tranfportes .do valor ,. que ainda no
cafo de adquirir a gloria, ella feria mans
chada com a nodoa da imprudencia. D. ..
Diogo ainda tomado da cólera , ref»
pondeo a: confelho. tað (audavel: Des
pois de eu morrer, que me importa ;
que tudo (e perca? Propofiçaô, que
voando nas lavaredas do mefmo. fogo 5
que a proferio, .da India até Lisboa 5
foi baftante para cuftar a D. Diogo de
Noronha o Vifo-Reinado da. mefma In-
dia, para que eftava eícolhido: j
Sem defiftir do avance., a oufadia
de D. Diogo foi ta affortunada , que
derrotou os 300 cavallos , e.os pôz:em
fugida. Carregando a trópa de Alixcad
a lda ás cutiladas até ao palio do vãos
aon-
DE PORTUGAL, Liv.LI. 267
aonde fe lançou precipitada a bufcar O Eta tulg:
alylo do Continente ; mas deixando
parte affogada , parte mórta ao noflo
ferro. Como Abixcaó na margem dei-
xára plantadas algumas batarias para fe-
gurar a paflsgem, a mandou defcarre-
gar fobre os Puftuguezes, que eflavað
em campo aberto, Para evitar efte dam-
no, D. Diogo fez foar a retirada , vol-
tou para a Cidade, mandou concluir a
demoliçaô do Forte da contenda , quei-
xou-fe a Madre Maluco dos attentados
comettidos por Abixcaô, e confeguio
a vantagem de ajultar a paz com as con-
dições, que quiz. Ees forab os fuc-
ceflos dos quatro annos do governo do
Vifo-Rei D. Afonfo de Noronha, na
verdade pouco correfpondentes à alta
idéa., que fe havia formado do feu Au-
thor. Já deelinava o anno de que fal-
lamos , quando Íurgio na barra dé Goa
para lhe fucceder com o mefmo ceara- `
&er na idade de fetenta annos o illul»
tre D. Pedro Mafcarenhas , genro do
outro do mefmo nome, que na India
competira com Lopo Vaz de Sampayo :
hum Fidalgo de altis virtudes, eme.
TOM. XIV, R reb
258 - Historia GERAL |
Era vulg. recimentos , que a politica arrancou
dus braços da Corte , fervindo o go
verno da Índia de pretexto efpeciolo
para fe dar côr de honrada à huma vio-
lencia [enfivel; |
CAPITULO IV.
Tratabfe os jucceflos de Portugal , e
de Africa nefie anno deissa.
Vaa chegando 6 tempo, em que
as glorias, as profperidades , as vanta»
gens de Portugal, pelo que tinhað de
tnundanas , pouco eltaveis como pro-
ducções da fortuna, haviað correr d
décadenciá , mudar-fe a [cena , e con-
verteremfe em-epicedios os epinicios ;
as pompas em lutos. No fim do anno
a fe principiou a defcobrir no
rincipe D. Joa6, que entaô paflava
sr de dezafeis annos , huma paixad
ebetica ta defordenada + gue guanti»
dade alguma de agua extinguia a vora-
cidade da (ua fede. Entendeo-fe origem
dá roleítia a afifencia continuada do
fe k oa- . Brine
be PoktudaL, Liv.Li. 259
Principe ria antecamera da Princeza , Bia tulip
e por confelho dos Medicos , que co-
tiio directores dá faude , até fobre a
independençia loberana tem authorida-
de, os Auguítos confórtes forad aparè
tados das mutuas, e ágradaveis viítas,
No ultimo de Dezembro a chuta co-
piofa deitou no vað da facada de huma
das janellas do quarto do Principe tan-
ta agua, que elle ha manhã aihda em
jejum , efquecido dos preceitos da Me-
dicina , preferindo a fatisfaçaS do ape-
tite deľordenado à atilliniencia tiecefla-
ria para a faude , bebeo della quatro ;
ou cinco cópos, que como fe fofleii
do mais refinado veneno , dous dias de-
pois lhe tiráraô avida com dôr incon-
folavél. da Monargtiá , que choravã
cortadas em flôr as fuas elperanças ,
já antes (entidas nas mórtes immaturaz
de tantos Principes maltogrados.
Enganofas como (empre ds imaginas
cões dos homens , hum calamento ,
que tanto fe anticipou para a coħfola-
çağ de dar netos, elle foi a caùfa dé
fe perder a vida do filho. Mórte tab lafe
timofa fe paiz ocoultar á Primeceza;
a . R ii que
260`` HISTORIA GERAL
Era vulg. que eftava retirada no quarto da Rai-
nha, aonde a Corte, veítida no inte-
rior de luto, a cumprimentava de gal-
la : exterioridades , a que o coraçad
prefago da Princeza defcobria a vio-
lencia , como fe eftivefle vendo as
imagens da mórte debaixo das apparen-
cias, que lhe pintavaõ a vida. Ella fi-
cou tað proxima ao tempo de fer Mii,
qué na noite de 19 do meímo mez de
Janeiro acompanhou com as dôres de.
jhe nafcer hum filho as que fentiað os
vaflallos pela mórte do Pai. Os fidelifli-
mos Portuguezes corrêrad aos Tem-
plos para derramarem os corações em
votos, que pios, eardentes pediaô a
felicidade de hora taô defejada. No
mefmo dia, antes de nafcer o Infante,
qne veio ao mundo com a luz do fe-
guinte , em que a Igreja celebrava a
memoria do Martyr invito S. Sebal-
tia6, huma velha foi ao Convento de
S. Domingos, e dife, que affentaffem
por Irmaô da Confraria do Nome de
Jefus o Principe D. Sebaftiad , que
eftava nafcendo : predicçaó , que fe-
etimou como hum dos impetos doef-
pt
DE PORTUGAL, Liv.LL - 261
pirito, que arrebata o do homem para Erą vòlg.
o levar, aonde elle quer, quando po-
dia fer traníporte da velha.
+ -Nafceo com efleito o Principe Va-
“726, como fe defejava, e as vozes da
* alegria deflerrárao dos corações .os fuf-
tos do parto, e alimpáraô nos olhos as
lágrimas , que ainda corriaô pela mór-
te do Pai, No Bautifmo, que adminif-
trou. feu Tio, o Infante Cardeal D.
- Henrique , lhe foi impofto o preconi-
fado nome de Sebaftiaô , que fe enten-
deo, que além da Velha, com o de-
. do o apontava o dia. Forað feus Pa-
drinhos El-Rei, a Rainha, o Infante
-D. Luiz, e o levou nos braços a Ca:
- mareira Mór D. Joanna Deça. Conva-
. lecida a Princeza, fe lhe deo parte da
= tmórte do Principe, que defatou os im-
pulfos do amor defconfiado para fazer
a natureza os feus officios. Equivoca-
. vað-fe na Princeza os affeĝos , nad
fendo facil diflinguir qual delles era o
dominante, fe o fentimento na mórte
do Pai, fe o prazer no nafcimento do
- filho. Elle fe fazia extremofo fó com
- à lembrança do bem commum da Mo-
- nare
282 Historia GERAL --
Erg rulg. narquia ; aquelle tocava os extremos:
= com as memorias já da perda, já das.
imagens nodturnas , que figuravab à.
Princeza as calamidades preíentes, e
as defgraças futuras, entað nað entem-
didas , depois fenhyelmente experimen-
tadas. | a
Quatro mezes depois , quando já
declinava o mez de Maio, os efpiritos
Portoguezes tivera) de fentir outra nO-
va dôr na aufencia. da amável Prince-
za. Seu irmað o Rei de Hefpanha Fi-
lippe II. ellava dg partida para Ingla-
terra a defpofat-fe com a Rainha Ma-
via, herdeira da Coroa, e refoluto à
encarregar a governo dos Rítados á Pris-
ceza durante a fua aulfencia , mandos
pedir a El-Rei pelo feu Embaixador
Luiz Vanegas lhe permitife à pafa gem
para Hefpanha. Condefcendeo El-Rei
a bum rogo tað juo , é encarregou da
traníporte o Infante D. Luiz , que 3
gonduzio até Arronches, aonde rodea-
do de magnificencia , o efperava o Du-
. que de Bragança, que na fronteira a
entregou aos Bifpos de Oíma , e de
“Radajaz, 6 a D, Garcia de, rd,
Maore
F:
DE PORTUGAL, Lrv.LI. 263
Motdomo Mär. Encheo a Princeza as Epi valg.:
medidas da efperança do Rei feu irma6,
no governo de Hefpanha , aonde fune
dou para novo ornato da Corte de Mas
‘drid o brilhante Monteiro das Defcal.
cas , e a famofa Cala, que fez chamar .
da Mifericordia, à imitaçaô da que ví-
ya em Lisboa, para foccorro dos po-
bres, e neceflitados difindos. Mas já
o eftrondo das armas dos Mouros nos
noffos mares, e no Continente de Afri-
ca chama as attenções da Hiftoria. .*:
Nós deixamos ao Xerife no aimo
de 1550, fe pouco fenfivel pela môr-
te do feu eftimavel primogenito o Prim
cipe Arrani, muito laftimado da que
os Turcos dera ao feu amado Muleys
filho fegundo , e da derróta, que del«
les recebêra6 as fuas armas: injúria par
ra a (ua arrogancia tað intoleravel , que
até agora nað lhe deixava mais libe"*
dade, que a neceflária para difpôr of.
meios da vingança. Hum dos inftrumen*
tos que o Xerife entendeo bem pros
porcionado para ella, foi o de fe Ter-
vir de mil Chriflãos, que tinha capti=
vos em Féz, armallos, e formar pr
Ra gi”
"264 Historia GERAL
Eri vulg. elles a vá-guarda do (eu Exército. Pros
movia efte intento o valido Hefpanhol
Diogo de Torres ; oppozéraõ-fe os Ca-
cizes, eo Principe para moftrar as ap-
parentes delicadezas de Religiað , em
“que fora criado, ea que devia a gran-
deza , preferio a obfervancia do Alco-
rað aos intereflas do Bitado.
Quando elle (e preparava para a
guerra , no principio delte anno' lha
trouterad a cafa os meímos Turcos ,
que vinhaó commandados pelo feu Za-
Ja Raez, e por Buhazon, que plantá-
rað o campo huma legoa apartado de
Fez a Velha. Nós nað. individuaremos
os fucceflos defta guerra, que devemos
=- contrahir unicamente ds fuas refultas,
“pelo que nas tem de refpeâivas. Tudo
fe canjurou nella contra o Xerife até
entaó vencedar , e parece que o demo-
nio, feu comenfal, o defamparou' pa-
ya ferem inefficazes os preftigios. Ven-
cido, e derrotado o Xerife, elle fe re-
fugiou em Marrocos , perdido o Reino
de Féz , aonde fe refgatárad muitos Por-
tuguezes aonde. o Raez eftabeleceo a
{fua Corte; aonde da parte dos deípar
| Jos $
DE PORTUGAL, Liv.LI. 266
Jos , que lhe tocára6 , ajuntou bum Era vulg.
thefouro de cinco milhões, de que a
terra foi fua- herdeira; porgue enter-
rando-os , aonde fó elle o foube, e.
morrendo pouco depois, elle, e o our
ro ficáraô fepultados nas entranhas da.
meíma mãi, que os gerára,
Buhazon , dominante em Féz, ad-
vertindo prudente, que falto da repu-
taçaô do Raez , e que defamparado dos
Turcos, o Xerife nað tardaria em vol-
tar com todas as forças a recobrar .0.
perdido : elle difcorreo iluminado ,
que expediente algum lhe podia fer taô
vantajofo , como o de fazer huma Li-
ga: com o Xerife Maior, que leu ir-.
mao: o Xerife. Menor tinha acantona-
do em Tafilete. Já ete marchava com,
30000 cavallos , e 400)000 infantes
fobre Féz , quando foube do Tratado
de alliança, que o obrigou a mudar O
plano da expediçaó. Para atacar a Bu-
hazon deftacau com parte do Exercito
á feu filho Abdalá , e elle marchou com
o reĝo para- fitiar em Tafilete ao Xe-
rife, feu irmaô. Buhazon, que fe apro-
veitou do foccorro dos Chriftãos ca-
pti-
Em wulg. -
266. “HISTÒRIA GERAL.
ptivos na- batalha de`Halhonec , fez
em póftas o Exercito de Abdalá , que
apenas pode. falvar a vida em T'edula:
com vinte € cinco cavallos da fua guar-
da, que o feguirad. |
- À vantagem confeguida por Buha-
zon depreffa foi derrotada pelas indúf-
trias do Xerife , que no meio das maio-
res calamidades nunca o defamparou a
prefença do efpirito. Elle foube a infe-
licidade de Abdalá , antes que chegaflg
á noticia do irma6 a viétoria de Buha-
zon; e prevenindo as confequencias y
fingio huma carta do vencedor para el-
je., em que lhe reprefentava : como
Abdalá o derrotára, fem lhe deixar el-
perança de refugio : que elle marcha-
ria quanto antes a unir-fe com feu Pai
para reduzirem o fítio ao ultimo aper-
to : que para n26 chegar aos termos
de huma calamidade extrema, lhe pe-
dia fe compozeffe com feu irmað em
tempo habil de negociar , antes que
chegaffe a conjun&tura de fe perder. Nef-
te-laço bem armado com todas as ap-
parencias de hurna real verdade , cahio
o inçonfiderado Xerife , que fe entres
é gou
DE PORTUGAL, Liv. tr. 469
ù á diferiçao do aftuto irma canr Ees vala?
feus tres filhos Sidan , Nacat, e Buha-
- zon, que logo forað degollados por
ordem do.Tio, e o Pai remettido pa-:
ra huma das prisões doras de Marrocos.
Tantas expedições famofas nað levárað-
mais tempo, que o que fe paffou de Ja-
neiro até Agoflo. T
Corria ete mez, quando o Xerife
vencedor marchou contra Buhazon pas
ra confammar fobre elle os:feus: infa-.
mes triunfos. Como elle nað confeguia.
algum, fem que a trahiçaõ foffe o agen-
te principal, ordenou a hum criado fiel;
e valerofo, que fingindo-fe defcontente
“do feu ferviço , paflafle a offerecer-fe
ao de, Buhazon no feu campo; e que no
maior ardor da batalha, que deterrmi-
ava dar-lhe, tirafle a vida ao alenta-
do Mouro, Afim o executou o barba-
ro affaflino com huma lançada pelas cóf-
tas, que deitou a terra morto O bra-
vo General : mórte, que deixou fem
efpiritos os (eus foldados ; que fol a
caufa da vi&oria do Xerife, o infru-
mento , que lhe reftavrou os Eflados
perdidos ; a origem de ficar com os dels
-268 HMISTORIA: GERAL
“Res vulg: pojós -enormes mais rico , que antes;
-0 vento rijo, que lhe foprou a arro-
gancia para mandar degollar mais de -
“200 Grandes defcontentes ; e o ambriad
- defárme , que tres annos depois lhe for-
neceo materia para formar o monftro,
: que devorou as glórias de Portugal em
Africa, como diremos a feu tempo.
- Quando na Mauritania (uccediad
eftas acções nað vulgares, no meímo
- mez de Agofto guardavaó as cóltas do
Algarve o General D. Pedro da Cunha
com quatro galéz , e feu irmað D.
Vafco da Cunha , Commendador de
Malta, com cinco navios. Elles efta-
vað fobre ferro nas praias de Tavira,
- e muita gente em terra a tempo , que
forað avifados da vinda do famofo Xa-
ramet Arraez , Coffario de Argel, que
com oito galéz refpeitaveis no luzimen-
“to, ena forga, navegava em fua buf-
ca pela parte de Ayamonte. Sem de-
mora fe tirou peça de leva, forað pi-
cadas as amarras , embarcárad muitos
aventureiros de: Tevira ambiciofos da
honra, outros das tripulações nað vie-
raô a tempo; mas dous briofos irmãos
ną-
DE PORTUGAL, Liv. LI, 269":
natúraes da Beira, que chegáraS quan- Era valgi
do as galéz rompiada-voga : elles tranf-
portados dos impetos , que move o
amor da gloria , botaô as armas em:
bandoleira, mettem nas boccas as ef-
padas , lançað-fe ao mar intrépidos , pa-
dando ferraô huma das galéz , e com.
eha gentileza períuadem aos Generaes, -
que pura a batalha levaô. nelles hum
bom foccorro, i
Sobre a tarde fe encontrárað as Ef-
quádras , que nað confentirað interval-
lo de tempo entre o encontro , e O
combate, Os Mouros tivera6 a vanta-
gem de callar o vento, que impedio
a manobra dos nofios navios para ha-
ver na batalha a defproporçaô de qua-
tro galéz contra oito. Nad fe embara-
çou com ella o General, nem os feus
bravos Capitães D. Vafco , Pedro da-
Cunha, e Diogo Vaz de Veiga, que
fupprírað: o menos número das galéz
com a corage Íublime dos efpiritos.
Largas horas da tarde, e damoite du-
rou ete combate. com fogo tað bem
fervido da parte dos Barbaros , que ven-
do crivada-a noíla Capitania , a abor-
j l dás
1
2vo ~ Historia GERAL :
Eca vulg, dáraô. Todos os que entráraô , em
pouco tempo jazéra6 cadaveres no con»
véz da galé; faltára6 os Portuguezes
na fua , que rendêraô , fazendo prifio-
neiro ao Arraez , que nada ficou de-
vendo às obrigações de foldado valea-
te « de Chéfe acautelado. Os outros Ca-
pitães das noflas galéz , cada bum to-
mou a fua ; outra com toda a gente
foi a pique, e as tres Íe falvárad com
o favor da noite. Dos Moaros motrê-
rað 150 , ficáraô go prifioneiros , e
muitos feridos. Dos noflos faltára6 qo,
entre elles os dous irmãos da Beira ,
que a troco da mórie comprárad a vi-
da da Fama. Livramos das cadêas 230
Chriftãos, e o Arraez depois de eflar
| annos captivo em Lisboa , obteve a lis
-berdade, fendo trocado: por Pedro Paus
lo, hum Turco Chrifla6, que os Ar-
gelinos nos captivåtað, irmaõ de Lazas
ro Volpe, ambos acceitos a El-Rei, €
o Pedro tanto da fua confiança-, que
the entregou o commandamento de hu-
“ma galé, para fazer a guerra á fua mefa
ma Naça6. | | Pos
Bs oh ps and vo Pa RR |
é o b “aros ` as
"ha CA-
DE PORTUGAL; "Liv. t agr.
— CAPITULO V..
Continuaçoô dos fuccefos da India.
| - nele anno de 1554. |
~ 2 + A |
m
No fim do Capitulo HT. deixamos Erá vulg;
nós ao Vifo-Rei D. Pedro Maícarenhas
chegado à Cidade de Goa para fucce-
der no governo a D. Affonfo de No-
sonha, que com o mefmo carater O
acabava, O Vifo-Reinado da Índia, que
para cutro qualquer Fidalgo feria hu-
ma grande recompenfa ; as inftancies do
Rei, e do Infante D. Luiz, que para
d acceitarem, faricô huma honta dil-
tincta aos Íujeitos do maior mereci-
menato, Para D. Pedro Malfcarenhas foi
o primeiro huma deferaça, e huma el-
pecie de defterro: as fegundas precei-
tos violentos , ou obediencia forçada.
Nem a educaçaõ do Principe, de que
D. Pedro eflava encarregado , nem o
pezo dos merecimentos , que o carre-
gava6, nem a gravidade de 7c annos,
que o opprimizó, pcdêrao fechar na
Índia a pórta efpeciola, que a Eri
E doi . ça
272 . História GERAL. :
Etavulg. ça lhe abríra para o apartar da Cote
te. Elle fahio do Téjo na formofa Ar.
mada de feis nãos , acompanhado de
muita da Nobreza mais qualificada, que
fazia ambiçad de (eguir efte grande ho-
mem , Fidalgo completo , hum dos.
melhores Capitães , hum Embaixador
dos mais brilhantes, hum. dos talentos
mais illuminados para o Confelho,
hum modelo das virtudes proprias para
a educaçaõ dos Principes, em fim hum
Chriftaô no cumprimento das fuas obri+
gações tað exadto , que a mefma ins.
veja nada de reprehenhvel defcobria
nelle.
. Foi D. Pedro Mafcarenhas morrer
á India. hum anno depois da fua chegas
da. Das expedições, que fe fzéraő no
feu tempo, a mais gloriofa foi o def-
troço das galéz Turcas, que fe haviað
refugiado. em Surrate. À grande ineli-
naçaô , que efte. Vifo-Rei tinha á fo-
ciedade dos extinétos Jefuitas, o obri-
gou a promover na Índia os: feus inte-
refles , como já os havia promovido
em Roma „e€ em Portugal. Nada de me-
moravel.obrou a Ríguadra , que elle,
Co maS
w
DE Portudar, Liv. it. 273
mandou ao Eftreito commandada- por Ers vúlg:
Manoel de VafconceHos contra o Cof-
fario Cafar., além de deixar no porto:
de Arquico o Padre Meftre Gonçalo,
e feus companheiros Jefuitas y que O
Vifo-Rei enviava no Imperador da Abyf-
finia Claudio, conduzidos por Diogo
Dias do Prefle,: que eflivera com D
Chriftovaó da Gama naquelle Imperio;
O ultimo- negocio de carater ho feu 1556
tempo foi o concorlo , gue deo para
Mealecan fer acclamado Rei de Vila-
por por Anel. Maluco, e outros Capii
tães rebeldes do Hidalčað ; defcartati-
do-fe o Efiado defte fantaftna da Mai
geftade , que tantos annos refidente em
Goa ,. por muitas vezes foi caufa dos
noflos intereffes na India -fubirem ao
ponto mais critico. cs
“ Na volta de Pondá, aondé o Vic
fo-Rei foi fazer a entrega de Meale ,
adoeceo gravemehte, € a 16 de Junho
falleceo em Goa, intrépido como He-
róe , pio como Catholico. Nafceo D;
Pedro Malcarpnhas de D.-Ferhaó Mura
tins Mafearênhas:, Capitad dys- Gine-
tes; e calando: duas veses q do -nenhus
274. Historia GERAL
Era vulg. ma teve filhos. O feu caracter era: el-
1555 peciolo, e baflará hum fÓ raígo. da fua
magnificencia para fe conhecerem as
muitas ,. que metteo em obra nas fuas
Embaixadas repetidas. Quando na Cor-
te do Imperador Carlos V. teve a hou-
ra de lhe dar de jantar , e a lua irmã a
Rainha de Hungria, acompanhados de
outros muitos Principes, e grandes Se-
nhores , toda a lenha, que fe queimou
nas antecamaras , e nas cofinhas era de
, ` pão de canella. Mas nað obftantea pros
( folað, ea pompa, as luas Embaixadas
"ainda eraô mais uteis, que efplendidas,
mais intereflantes , que magnificas. A
mefima Índia lhe conheceo o caracter
no fim da vida, confeflando que .-fe
a tiveíle mais latga , elle reftabelece-
ria no feu governo quanto fofle de |
“vantajofo aos avances da Religiaó, e
do: Eftado. o nd
Succedeo nelle Francifco Barreto,
- Que citava prefente quando as vias; {e
abriraô: Fidalgo digno, e benemerito
“pelo raícimento « pelas qualidades, tue
do illufre ;. mas ainda os ferviços mais
bsilhancas Naô eraé paflados oito dias,
RE Ea “o mM
“DE PorTUGAL, Liv. LI. 296
em que elle goltava a doçura dus pri- Esavulg.
meiros cumprimentos , quando hum.
acafo , que fe fuppoz penfado de noflv '
inimigo o Hidalcað , lhe perturbou e
prazer, e cauíou á India huma das maio
tes perdas. Hum foguete, que deitá-
rað ao ar na veípera de S. Joaó, ca:
hio {obre o galeaô S. Mattheus , que
eftava varado , e coberto de palha, aon»
de logo fe ateou voraz o. incendio.
Como o vento era rijo, € com o mef»
mo refguardo eftavad cobertos outros
nove galeões, que ficavad a barlavens
to do que ardia ; communicadas as
echammas de huns a outros, todos dé?
fe abrazáraô laftimofamente. Erad efas
nãos a efperança de toda a Índia, e q
reto da Armada experimentaria o mefe
mo fatal deítino, fe a fadiga, o traba-
lho, os perigos, em que fe mettco ð
Governador, os Fidalgos:, e os zelolos
Portuguezes nað cortaffem o fogo, ane
tes que fe fizefe geral o eftrago. Q
“tempo defcobrio que:hum Joaó Rodri-
? gue fem malicia: "fora o author defa
taça... ; i
Bila fez buma alta imprefaó esi
.S ii Fran-
`
206 Historia: GaRAÉ :”
Eravulg: Francifco Barreto , como dágouro.tttfe
te no principio do feu governo. Dilas
tando porém o animo para quanto ans
tes reparar: a perda ; elle o confeguia
até. o fim dos feus tres annos , dei?
xando huma Armada a mais bella , €
a mais numerofa, que até entaô tives
mos na India, Sem o embaraçarem el
tes cuidados, eos da: guerra coma
Hidalcaô ; porque Meale ainda eflavã
no territorio de Pondá efperando og
evifos de-Anel Maluco- para ir tomar
pofle do feu Reino ; o Governador des
terminou: aviftar-fe com. elle para aca
bar de concluir os ajuítes, que.o Vis
fo: Rei deixára incompletos, a refpeitd -
da-ceÃia6 ; que:Meale fazia a: Portus:
“gal das terras do Coficad ; que. chegas
vað a produzir hum milhaO de rendas |
Elle .fahio de Goa com hum: aparelha
taO luminofo: nó fauo , nó número
mo .emtes.o havia feito o“VilosRei na
entrega de: Meale a Calabatecad , que
veia a Pondá com'ós'plenos poderes
e -~
dos Chéfes dos rebeldes para o tétes
qere Po ago Ena yrit pod
* Ts 3 É e 4 ; a
É ga SR: 3 e. + e
DE PorTUGALÇ bagin dog
-:"Do Antaó de Noronha, :que eftiva py vulgo:
naquella: Praça: com 600 homens para
fuflentar as pretenções. do novo Ret;
fabio va receber o Governador ,. que lo»
w fez avila a Meale.dz (ua: chegada.
No campo foi a entrevitay eim que és
cou confirmado o Tratado 'pretedente,
à cefa6 das terras: fabreditas q e logo
entregues no -nofle:poder.as Fortalezas
de Bandá , Curale:,:t' outras Umaoitas:
Defpedidos o; Chéfes'contrápemtes: évta
ágrados mutuos ; Mealesvoltou aolas
gar -da (ua refrdencia:, donde! tom ©
avifa de Maluco havia: fùbir: co Gare.
O Governador deixando eni'Pôndá aD.
Fernando- de Monroy com so homens;
è defpedindo «cam igual himero ia D:
Ant26 de:Noronha. para ir" totnár poft
fo das doze Tanadarias dá Húvalxerrá;
cuidou de fe empregar em Gbaosexó
pedientes do'-governo:,: ques ò nió
principio ‘Ihe morava o femblante' cfr
cunípeãto. . O. Noronha ne acto: da pol
fe, e arrecadaçaS dos tributos fé én-
tontrou com os Officises do'HidilcaS,
gue andava occupados na'inafaia Ult.
gerícias è- ganhou fobre elles*hirhas Ti-
"ed | gei:
278 Hnroória GERAL
E iras vantajens. Mas por n36 cortar-
iii su o fio defta Boop da Hiftoria 5
eu paflo a referir o exito deftas nego-
ciações , que para o Eftado nada vierad
a ser de proveitofas; para Meale mui-
` to dedefgrgadas.
O Hidalcaó, vigilante fobre os ini-
migos para impedir a defmembraçad
dos fens Ellados, conhecendo na nas
tureza dos teahidores, que elles mudaĝ
as inclinações 4: vifta da face dos inter
seffes ; ello propôz tantos ao rebeldg
nel Maluco, que o ganhou å fua de»
voçs6 para: fazer paíffar a fortuna de
Meale , çamo hum relampago. Promet
teo. Maluca entregar-lhe o Rei auguras
do vivo, ou morto. Calabatecad, que
fe havia encarregado da fua guardas
mais. eloguente , que valerofo , aficon
à: Maluço:3 fua perfidia, e fez reviver
pelle. a primeira. fidelidade. Mais pica»
do. a Hidalças » pede o-foccório do feg
inimigo, o Rei de Nurfinga, que haver
tia entrada -na conjuraçao a favor de
Meala para:fe vingas; do Hidalcaõ. fe
08; Outros Sonjurados. nað o exclui fem
termasolas x de que pasexia unir ente
o oe
mu
DE PORTUGAL, LIV.LI. © 270
Dominios o Reino . defignado para O Em
metmo Meale; Elle com efte eftimulo:
faz marchar em foccorro do Hidalcaó
hum formidavel Exercito. Baítou o elf-
trondo defta marcha para Meale , e os
feus dous Proteêtores: abandonarem o
Reino em preza ao vencedor (fem com-
bate, e elles com falvo-conduão do
Nizamaluco bufcarem o refugio dos
feus Eltados. o i;
Efte Principe preoccupado pelas ins
fuencias do feu primeiro Miniftro, for
o vingador do Hidalcaó na mórte, que
tmmediatamente mandou dar'a' Anel
Maluco , e a Calabatecad. O“mélmo
deftino teria o infeliz Mealé ; fe a fet
favor nað mediaflem os rópos-da Rai*
nba, mulher do Nizamaluco';' fua pas
tente, que lhe reprefentou com vives
sa as-intrigas do feu Minifivo, e «4
enormidade de tirar a vida à bom Prim-
efpe fugitivo, que bufcava ó Teu- ami-
paro. Ficou Mesle com vida; ` màs fem
Hberdade , nem Reino, outtz'vez Aum
jogo, huma frrifaô da fortuna. Entad
vio Francifco Barreto que elle chRava
fó no campo, cotno alvo”, fobré ó o
r Ro ti».
4
vulg.
280 História GERAU :
Fri volg.: tinha o Hidalcaó' de defparar tados os.
tiros do feu furor. Pára Hc prevenir
os golpes , contrahido -a0 recinto da:
Nha.,de Goa , porque as fuas trópas já'
“desfilava6 em grande número para as
terras do Concaô, e-Pondá ; elle ar-
dency a D, Fernando de Monroy y e a
D. Amað de Noronha, que abandonal-:
fem os póftos, e fe recolheflem a Goaś
Eiles o fizeraô com a mais bella ordena
á vita: dos inimigos , que lhes refpeitá-
rab as.trópas, fena por wmúitas:; poł
valerofas. Co Ser
|. : Por efes tempos padeciad vexações
barbaras as noflas-Chriftandades de Cais
lað ; porque havendo fugido FribulÈ
Pandar da prifa6, em que os Portugue+
265 Q pozerad, o Madune ; (empre péts
tido, agora o perfuadio para vingar -a
fna. injúria. fobre nós, lobre os:noflas
Templos, Religiofos, e Chriftãos da
Paiz., Muitos açabárad.com mórte pres
giofa, ás, mãos dos. dous. Tyrannos cola
ligados, Quando elles executavaõ a-cars
Pagem + -Affonfo: Pereira de la Cerda
ehegava q. Ceilaô encarregado do fey
governo, SPm. perda de tempo O perje?
Ta ro
7
"y
omy-
cosrello com todas. as fuas forças Par
“DBPorTUGAL, LiviLt. a8r
so. Madune' fe lhe offéreceo com todas Erg vuly.:
as fuas forças para vingar as injúrias,
que Tribuli Pandar., de ma6 commum.
eom elle, fazia aos Portuguezes. Af-
fonfo Pereira , ainda que conhecia o.
efpirito dobrado do Madune , acceitou
a oflerta, e unido como Raju, feu fi-
lho baftardo , marchára6 com groflas
ferças a inveftir o defgráçado Tribu-
li'na fua Cidade de Palanda. Ella. foi:
entrada, e reduzida a hum lago de fan=
gue ; mas o Tribuli pode efcapar-(e
em: Tanavaré. Naō fe dando aqui. por
feguro ; elle fe refugiou nas Corlas y
aonde a Rajú a pôz em apertado cere
co com o foccorro das noflas armas. :
— Otrahidor Tribuli, para. fe fazer
{enhor do grande Eftado das fete Cor-
las, matou aleivofamente; aq. Principg
de Ururiguré, que o.amparava ; mas
e Rajú , e:o. alentado- Portuguez Joad
Fernandes Columbrina vingárad o fagy
gue juo , obrigando o Barbaro a fye
gir deftruido: para q Reino de Jafauas
pataô. Q feu. Soberana fe!laltimou da
delgraça do Tribuli, e determinou foce
ta
282 >- Historia GERAL
Er vulg. ra fazer o Tratado mais folemńe coni
| corréraô ambos a hum Pagode , aon<
de a prefença dos Idolos défle mais fora
Ga ao fagrado dos juramentos. Nello
fuccedeo o acafo de arder huma pou~
ca de polvora , que cahíra a hum fol-
dado. O Tribuli, como trahidor , def-
confiado , entendeo aquella acçaó pre-
ludio do aflaflinio, que o Rei de Jafa-
napataô lhe preparava. T'raníportado do
futo, ou da cólera, elle tira da efpa-
da , lança-fe ao Rei, que fe pôz em
defenfa rodeado dos feus vaffallos , inf-
trumentos generofos, que na vida do
Tributi caftigára6 com muitos golpes:
igualmente , que as fuas tyrannias, O
feu atrevimento. E
A revolucað no Reino de Pegu nað
foi menos gloriofa aos poucos Portus
guezes , que nelle fe achavaó. Hum Pe-
gu de nagað , chamado Ximindo , apro-
veitindo-(e da aufencia do Rei Brama
que havia ufurpado a Monarquia , fe
levantou com ella , átclamado feu Sor
berano por hum grande partido. Nos
ercoritros'defta guerra civil perdeo -a
vida o Rei Brama , e o ufurpador even
tanle
DE PORTUGAL, LIV. LY. 283
fante. fez tirar a de Diogo Soares de Ers vulg.
Mello , que promovia em Pegu osin- -
terefles do nofio Commercio. A Rai-
nha viuva do infeliz Brama fe refugiou
cm huma Fortaleza, que entregou com
a pefloa à fé, e valor de 200 Portugues
zes. Elles obráraS na defenfa dos dous
objectos façanhas tað extraordinarias q
que pozérad em admiração a todas:
aquellas Regibes. Sobrevindo Mandarar
gri, Rei de Ova , cunhado do Brama
defunto, a vingar-lhe a mórte com Ex-
ercitos formidaveis. Elle reconguilos
todo o Reino de Pegú, epóz em li-
herdade a affidta Rainha, que lhe apre:
fentou com os Portuguezres a narraçaô
fel. das monftruofidades. de corage s
que elles acabavaõ de fazer em feu ob-
fequio. z E Ms a
* Cheio de complacencia o Rei trivns
fante, fenfivel à importancia do fervi
Go, com femblante alegre dife a tor
dos : Vas rendefles 4 minha vontade a ~
maiar lifonja ; eu defejo fatisfizer as
voflas ; pedi-me quanto quizerdes.. Qs
individoos da Nagað altiva , que.tene
do mãos, para as obras, p brio Heitor
e a cha
w
234 cHisrôrra Gerab o
Eg ruligi cha as bocas parà o rogo; elles comô
pafmados , olhavad huns para os outros;
fe defejofos „ mados ; fe querendo : os
premios, callados : premios, que fof-
fem dados, como juftos.; nað pedidos;
O Rei, que ow entendeo a magnani«
midade , ou (úppoz irrefoluçaS o filens
cio, premiou-a primeira: com elogiós;
que trasbordavaS: honras ; remuneroú
a:fegunda : com huma cópiofa effufað
de ouro, que podia defpertar a cubiçã
dos efpiritos eítoicos mais: dominados
da apathia.) CCD
Em Março -dete mno (ahira6:' dê
Lisboa para: a India cinco. nãos comi
mandadas por D: Leonardo de Soulas
que chegów a-Gor com''quatros d-a
oútra natfingou falvandofe a genté 4
que fabricando huma naveta dos def-
troços da ndo perdida ,'teve' a felicis
dade' de tomar porto em ‘Cochim. Com
tes, e öutros teforgos:, que chegava
de'várias partes, o Gosernador' fé fez
preftes pará acudir em. dfffereites ` lui
pares à urgencia- dosi negocios. Domat
a ferocidade to Camorim: de` Cálecut į
nidito antigo adverfario , era; bum rg
$a | ç
-
DE PoRTUÊAL ; Liv. Li. Be
de-maiot empenho, e para a execuçad Bia vulg:
delle foi nomeado. D. Alvaro da Sil-
veira com huma galé, e vinte navios
de .sremo. Elle fez .ao Camorim huma
guerra viva por toda acólta do Ma»
labar ; já impedindo-lhe a communica-
Ga dos pórtos ,. já a entrada dos vive-
res + depois: 'aflolando as-povoações,
devaçando as campanhas, arrafando os
palmares , até que os clamores da fo:
me leváraô aos ouvidos do Rei oéc-.
co. dos eftrapos. Elles lhe fizérad im-
preflaô taô fenfivel, que teve de abas
ter a arrogancia , e: pedir a paz, que
D. Alvaro fe efcufou de conceder fem
erdem do Governidor ; mas fufpendeo
as hoftilidades: até chegar o Veador da
Fazenda, que. unido com elle, e pre
fente o Camorim a celêbráraS com as
meímas condições da do Tratado do
Vifo-Rei D. Affonfo de Noronha.
. D.: Alvaro. da Silveira para naó el»
tar. ociofo até a vinda do Veador , ter
terminou cafligar a Rainha de Olala,
que de snnos..à efta: parte fe havia les
yantado com os tributos., que nos pa»
gava. Elle. poz as pras: à. ne A dh
E | ans
286 -~ Hrsroria GERAL
Eravulg Mangalor , na cófta de Canará, e em
trando-a a pezar da grande refiflencia
da guarniçaô, e moradores, lhe man»
dou pôr o fogo, que tambem abrazou
dous riquifimos Pagodes, mais fenh»
veis os foldados á vingança, que á cu»
biça. Daqui voltou D. Alvaro para o
Malabar , aonde havia chegado o Vea-
dor, para fe ajuítar com o Camorim a
paz, que acabamos de dizer. Com ef-
| ta vantagem findou na Índia o anno de
1555, que no Reino foi laítimo(o pela
falta do eftimavel Infante D. Luiz, que
no fim delle pafiou da vida mortal pas
ra a eterna. cabo o na
Juftamente o nofo Manoel de Fas
fia, tecendo o elogio defte Principe ;
lhe chama as Delicias de Portugal, a
Exemplar dos Principes do Mundo nas
(ciencias, no engenho ; na corage, ng
magnificencia; em fer humano, em fer
pio, e finalmente: em fer amparo de
todo o homem. virtuofo. Recopilou o
Infinte em hi, ou elle. fe fez hum Se»
minario das virtudes Íublimes , que
- fórma6 altos .os relevos: do decóro na
Mageftade. Sotire codas foi eminente
ae o
DE PORTUGAL, Lav. LI. 287
o amor reverencial, que o impellia a Era vulg.
render a El-Rei huma Íujeiçaô profun-
da. Muitas vezes a fraterridade efques
cida da Suberania , intentou refrear ef.
tes traníportes da humiliaçaô reípeitos
fa ; mas o Infante pedia a feu irrmaô
nað quizefle com a obfervancia defle
preceito privallo da maior delicia da
fua alma: preceito, que comprimia o
amor para elle deixar de pagar no ren-
dimento muitas dividas, na Íujeiçaô
muitas mercês, na reverencia dos cul-
tos grandes honras, fobre tudo de dar
pa humiliaçao muitos exemplos. À fua
reputaçaô no mundo foi taô grande,
como o feu merecimento., efe reípei-
tado até dos Barbaros Mauritanos. El- |
Ja meíma o levou duas vezes a Caftel-.
la para tratar com feu cunhado o Im- -
perador. Carlos V. os maiores negocios
daquelles tempos. Na primeira vez pro-
poz com tanta vivacidade, elegancia,
e efpirito os meios, que fe deviaõ to-
mar a reípeito do Commercio de Por-
_ tugal, etlefganha, naidéa dos Fran-
| Cezes franco , e livre nas noflas conguil-
“tas, que nad {ó obrigou o limperadar
ti - &
288 «História GeraL: ::
Etexulg, à tomar parte nos noflos intereffes , mas
o fez conhecer que Portúgal nað de
via feguir. as fuas partes contra Fran»
Ga; porque ao nofo focego conviriha
naĝ termos. por: inimigo declarado o
teu: Rei. : papira S i E Age
Na fegunda jornada , quando ardia
a guerra mais furiola entre o meíma
Imperador ; e o Rei de França, elle ef»
gotou os termos mais infinvantes da fua
Eloguencia perfuáfiva para o Imperador
entrar fem paixað no conhecimento,
de quanto aguella rotura.:era pernício»
fa. á Chrifandade na fituaçaô crítica 4
em que ella fe achava, Tranfportado
do feu catholico zelo: , intentou para
o melmo: fim paflar a França para tas
car fórte , e difpôr fuave o efpirito do
deu Monarca a abraçar. a paz; mas O
Imperador , é El-Rei feu irmaô, o im:
pedirad. A melma reputaçaõ efteve pa-
xa .o conduzir à India duas vezes, €
elle iria., fe entaô :naô houvefle em
Portugal Fidalgos - bénemeritos , que
fupprindo com as virtudes ño fangue
o que lhe faltava de Real ,. na6 faflem
dignos dé occupar à .Praçá de ido à A
a nº
DE PorruêaL, Lav. Lt. 289
fante tað alto; ou fe El-Rei fenfivel á Era vulg
ternura tivefle corage para apartar do no
lado hum Irmaô fublime. Em fim, o
Infante D. Luiz deixou. no Senhor D.
Antonio, Prior do Grato, hum filho
natura), ou legitimo, que adiante fe-
sá affumpto da noffa Hiftoria na com:
petencia com Filippe Il. de Hefpanha,
quando ulurpou Portugal fem: forças
com as das armas (em juftiga.
CAPITULO VL
Continuad os fucceljos da India no go-
verno de Francifco Barreto. — :
a S Barreto igualmente ze- iss
lolo no ferviço do Rei, e no amor då
Feputagaõ propria, antes que elle fe fi»
zefle.ao mar na grande Armada, que
tinha prevenida para osdefignios , que .
- meditava, determinou deftacar primei
ro muitas Elquadras à emprezas: diffe..
rentes, para: que os éçcos das gentiles
gas , foando em muitas partes , fizeflem
huma sepercufaó fonóra aa crédita das
: ZOM. XIF. T ` nof-
ado: Hisroaia-GRRAL ”?
Eya vuhe soflas armas ria lúdia. Nas ultimas i403,
que chegáraô do Reino, vierad vários.
Jeluitas ; entre elles o Padre Gonçalo
da Silveira, irma6 do Conde da Sor-
telha, que . depois morreo Martyr na
Cafraria , e outros deftinados para q;
Imperia do Prete Joað. Como elles
necefhtavao faber o que paflára com efa
te Principe o feu Padre Mefire Gons
çalo , que pelo Vifo-Rei D. Pedro Maf-
carenhas fora mandado áquelle Impe-
rio ; conféguirad do Governador en-
viar com dous navios a Joaó Peyxoto,
affim:para fe informar no Eftreito: das:
galéz Turcas, que dizia etar prome
ptas em Meca, como para faber em.
Maçua o deftino do Padre Gonçalo. ,
: . Ao mefmo: tempo o Gavernador der
fejofo de metter a Cidade de Dama6:
no número das noflus conquiftas , fe
quiz aproveitar da menoridade do Ret
de: Cambaya , e negociar a entrega da
Cidade com. as feus: Generaes , clpem
cialmente com Ithimitica6, que mapa
dava tudo.: Para efte fim lhe enviou por
Embaixador a Trifa6 de Payva bem
infttuido,: em que. fizefle os oficios da
DE PokTuGAaL, Liv. Lt. 29
negociação abrindo mais as mãos, que Erh vilas
a boca, com mais obras, e menos pa-
lavras. Defpedido efte Minifiro , che~
gáraú de Ormuz noticias do Rei, que
foi de Bagorá , reprefentando a deca-.
‘dencia dos Turcos nefla Praça , que fa-
cilmente feria tomada:, fe o Governa-
dor o quizeffe foccorrer com huma Ar:
mada ; promettendo á nofla Coroa o
dominio da Fortaleza fobre o mar, €
a ametade dos tendimentas da Alfan-
dega da mefma Baçorá. Interefles ao
mefmo tempo atultades., e honrofos
parecen ao Confelho da India , que n2ĝ
fe deviað defprezar ; e foi eleito D:
- Alvaro da Silveira, triunfante no Ma»
labar , para que com hum galeab, qua:
tro caravelas , e déz fuollas, em quê
embarcárad. D. Pedro de Menezes ;
Trifa Vaz da Veiga, Ayres Gomes
da Silva, Braz Telles , Jeranymo -de
Mefquita, e outros Officiaes. de valor,
fofle á expedicça6., para que o canvis
davað , e tomafle pofle das vantagens s:
que lhe promettiaõ. E
Na reta-guarda de D. Alyaro pattiv
para o Goygrno de om D.Joad.Pe,
E Cos ii
rei-
292 HISTÓRIA GERAL :?
Ere vulgo. reira , filho do fegundo Conde da Fets
Ta, para fubĝituir a falta de D. Antox
nio de Noronha, que paflára a melhor
“vida. E porque os Capitães do Hidal-
cað , depois da retirada de D. Fernan-
do de -Monroy , e de D. Antaó de No-
ronha das terras cedidas por Meale ,;
faziaô irrupções contínuas nas de Bar-
dez, e Salcete ; o Governador orde:
nou ao Capitaó Miguel Rodrigues Cou-
tinho Fios Seccos , . que com déz navios
infetafe toda a cófla de Goa até Da-
bul. Para a cófta do Malabar:, entaõ
pacifica , aonde nad era6 neceflarias
mais. forças , que as baflantes para evi-
tar os contrabandos , dełacou o Caa
pitað as uel Carneiro , irma6 do Se“
cretario Pedro de Alcaçova, com-fete
navios. Hora deixando nós a eftes Ofa
ficiaes occupados nas fuas reípectivas
commifsões , acompanhemos ao.Gover>
nador Francifco Barreto , que com a
Yelpeitavel Armada de Iso vélas mye
ga para o Nórte. 4
Elle defembarcou em Chaul, Pey
de deo algumas providencias , ferido a
ud mais a cole o deípacho de aa
ba
DE PORTUGAL, LIV. LI. 293
baítiaS de Sá, que no governo de Co: Erg vole.
fala, e Moçambique foi fucceder D. li
Diogo de Soufa da Cafa do Prado , de.
pois o General da Armada infeliz , que
'conduzio a Africa o Rei D. Sebaftiad.
De Chaul veio o Governador à Bacaim, `
aonde foi recebido com hum. apparato
foberbo. Entad fe diffe que elle n |
viera a Baçaim com mais deftino , que'
o de fazer oftentaçaS da fua gloria na
Praça, em que era bem conhecido, e
tambem fe devia dizer bem reputado.
D. Diogo de Noronha, Governador
de Dio, que quando foube que Fran-
eifco Barreto o era da Índia, nað po-
de conter os traníportes da invéia fem
romper os termos da moderaçaõ cla-
mando : D. Diogo de Noronha na In-
dia , e Francifco Barreto Governa-
dor della ! Agora informado das no-
gociações, que TriftaS de Payva met-
tia em obra com os Officiaes de Cam-
baya, e que Francifco Barreto vinha
refoluto a ceder as rendas da Alfan-
dega de Dio em cambio pela Cida-
de de Damaó ; elle veio em .pefloz a
Baçaim , e poo na prefença do Go-
ver-
294 Historia GERAL
Es: vulg, vernador , e Fidalgos, lhes fallou af.
im: ` Ee o o |
Vozes fem ferem populares publi-
cad, que a ametade do rendimento da
Alfandega de Dio eftá para fer o valor
da troca da Cidade de Damaõ. Que
maior quebra póde ter o (erviço d'El-
Rei, que tornar o de Cambaya a exer-
citar a&os de jurildicçad na Ilha de Dio?
fe Damas he Praça necefaria ao El-
tado da India, conquilem-a as armas ,
MO (e compre com injúria. Que occa-
“had mais oppottuna pará cha conguil-
ta? Q nofio poder he grande; os Go-
* vermiadores de Cambaya efta Mettidos
em defordem ; no Reino tudo he con-
filaG ; que póde cuftar arrancar-lhes da
poder huma Praça ? Se prefumis que
fallo artogante , no eado- em que eu fei
eftad as coulas de Cambay , entregai-
-we dous mil homens, que eu vou ba-
ter, centrar pelas pórtas dá Corte de
-Anadabá, Além dilo , fe agora na6
quereis ; ou vos parece que nað podeis
tomar Damað , refervai o projeto pa-
=ra outra conjunêtuta , fem facrificar
Dio, Toda a Aflembléa approvow o dif-
se, Eure
DE PORTURAL, Liv. LI. 296
cúrfo de D. Diogo, e ficou determina» Bra vulgo
do que para crédito de Armada tab |
importante fe emprehendefft a conquif-
ta das Fortalezas de Affari, e Manbrá
no deftridto de Dama6 , :para. aperto
defta -Praça , e maior fepgurança da de
Baçaim. : p 3 eaa GUS a
... Em quanto o Governador fe demor
ra neta Cidade para a execuçãó dos
projectos determinados no Confelho, E
outros maiores, que logò fera au |
ptoda Hifioria; fuppondo já inuteis os
oficios do Embaixador Triflaó de Pay-
va com os Generaes de Cambaya., vå-
amos a ouvir o que executáraó. os nof-
fos nas expedições.differençes , a que os-
deftacára Franciíco Barreto, antes de
partir para 0 Norte, Ls
vc Ainda elle chava no porto de Goa,
-«quando o bravo Miguel Rodrigyes:Fiós
Séccos aflolava os do Hidalcad' por te-
ada a cófta até Dabul, Nos natios tas
-fazendas , nas vidas era. igual o Lfragd.
Lagos. de: {angue nos.Póvos, chamas
nos eftalleiros:, incendios: nds palmates
:Teprelentavið huns efpedtadulos tað pra-
tos á vingança, quanto indigeftosá'ha-
pas mas
29% Historia GEnL
Kra vulg. manidade. Naô havendo mais que: fa»
| ger nas paragens marcadas no Regimen-
to, o Chéfe foi pairar na barra de Da»
bul. Aqui teve elle o encontro com
huma não alterofa do Hidalcaô, que
vinha de Meca importantiflima com a
guarniçaô de 200 Mouros. Durou hoe .
yas o viftofo combate antes da aborda-
gem. Nefta foi o furor dobrado , da
parte dos Mouros tað vivo , que ta-
dos fe deixára6 matar defeíperados. Bl-
Rei tirou å fua parte o valor de 30g)000
eruzados; a náo fervio para engroflar a
Armada, e tantos eftragos de incenti-
vo para mais atigar a cólera: na dura
guerra, que nos mandou fazer nas ter-
tas firmes de Bardez , e Salcete, o ef-
candalifado Hidalca6. E
D. Alvaro da Silveira na expediçaô
“de Baçorá nada obrou, que fe parecef-
fe com o que antes executára no Ma-
Jabar. Elle foi a Ormuz engroflar a
Armada com mais feis navios, ea tra-.
tar com muitas groflarias, e defatten-
.ções públicas o civil Governador Ber-
.pardim de Soula, ainda lembrado de
huns ciumes , que elle lhe déja em Goa
ê f l | nos
A
DE PORTUGAL, LIV.LL a97
-nos pontas delicados de amor; paixað E
fragil, que penetra peitos armados de
ferro. De:Ormuz navegou D. Alvaro
` para Baçorá, pairando da Fortaleza de
Reixel pertencente á Pera , até a em-
bocadura do rio Eufrates, que lhe fie
ca vilinha, para eíperar avifo do Rei,
que fora de Baçorá, e dos Gizares feus
-Alliados , que haviaó ter regulado o
plano da expediçaô. Aqui foi a fua Fró-
ta aflaltada de huma tempeftade tað fu-
tiofa , que nað a podendo levar fobre
“ferro, os navios atoados , alagadas 4
deftrogados foraô parar a Ormuz, aon-
de o Chéfe picado nað quiz defembar-
car com fentimento novo de Bernar-
dim de Soufa, admirado de que o fo-
go do zelo em D. Alvaro nað o podefle
extinguir a congregação de tantas aguas
contra elle conjuradas. Em Mafcate ef-
perou D. Alvaro a monçaó de voltar
para a Índia, na Armada fem perda, da
.expediçaô fem gloria.
Pelo contrario Joad Peyxoto com
,os feus dous navios, elle pôz em fuf-
--penfad ambas as margens do eftreito
do mar Rojo. Para ni gre os
F rios
ra vulg;
298 > Hisroria GERAL
Eea vulg.: brios do feu apellido illuítre , determi:
gou fupprir com o valor a falta das for-
ças. Fazendo na boca do mefmo el»
treito algumas prezas , foube das fuas
tripulações que nelle naő havia mais
galéz , que as de Gafur varadas em Me»
ca. Com efta noticia imaginando-fe fe-
nhor. daguelles mares, atraveffou: toda
a cófta da Abafia , até haver vifta da
- Jiha. de Çuaquem. O feu coraçað intré-
pido determinou fazer nella huma irru-
peð noéturna, que ficafle em memo-
Jia naquellas Regiões. A favor. das fom-
bras elle pófta em terra o feu pouco
mundo, e fem fer fentido endireita-a
marcha aos Paços do Rei, que ficavad
fobre o mar. Ajudando. a fortuna a te-
meridade, elle entra, e vai dar na ca-
ma com o defcuidado Principe , que
nella ficou defcabegado. Quafi toda a
familia teve igual deftino, e (aqueado
Q Palacio, com riquiflimos deípojos re-
colheo a gente nas nãos, fem a perda
de hum fó homem. a
- Os foldados mais animados : com
hum tal fucceflo , invitárad o feu-Ché-
e , para que a todos os lugares:qda cóf-
o ção ta
ea er e SER e OO CS SOS E a o
DE PORTUGAL, Livir 299
ta até Arquicto fofle dando o meímo Era vulg:
tratamento, que Cuaquem acabava de
receber. Afim o executou elle com
confiança incrível; faltando já o vað
' nos navios para recolher defpojos ; as
forças já laflas para derramarem (an-
gue: Daquelle porto da Abaflia avifou
Joaô Peyxoto ao Padre Meftre Gon-
«galo fe secolhefie a bórdo para voltar
«á India, Elle o fez com permiflaô do
Imperador, que efcreveo a El-Rei de
Portugal, e ao. Governador da Índia,
agradecendo-lhes o zelo, que moftra-
vaô na falvaçaô dos feus vaflallos , que
tanto promoviað, confeguindo do Pa-
Pa, que para o feu Imperio criafle huh
Patriarca , nomeafe Bifpos , e o en-
cheffe de Operarios Evangelicos. Mas
em abjurar osetros, e mudar de cof-
tumes oaftuto Principe nað fallava hu- |
«ma fó palavra, Silencio, que os Padres
em Goa, interpretáraô go Governador, :
afiegurando-lhe que o Imperador Clau-
dio nað mudaria de fentimentos ; que
os defejos piedolos do Rei de Portu-
gal, tantas deípezas , tantas diligen-
cias; tantas viagens repetidas a aa
n ] 1”
300 Hisrora GenL:
Esavulg. finia, nada correfponderia ds fuas- int
tenções , tudo leria trabalho perdido. `
CAPITULO VIL
Por occafiaô das nãos do Reino , que
- efle anno chegáraô a Goa, fe trata
- das novas ordens dºEl-Rei a refpet-
to dos negocios da Ethiopia, e como
forað executadas pelo Governador da
- Tadia. o
Na figura, que eu acabo de efcre-
ver, eftava6 os negocios efpirituaes do
Imperio da Abyflinia , quando chegá-
raô a Goa as cinco nãos, que efe an-
no fahira6 do Reino. Ellas vinhaS com-
mandadas por D. Joad' de Menezes de
` Siqueira, que trazia ás fuas ordens os
Capitães Jorge de Brito , Pedro de
Goes , Martim Affonfo de Soufa, o
que depois foi Governador de Ango"!
la, e Antonio Fernandes, que trouxe
no (eu bórdo a D. Antonia de Noro-
nha, o Catarraz, que em outra viagem
arribára ao Reino taô pobre, que foi
per
DE PORTUGAL, Liv. LE 30r.
“pedir pað , ecafa ao Convento de Sab Er
Francifco. Agora informado El-Rei,
de que ehte retiro de D. Antonio. ao
Clauftro, era fome, e nað vocaçaó ;
altenaria do efpirito por fe nað Íujeitar
.à dependencia dos parentes , na6 hu-
mildade da alma para a abater aos re-
pellões da pobreza; El-Rei o mandou
vir ao Paço , fallou-lhe com muito
agrado , que foi a primeira mercê ;
fezlhe outras muitas, que pozeraõ a.
neceflidade em efquecimento, e o def-
` pachou com o governo de Dio para
fucceder nelle a D. Diogo de Noro-
nha. | f
Vierað neftas nãos deftinados para
o Imperio do Pree o fegundo Patriar-
ca D.Joa6 Nunes Barreto, Jefuita, e
Succeflor de D. Joað Bermudes, alguns.
Bifpos, e com o caracter de Embaixa- |
"dor, para os acompanhar, Fernad de
` Soufa de Caftello-Branco , que trazia
Provisões. Reaes para o Governador da
India lhe fornecer huma Armada com
$00 homens de guarniçaS para a via-
gem de Maçuá. Com igual aperto, e
precilrô vinhad tambem ordens ao mel:
ag | me
á. wig.. |
302: Historia GERAL `~
Era wulg. Do Governador para mandar logo ex»
aminar todos os pórtos da Ilha de Sa |
Lourenço. com o defgnio de deftobrir:
noticias das numero(as tripulações de:
duas. nãos, que no anno de 1593 naus,
fragáraô naquellas cóítas voltando para
. o Reino; que nellas fe bufcaffe fitio ac-
commodado para a fabrica de huma For-
taleza; que fe celebraffem Tratados de-
paz com os Dominantes do Paiz , e
que lhes fondafem o fundo dos efpiri-
tos para fe vér fe erað capazes de ferem:
inflruidos nos-Dogmas da Lei Santa:
duas expedições recorsmendadas, que
fubprendérad a Francifco Barreto pela:
diminviçaó , que caufavad nas forças
da India, quando elle preferia a todas:
as idéas a da conquilta. de Dama6 , em
que o deixamos empenhado, |
Com efeito, nem a exaĝidað , que
requeria a obfervancia deítas ardens,
nem o indifpenfavel cuidado de aprom-
ptar as importantes cargas para outras .
cinco nãos , que. haviað voltar a Life.
“boa, impediraô ao Governador a via»
gem do Nórte, As náos com execuçad
ligeirá recebêrað a carga. foitáraO pany
MES go ~ nos
DE PORTUGAL, Liv. LL. 363
na, e elle fe apreftou fem demora pa- Era vulgi
ra tambem fe fazer á véla. Mas'ós Je-
fuitas tranfportados da imípaciencia;,
que lhes era natural, quando lhes en:
cantravad os defignios , como fe o Pa:
dre Meftre Gonçalo, acabado de chè-
gar da Abyflinia, nað houvefle dado
ao Governador informações contrarias ;
bem capazes de detrotar as intenções
PEl-Rei fobre os progreflos da Reli-
giaô naquelles Eflados ; eftes homens
feitos em hum corpo inftavaó , períua:
diaô , clamavaô ao- Governador que
fem perda de tempo ' mindafle prepa-
rar a Armada, alifaffe a gente, ex-
ecurafle à rifca as ordens d'Bl-Rei para
q Patriarca, os Bifpos, e o Embaixa-
dor navegarem ao poro de Magçuá
fob pena de fer refponfavel a Deos , e ao
Rei dos prejuizos, que a démora cat
faffe ás Chrifiandades recem-ellabelecis -
das -na Ethiopia. PO ES
i `: Sem fe mover ao tom féro-defta re
prefentaça6., o Governador propúnha
aos Padres , nað fó a 'impafhibilidade
do Eftado (eparar de f na fituaçaõ cri-
tica de-tantas: guerras hum corpo taó
Ros | con-:
304 «Historia GERAL-
Era vulg. confideravel de homens , e naviosg
mas lhe chamava por authoria ao Pa-
= dre Meftre Gonçalo , e aos feus com-
panheiros para na fua face lhes fazer a.
mefma relaçaô , que elles lhe reprefene
táraô, quando vierad da Ethiopia,
reípeito do que lhes havia fuccedido
com o Imperador; e que era huma de-
mencia pelas vantagens da Religiad du-
vidofas arrilcar os interefles cestos da
Eftado. Eita repulfa foi novo eftimula
para furor novo, que fe encoftou ao
lado da Nobreza da Índia para lhe com.
municar a me(ma ardencia. O Gover-.
nador ataçado pelos Fidalgos , refol-
veo prudente que elle nað duvidava.
na jornada; mas que fe (atishzeffem os
Padres , com que elle lhes preparafié
huma Armada com o número de gen-
te confórme ao tempo : que o Em-
baixador fufpendefle a lua; e que em.
feu lugar iria Fernaô Martins Freire.
até Arquico, aonde deitaria em terra,
o Patriarca, e Bifpos, e lhes daria 60;
foldados para os Pd end até a.
| Corte. do Imperador.
cana, ii fez que o. Patriara
Sã,
De PorticAL, Livitt. 306
xa, eo Embaixador Ferha6 de Soufa
*. tompeflem as medidas da moderaçaõ į
efle teimofo, emque havia ir, aquel-
Je tenaz; em que naô fabíria de Goa
Eta wig
fem`o apparato que El-Rei determi- ~
nava, Ainda mais accezo o Padre Pro-
vincial Gonçalo da Silveira , elle fe em-
- barcou para Cochim, fem mais vêr;
nem fallar ao Governador, que fe op-
punha audaz ás idéas da fua Sociedade.
“ Juftamente temerofo da formidavel pd-
tencia Jefuitica na Epocá da fha maiar
“authoridade, o Governador dágui em
diante nada mais quiz obrar, que pa: `
recefle deliberaçaô privativamente fuk.
Elle chamou a Confelho os Fidalgos de
grande nome , os fabios mais illumina-
efpirito, deixando fó. fallar a ingenui-
“dade Tem affe&acað , neni orhatos, lhes
propoz a figura; em que o Eltado fe
achava 3 Os informes , que da Ethiopia
““acabára de dar o Padre Meftre Gonção
lo; os apreíftos com que El-Rei difpus.
nha a viagem do Patriarca ; e dos Bif
pos; o modo da expediçaô á Ilha dê
P. Lourenco , que recommendava:;.é
«TOM, XIV. U que
“dos, e fobmettendo a extollencia do |
/
306 Historia GERAL
Bia vulg. que fobre tudo elles deliberaffem como
bem lhes parecefle.
Pezados huns pontos tað circunípe-
ttos , unanimemente foi determinado
-gue as Chriftandades da Ethiopia fe n25
defamparaffem , nem fizefle maior ef-
pecie a tenacidade do Imperador , que
podia fer tocado pela ma6 fórte, quê
he capaz de fazer das pedras filhos de
Abrabaõ. Que por hora {ó paflafle aos
Efados do Imperador o Biífpo D. An-
dré de Oviedo com alguns Jefuitas pa-
ra confortarem os Chrillãos, e exaini-
marem as difpofições da Corte, que fe
devia6 faber para entaô fe determinar
a viagem do Patriarca. Que pelo que
refpeitava á Ilha de S. Lourenço, fofem
á diligencia recommendada de defcobrir
noticia da gente das náos perdidas pou-
cas embarcações, refervando para tem»
po mais opportuno os ajuítes da paz;
e à-fundaçãO da Fortaleza, que El-Rel
- determinava, |
-»" Coberta a cabeça do. Governador
com o efcudo defte confelho no dia
da guerra, que lhe faziaô os Jefuitass
elle mandou apreítar quatro navios, dé
e cê vo E a que
De PorrutaL, Livs ti 309
ERNER a e sá ge:
que deo o comrhandamento ao CapitãO Era vilã;
Manoel Travaços : delineou huma ima-
gem de Embaixgror,eny Gafpar Nunes,
“que eflivera na Abyífibia com D. Chrif-
tovaô da Gima + embarcado Ó BiYpo
com os feus Padres, os fez nagegar pa-
ta Árquico, Ao meímo tempo deípedio
para a Ilha de $. Lourenço a Balthafat
obo de Soufa com buma caravela”,
duas fultas de remo , e ordem, pata que
ëm todos os feus mares, recoftos, en-
feadas , e golfos inquirille às noticias.
que nas ordens do Rei lhe eraô recom-
mendadas. Nós deixaremos eftes Ché-
“fes navegando para os lugares dos (eus
deftinos, ë no Livro feguinte nos ire-
-. mos encontrar com o Governador Fran:
|. ifco Barreto , que deixamos em Bá:
çaim , fe mudado da empreza de Da-
. maô, entretido em novos projectos ;
que lhe offerecêrad as conjunêturas,
/
D
; LIVRO IL à >
. Da Hiforia Moderna de Portugal. `
T É a T ; f
CAPITULO L
Do que obrou o Governador Francifco
- Barreto em Baçaim fobre Cambayas
` e arelpeito da Embaixada, que lhe
— mandou o Res de Ginde E
E sa
ta vulg. D POIS que o Confeiho. da Índia ape |
“
- 1556 provou em Baçaim o parecer de D,
e Diogo dé Noronha ,. Governador dg
Dio, ç fe fuífpendeo o intento de tro;
car pela Cidade de Damað o rendi-
mento da fua Alfandega, que ho an;
ho antecedente pafláta muito além de `
150g9)000 cruzados: o meímo -Confe-
lho determinou, ‘que para fegurança de
Baçaim , e aperto da Praça de Damaô,
as noflas armas fe emprégaflem na con-
quia das duas importantes Fortélezas .
de Affari , e Manorá, como fica dito. .
es o Frañ-
DE PórTUGAL, Liv.LIL 309,
Francifco Barreto , que havia difpôr ds, Fra vul
“meios para eftas emprezag, e dar a el-.
las principio pela de Affari, que ficava
quatro legoas pela terra dentro em igual
diftancia entre Damað , e Baçaim , plans
tada no cume de huma montanha hor-
ilvel, em todo femelhante á de Damã
na Abyífinia, que nós moftramos efças
“fada por D. Chriftovad da Gama ; a
Praça igualmente fórte pela natureza,
e pela arte. O Governador antes de
dar ufo às armas, tentou os meios da
negociaçaô com o feu Commandante
Condixá , que foi mandado fondar pelo
Mouro Coge Mahamede nofo conhe-
. cido do tempo de Nuno da Cunha, e
que'na6 fez enta6 pequena figura na
entrega de Baçaim.
> Com facilidade confeguio o Cage
do avarento, e infiel. Condixá a entre-
ga de Affari por meio do donativo de
feis mil pardãos, e da permiffað de vir
paffar o refta da vida em Baçaim entre
os Portuguezes, Com iguaes indúltrias
| quiz o Coge fazer-nos ferviço femelhan-
“te em Manorá; mas no Turco Agader,
feu Governador , encontrou a sefolú-
Çağ
8
ça
t,
|
“319 Historia GERAL |,
E vulg.. çað honrada de preferir a fidelidade der
El
“vida ao (eu Soberano a todos os ou-
tros intereffes. Á vita da diveríidade,
os fins das duas negociações , fe tos,
mou a refoluça6 , de que prefidiada. Af-
fari, e bem guarnecida a [pa montanha,
Manorá fe levaffe à elcala por hum cor-
po dé feiscentos homens. O Governa-
dor encarregou ambas as expedições aq
valor provado de Antonio Moniz Bar;
feto, que guarneceo. a ferra, e Forta;,
Jeża de Affari com feflenta Portugue-
ges + e 200 homens dá terra ,. que legu-
riffem aos, moradores -na cultura dos
tampos , fem mais differença , que a dg
pagarem á Coroa de Portugal as mef-
mas gabelas , que antes fatisfaziaõ aa
“Rei de Cambaya,
” Para a tomada de Maporá ` E que fe
entendia. arrifcada , marchou por terra
o, mefma Antonio Moniz oa téfta de
600 homens , é com déz navios D. An-
taô de Noronha para lhe cobrir a mar-
cha pelas margens do ria. Sem refiten-
eia forad os Portuguezes talando a cam-
parha até Manorá , que achárağ aban,
Eea š mais fel q Turço C do 2
an»
DE PoRPUGAL, Dk. bi. 31%
dante em palavras, que façanhofo; DAS: Eea vulg
obras. Depois da Praga; prefidiada., ap-.
* pareceo elle no campo com: géftus bie.
farros : mas- ataçado ,. em ligeiras efca
samuças, tudo nos-dejxon á difeniçad.
Confeguidas com tanta: facilidade: efes
confideraveis vantagens. o. Governador:
fe applicou a ouvir os Ofácios dos Em» -
baixadores do Rei do Cinde, chamado
por corrupção Rei de Dulcisde:, que ti-
nha os feus Eftados naivifinhança - dá
noffa Cidade de Dio. |
Ene Principe opprimido por bumi
Tyranno poderofo, que fe havia levane
tado contra elle , pedia a Francifco Bare:
reto o foccorrefle com parte da At:
mada, obrigando-fe elle a fatisfazer to-
dos os gaftos da guerra, e de-dar aos:
Portuguezes grandes vantagens no com-.
mercio do feu Reino, O Governador;
euvidos os votos, que fe conformáraS
com os intentos do Rei , lhe mandos |
a Pedro Barreto Rolim com vinte e oi:
to navios, e 700 homens de defembar-
que, a maior parte oferecidos , efpe-:;
Cialmente do corpo da Nobreza, que-
quiz ir buícar no Çinde as a
| l Q
318. Historia Gem *
Eq vulg -de honra , qué nab encontrára na ima“
ginada conquifta de Damað. Corria O
mez de Dezembro, quando Pedro Bar.
veto fahio de Baçaim á empreza , de que
“hia encarregado , e ainda que os acon-
tecimentos da fua commiflas todos pers
tencem ao anno de 1557 , ultimo da vi-
da d'Bl-Rei D. Joa II., nós os refe.
riremos'neíte lugar.
` Pedro Barreto depois de paflar em-
Dio a:Fefta do Natal, navegou á bag-
ra do Cinde » que fe chama de Cam-.
baya , e fobindo q rio 30 legoas foi
dar á Gidade de Tatá , aonde eftava
hum filho do Rei, que fe -bavia entra= .
nhado no coraçaô do Reino, em buf- :
ca do (eu inimigo. Ali efteve detida"
a nofla Elquadra, até Fevereiro, fem
fe receberem avifos do que havia obrar%
porque o Rei fe tinha .ajuftado. com o.
“Pyranno, e nað cuidava em mais, que
entreter os Portuguezes , nað queren: |
do dar-fe por entendido ao cumprimen-
to das promefias , que lhes fizera , ©
porque elles inftavaS ao Principe, fey .
filho , em Tatá. O Barreto difimulavas -
mé ud o fafitimento- fe fez e ?
0
pEPókPUGAL; Liv. bit. 3i%
fo à impaciencia' dos foldados”, que pe- Rex viige!
diaô o defpique do engato;, e quetiad:
tecolher nos defpojos o refárciwento das
“defpezas da guerra prométtidas e'na”
fatisfeitas. Refolveo-fé a deftfúição de“
Tatá, huma das Cidades mais populo-
fas, e mais ricas de toda a' India', que
foffteo o furor derramado de Portugue-:
zes ofendidos. O primeiro eftrago lafe
timofo foi o de 200 homens: de:caval+
lo ,-que fe refugiáraô em huma grans”
de Mefquita, aonde fem poderem fa~
hir , todos foraS' abrazados por hua!
innundaçaóô de panellas de polvota ;
com que os noflos mudáraS à cafa de”
oraçaô dos Barbaros no feu primeiro |
Inferno. - O Rr e,
“Logo atropellada a mais dura refi-
tencia , os Portuguezes entráraô pela
Cidade com cólera tað indilinêta”, que |
nem os animaes tiveraó quartel; Sem -
elles perderem hum homem, degollã+
rað mais de oito mil. A Armada foi
carregada fó do que era precifo : o |
Mais, que importava thefouros , ardéo
com a Cidade em incendió voraz para .
káftima das idades futuras. -Bmbarcada: .
a a.
Era vulg,
314 Historia GERAL >
atrópa, e vindo rio abaixo, ambas a$
margens das trinta legoas do. famolo
Indo fentiraô eftragos femelhantes ao
de Tatá. Mas porque em muitas paf-
fagens as ribanceiras ficavad muito emi-
nentes.30$ navios, que recebiad algum
damno, dos muitos tiros s que fobre el-
Jes difparava6, Pedro Barreto formou
em terra: dous elquadrões , que pelas
margens do rio foflem affaftando os
inimigus augmentando as aflolações ,
acompanhando a Armada, e nefta fór-
ma chegárað á Fortaleza da barra, que
arrazáraf,, até aos fundamentos , nað
deixando em jornada tað longa mais que
veítigios de hum furor barbaro. |
Já o Governador havia partido de
Baçaim para Goa a fufpender os pro-
greflos da guerra, que o Hidalcað fa-
zia nas noflas terras firmes , quando Pe-
dro Barreto. fe occupava na expediçaô
referida, Mas naquella Cidade lhe dei-
xou ordem, para que em chegando nað.
perdefle inftantes de tempo , e partie
para a Cidade de Dabul pertencente ao
meímo HidalcaS, á qual, e por toda
a cófta faria a guerra mais crua, E
-—-
DE PORTUGAL q Ay. LI. gas,
; : fahindo do. Era vylg
porto de Cinde , fe recolhia ao de Ba-, `
pta, e tað confórme, que o Governa-
dor antes fentiria os exceflos , que a
falta, A effufa6 de fangue, a importan-
“cia dos defpojos , o horror do incendio
foi em Dabul outro efpegtaculo. igual
ao de Tatá. Antonio Pereira Brandaô,
que levava a vá-guarda , depois de ne
é go o
Po.
316 Historia GERAL *
Eà volg,- golla? muitos fóldados da guarniçað ;
e ede pôr o teto em fugida , que bufca-
va a falvaçaô nos montes , deixou o
päffo franco ás trópas, que nas efcala-:;
dás fequiofas de fangue com a natureza
do fogo, que à nenhuma materia diz,
que bafta ; ellas entráraó pelas ruas, e
pelas cafas, aondé nað achando mais,
que as mulheres , e os mininos, fem
“piedade os efmagavaó contra as parę-
des. Perfeguindo os fugitivos , em quan-
to Dabul fe abrazava, fubirad a arrazar
noalto debuma montanha hum Pago-
dë famofo ; para que elles fe mó fer-
vilem defte refugio. .Recolhida a pre-
“va, o Brandad cam os feus navios con-
tinuou' os eftragos rio a cima, e o Bar-
reto fe recolheo a Goa para receber,
“nos applaufos do Povo , e nas honras
do Governador , o premio antes das
execuções cruéis, que das façanhas bris
lhantes. | o
Como as noticias , que Francifca
- Barreto recebeo em Baçajm dos movi-
mentos, que fazia o Hidalcaô para res
cónguiftar as terras do Concaô , de Bar-
dez , e Salcete , o obrigárað a fahir com
- pres
DE PORTUGAL., Liv. LIL 217
P precipitaça6 daquella Praça : Elle an- Ers vulg *
tes de entrar na de Goa , deo hum gy-
to pelos mares da circunferencia da Ilha:
defpachou a D. Pedro de Menezes; para `
a Fortaleza de Rachol : fortificou, e
proveo com. as melhores .trópas todos
os pafios , deixando paraa fua defenfa.
hum reforço. dos feus melhores navids.
Ò Hidalçað já antes efcandalifado , ago-
ra com as novas dì aflolaçaô de Dabul
mettido em cólera, chama os feus- Qf-
ficiaes , e- lhes diz: A infolencia dôs
Portuguezes fobre os meus Ellados he
“já intoleravel. Vós como vafalios fiéis
deveis empenhar os ultimos alentos da
alma , tanto pela minha fegurança , co-
mo pela minha honra. Eftais inftruidos,
em que eu lhe cedi Bardez, e Salcete
com a cCondiçaô de mandarem a Meale
para Partugal,. Os Governadores da In-
di4 de tudo. zombára6 ; tomáraô poffe
„das terras, e nada eumprira6. Agora p
ameímo - Meale com doaçad mais am-,
pla lhes avançou o Dominio , e arrq-
gonelas, o primeiro com o Concad, a
fegunda, Dabul no-la aponta com.o dê-
ão, Pois que mais temos , que efperai?
E ind
318 História GERAL O
Bra válg. Vingar , oumorrer, vencer, ou viver a
elcravós. Efte difeurto Felvlveo a guer-
ta, que ferá o affumpto de hum dos
Capitutos feguihtes.
“CAPITULO IL
© Sücciffos de Portugal, e África no
fim do amno-de 1556 , eos do
o annb de 1557."
E. “REI D. Jóað HI. pacifico, repus
tado ; e poderofo applicava os expedien-
tes da fúa 'bóndade natural em honrar
os vaffallos dignos , e em lhes impedir
as occafiões de controverfias. Como os
efpiritos Portuguezes nunca difimulás
rað a (ua ambiçaó pelas vantagens hons
Yofas , mal foffriaô huns as que entent
diaô fer pofluidas pelos outros. Efta
“emulaçaó mais mettida em ufo pela No-
breza da Corte, que todá pretendia at
regalias da primeira claflc, éaté a que
à ella realinente pertencia , fe esforçavã
“para fuftentas as precedencias nos ads
“públicos ; obrigou: El-Rei a' temperat
Som reloltiçãés eltectivas à origem: a
he To de 3
DE PORTUGAL, Liv. LIL 319
defordens. Para iflo decretou , que to- Erawilg
das as pefloas, ás quaes des de enta6
défle ostitulos de Condes, ellas fe pre-
cedeffem fegundo a antiguidade dos
meímos Titulos, e que netibuma lograf-
fe de Aflentamento mais de 1020)864
téis, ainda que elle as nointafle paren-
tes, ou pretendeflem fello: expedien-
te favdavel, que poz filencio a tedas
as pretenções, mais rendidos os vafial-
los à obediencia , que ao capricho.
Muitos delles ferviaó entaô officio-
fos ao feu Monarca ; e porque entre
muitos apenas fe achará algum, que
aos feus Principes os fizeflem: mais, e
maiores, gue Lourenço Pires de Ta-
“vota, Senhor do: Mórgado de Capari-
ca, do Coenfelho de Eftado, aos Reis |
D. Joaö IlI. , e a feu neto D. Sebafliad;
fendo táð diflingtos os que elle exer-
citava por elles tempos, nað he juĝo
"deixar de fazer lembrança defle Fidal-
go na minha Hiftoria. Na flôr da fia
idade Lourenço Pires militou em Afri-
ca cum tanto valor, que rùbiicòu as
proezas cóm o feu fengue illuftre , `e
foi captive dos Mouros. Na não de
rita E spa Lu
qro HISTORIA. GERAL.
Eravulg. Tunes acompanhou ao Infante D. Loizy
.£ navegou á India com huma Efquadra,
v» deque era Commandante; Chegado à
:Cechim , e fabendo do fegundo {itio de
-Diô ;-fretou huma pequena embarca-
:çað , que rompendo 'os mares groflos
Jevafle-.na fua peffoa hum foccorro im»
portante á Fortaleza, Em toda a durar
;çað do fitio fe portou com valor intré-
.pido , e na batalha, fem já mais fe fe-
parar do lado do grande D. Joaô de
-Caftro, mereceo que ete Chéfe con-
feflafle ingenuo , como Lourenço Pires
“fora o primeiro , que (ubira o muro dos
inimigos, eelle o fegundo. —
O mefmo Fidalgo foi Embaixador
a Alemanha ao Imperador Carlos Vis
e depois a Caftella, Com elle tratoy
-hegocios da maior importancia , entre
-outros o cafamento do Principe D. Joað,
com fua filha, a Princeza D. Joannae
que :elle conduzio a Portugal, Com O.
,mefmo. caracter foi a Inglaterra tratar p,
- ainda que fem effeito , o. matrimonio.
:-do Infante D. Luiz com a Rainha Ma-
„xia , filha de Henrique VIII. , que veio
-a fer Efpofa de Filippe IL, Rei de Gaf-
tei-
Pan
DE PORTUGAL, Liv: 32i
tella; Eu taô delicado , tanto do Era REM
empenho dos Principes defa Monar- |
auia y como era o cafamento , que el-
les pretendia6 fazer da Infante D; Ma-
tia, filha d'El-Rei D. Manoel, e de fua
terceira mulher-a Rainha D. Leonor.
Negotio tað pouco vantajofo a Porty-
gal, a prudencia , e dexteridade de Lou-
renço Pires de Tavora, que foi man-
dado Embaixador a Caílella „p divertio,
nað. ló fem rotura, mas.com fatisfa-
að dos Principes intereflados, He mé:
moravel o defembaraço, que elle teve
com o Imperador em huma das confe-
rencias fobre efta negociação critica.
Refentio:fe a Mageftade de Carlos das
interlocutórias Portuguezas., e tomada
hum potco da cólera; diffe enfadado
ao Embaixador: Que elle fabia muito
bem quantos rios , e quantas pontes
havia em Portugal.
“Com todo o focego do feu efpiris
to, e intrepidéz do coraçaô , fem dé:
hora, fem penfar, lhe iefpondeo Loit-
tengo Pires de Tavora: Tem vs. mef.
- mos , que tinha hoje, faz tantos annas;
tantos mezes., e tantos dias: que Rá
“TOM. XIV, X pres
422 Historia GERAL .
kis valë precifinnence os que haviaó cotrido dd
dia da batalha: de Aljubarrota até en-
taó. Depois da mórte d'El-Rei D. Jouô
HI. ainda Lourenço Pires fervio“a feu
metro D. SebuítiaO com o mëfmo gelo
“doando te iss7 até O de 1573, em
que falleceo com 63 de idade. Naquet-
le tranilcurto foi por Embaixador a Re
“tia aos Papas Paulo IV. , e Pio IV.,
-à efe tað acceito , que lhe deo hof-
'Pedagém no proprio Palacio para com-
"Modamente tratar com frequencia hum
“Politico tað confummado. Qaando'no
'ahno de 1563 le temeo , que o Xerife
“com todo ò feu poder queria fitiar a
"Cidade de Tangere , -06 Governo o no-
“meou feu Governador , “e:Capitaó'Gé-
“neral; Vatað benemerito ; e illumina-
“dd, que entað moltrou como nelle dif-
-putavað precedencias os tålentos mittta-
res, eas delicadeżas potitiéas..
Por ees melmos tempos era céle-
“bre em Pottugal onont. de Pedro- Ga-
“Jego , natural de Viana do Minho. Ette
“alentado humem era Meftre de joar
-a efpada : exercicio, em que “inftruio
-com dereza os Moços mais ropuítos
4 a E "da
- +
Ny
© priímeiro defejado encónuo com husi
` - NC. ii .
DE PokrubAL, Liv: Li. 323
da lua Patria. Depois dë os confiderar bia Wik
capazes para a$ empregas de valor, el-
le osajunta , e lhes diz: Que era bum
defcredito da (ua corage eflatem acan-
tonados em Viana, fem faztrem figū-
ga no mundo : que os bomens desfavd-
tecidos da fortuna ho naícimento, ke
devizó tar a conhecer pelas obras : quë
os convidava para fahirem a buícar pe-
las mãos as difinçõet, que lhes negá-.
sa a ratustza: que a todos unidos nad
“esa difhicilktofo efquiparem huma ëi-
barcaçao , em que andaflem a torfo pë-
tas cólias de Hefpanha, aonde lhes had
faltariaô occafiões hboinofas para fe al-
fignalarem pelas armas. Menok razões
baftavað para fe deixarem convencer
as mocidades ordinariamente prefumi-
das de façanhofas. Trinta Efprimidores
com o feu Mefire compráraS huma ca-
favella com quatro peças; fornecêraG-
dia de viveres; ajuftára6 ot merinhei-
go; , e fem que parentes , e amigos
- fiada foubeflem, huma hoite fe fazemi
~ 40 mar. |
Andadas poticas lêgoas tivetað elles
$ `
i! tia
324 -: Historia GERAL.
Ecavulg. navio de Mouros, que atacárad com
E
valor, rendêra6 com bifarria, matan-
do treze, captivando outros , de que
“fe fervíraS para a manobra de ambas as
embarcações , com que. fe fizerad na
volta do Algarve. Em hum dos (eus
“pórtos vendêraõ a caravella para forti-
ficarem melhor o navio, ẹ recebidos a
bórdo quinze voluntarios Algaravios das
feus meímos humores ,. (ahiraô a con-
tinuar as aventuras, Dentro, e fóra do
. Eftreito de Gibraltar tiverad vários en: '
contros com Mouros, e Turcos, que
fobre triunfantes os fizera. ricos. So-
berbos com o cabedal, e as vidorias,
entrára6 em Cadiz , aonde entaô fe
achava o. famofo General Pedro Na-
- varro com a Armada Real de Caftella,
á qual Pedro Galego na6 quiz abater
- a bandeira, como devia, O General fup-
pondo ignorancia militar a imprudente
“bifarria, repetio muitos recados para q
Galego cumprir os feus deveres ; mas
elle fez que nað os entendia. O.Ge-
neral eftimulado partio na mefma -galé
Capitania a caftigar o louco atrevimen-
to O Galega levou ferro , foltos o
: : pañ-
DE PorTtGAL, Liv. LIL 526
panao , efperou a galé ; e quando.a te- pra
ve a tiro a fervio com huma banda de
artilharia , que' lhe encheo 6 convéz
de mórtos:, e feridos, entrando no nú-
mero defes: o meímo General Na-
varro. o dar o
do , e ferecolheo a Cadiz. Pedro Ga:
lego, e os feos camatadas foltando to-
do o panno, em poúco tempo fe po-
zérað a perder de vifta; e fe recolhês
rað a Viana com prefumpça6 de honra
dos , e realidade de ricos. Queixou-fe a
Corte de Caftella à de Portugal ; per.
dindo fatisfaçad da injúria , mas'ella .:
fe reveítia de taes circunftancias, que
El-Rei comi ipparencias-de à caftigar-a
temunerava. Em Portugal , e Hefpanhã
ficou célebre o nome de Pedro Gale-
go: condiçaS admiravel das acções dé
valor nað vulgares, que até aquelles, .
que où apoucados , pu invejolos lhes
bulcad os defeitos , fejaó mahifeftos ,
ou occultos, para as deprimirem, ef-
Jes mefmos delejariaS fer os authores
dellas, © ` |
E Quan:
O Chéfe prudente å vifta defte defa-
“tino portuguez, mandou virar de bót- -
vitë.
Ee vulg
326 Hisronaá GERAL
Quando tantas obras gloriofas , tan-
1$57 ta reputação em tado o munde , parg-
cia que firmaya å Coroa Portugueza:
“hema confiftencia perdoravel, os jui-
zos irffondaveis da Providencia já hia6
preparando em Africa os inftrumentos,
que em hum fó dia lhe haviaõ fepultar
as glórias de tantos feculos. Nós dei-
xaos. ao Menor Xerife aleivofamente
triunfante de feu irmaã o Xerife Matos
em Tafilete , aande. o. fez prifipneiro,
e degalloy tres dos (eus. filhos. Nós q
vimos pouco. depois coma mefma aki-
vofa vencedor do alentado Bubhazon ,
que ficoy morto: no campo ás mãos de
bum trahidor : mórte , vidtoria, e triun-
fo , que fegurou ao Xerife na poffe dos
Eflados , que ufurpára por meio da fr:
patimo; Efe monfira já amançada na
idade: de mais de. 80 annos, que podia
paffar tranguilto., ufando das máximas
da.melma hypocriia., affe&ou dous an-
pos de pacifica, quando no fey interior
forjava idéas de vingança fobre os mo-
radores de Montes Claros, que. a favor
de Zala Arraez, e de Byhazou, (e haviad
oppofto aps feus defignias na guerra paf-
“ada. | no Con.
captam mp mm e
DE PORTUGAL, Liv. LIL. 32%
- Contra aquelles Póvas marchava fy Era vulg..
riofo o Xerife; mas encontrou ques.
das execuções huma mórte atreiçaada,
como elle dera muitas ; porque eavad
cheias as medidas das atrocidades da.
Barbaro , na ordem dos Decretos Diyis
nos. Para nos inftruirmos na origem da
merecida mórte defte Xerife, havemor
faber que depois da de Zala Arraez,
fuecedeo no governo de Argel o Maus
to Hazem , filho do célebre Barbaas
Xa, que teve particular recomimendas
gað do Grad-Turco para continuar na
vingança contra o Xerife, ainda pica:
do defte lhe faltar ao refpeito, quans
do intercedea pela liberdade do Rei ds
Féz. O candu&or defta commiflaô do
Turco foi hum dos feus Baxás; e Has
zem para fazer á Corte de Conftantinas
pla hum ferviço completo , fingindo-fe
“ queixelo da meímo Baxá, que fe artar
gava a anthoridade de Bei de Argel;
veio a Marrocos , e fe offerecea ao Xer
tife para o acompanhar com os feys
Turcos na expediçao de Montes Ciar
ras. Chegados á povoagað de Guer fir
tuada: pas faldas dos mefmos e 3
i ae
328. Historia GeRAL ``
Pu valg. Hazem entránido na tenda do Xerife,
como quem hiaa fallar-lhe, o o
ás púnhaladas , roubou-lhe o campo ,.
fugio com os feus Turcas para fe sp
em cobro no cabo de Aguer, aonde
entendeo achar navios para Hefpanha : 4
Was nað os encontrando fe refugiou em
Tarudante.
Efte foi o fim defaítrado do memo-
rável Xerife o Menor na idade de 85
annos. Seu filho Muley Abel apenas
fóube da márte, fahio de Marrocos em
bufca dos trahidores, que alcançou em |
Tremecem. Os Turcos fe defendêra6
como defefperados , e todos morrêrad
furio(os deixando o [eu fangue bem vins
gado. Faltava para remate de tantos ca:
taítrofes o do Xerife Maior, que com
mais de 90 annos eftava prezo em Mar:
rocos, e fete filhos, e netos feus. Mu-
ley Abel, quando marchou á expedi-
Gað referida , encarregou a guarda def-
tes prezos ao Alcaide Ali Benbucar 5
que para fe. livrar de cuidados a todos
oito cortou as cabeças : golpe, que
igualou na mórte aos Xerifes, que tive:
rað tanta igualdade de caftumes E vi-
a a.
DE PORTUGAL, Liv. LIL 329
“da, Sobrevivêrad ao Menor Xerife cin-'Era vulg,
co filhos de duas mulheres. Muley Ab-
dalá , ultimo do primeiro mátrimonio,
lhe fuccedeo agora : Muley Maluco,
* que nafceo do fegundo , reinou depois,-
e acabou de reinar com El-Rei D. Se-
baítiaO no meímo dia, em que ambos
morrêraô na batalha fatal de Alcacere;
Maluco com mórte verdadeira , a de D.
Sebaftia6 duvidola entaó , pelos defejo-
{os da fua vida appetecida, até agora
indifcretamente difputada. a
t
“CAPITULO II.
Trata-fe da guerra do Hidalcaô nas ter-
- xas firmes de Bardez , e Saleete ,e
de outros fucceffos da India nefe
te anno de 19557.
O HIDALCAD que nós deixamos de-
pois da.ruina de Dabul perfuadindo aós
feus vaffallos naó tanto a guerra , quan-
to a vingança contra os Portuguezes de
Goa; para a romper ajuntou hum Ex-
ercito de 20)000 homens, que enear-
regou ao commandamento do feu Ge-
A ne”
330 Historia Gra |
Er vulg. ‘neral Nazer Maluco para marchar 4
= Pondá, em quanto Maratecad , Gover-
nador do Conca6 , invadia com autro:
corpo as terras de Bardez, e Salcete..
Franciíco Barreto bem advertido , de.
que fe elle fe conduzifle com lentidad
nea conjunctura, todo o Inverno ef-
taria 4 face com os inimigos, e Goa
em hum rebate continuo ; elle fe re-
folve a ir em peíloa combatellos , e
defalnjallos, Paflada revifta ás trópass,
que havia em Goa, achou luzido hum
corpo de tres mil Portuguezes , mil in-
fantes da terra ; e duzentos cavallos.
Com efta gente fe poftou o Governador.
da outra banda, aonde a formou dan«
do a vã-guarda aos Lafcarins da terra,
os Portuguezes em hum Elquadraõ co-
berto pelos Capitães D. Antaô de No-
ronha , Jeronymo Barreto Rolim., Mare
tim Affonfo de Miranda, Pantaleað de
Sá, D. Fernando de Monroy , D. Ak
varo da Silveira, Alvaro Paes de Soto-
Mayor ; a cada hum dos lados do Efqua-
drað cem cavallos.; elle , D. Antonio de
Noronha , o Catarraz , outros Pidalgoss
e cem efpingardeiros fi bd aee a
e
DE PORTUGAL, Liv. uir. 331
Nefa fórma marchou o noflo Er- Ers vulg.:
ercito direito a Pondá em demanda de
Nazer Maluco , que com corpo muitas:
vezes mais numero(o acampava nos feus.
planos, hum dos flancos encoĝado á
mefma Fortaleza , o outro coberto por |
hum denfo boígue , a va-guarda defens,
dida por bum foflo de quafi cinco pés
de largo; difpofições mais difhicultofas
de vencer, que a corage da trópa fu-
perior , e determinada. O nofo Mous
so D. Joaô Bellez , que mandava os
Lafcarios avançados , chegando a efte
fofo , e naõ podendo faltallo , foi mar-
chando ao longo delle , refpondendo
com vigor ao fogo dos inimigos. O Go-
vernador que nað percebeo a caufa def-
te movimento, marchou intrépido com
a reta-guarfda , a todo o galope com à
cavallaria , e nað vio o fofo fenað a
tempo , em que naá podia retroceder,
O feu cavallo o faltou briofo, afim os
mais a excepçaô de poucos menos va»
lentes, que no fundo da cava reben-
tårað os donos. A mefma rapidez do
galope foi p da inveftida pouco depais
auxiliada pela Infantaria, que eu
| | o
| Era vulg.
332 Historia GerAL `:
dò todos os perigos, 'atudio com mar~
cha violenta a foccorrer 'o feu Chefe no
meio dos mais proximos , em que ella
o contemplava. EN
Atonito Nazer Maluco com a ele-
gancia das noflas gentilezas , nað: quiz
eíperar mais tempo os repellões de gen-
te ta6 determinada. Elle já deftroçado
fez foar a retirada , e marchando a hum
lado da Fortaleza (em oufar a recolher-
fe: nella, temerofo , ou circunfpeão ,
fe foi entranhando no interior do Cone
cad, nað fó para eftar a coberto do pe- .
Tigo , mas até livre do futo. OGover:
nador triunfante mandou arrazar os mu-
ros de Pondá; pôz por terra todos os
trabalhos, obras, efortificações, que
os inimigos haviaô conftruido ; e nað
tendo mais que fazer naquellas partes,
pelo caminho de Benaftarim fe reco-
lheo a receber os applaufos de Goa.” `
O prazer defa vitoria do Gover»
nador foi acompanhado dos repetidos,
que cáufárað muitos honrados feitos do
bravo Joað Peyxoto na Provincia de
Bardez. Com hum punhado de homens
da terra, a que elle unio cincoenta: Pore
tu:
l
DE PORTUGAL, DIV: LIL. 333
tuguezes deftemidos ; fez por muitas ve- Era wilg
-zes frente ao General Moratecaõ, fem
- que nos feus projectos, podefle avançar
hum paflo. Agora, já recolhido a Goa
«0 Governador, informadome que hum
Postuguez, apoftata de grande crédito
entre os Barbaros, com muitos delles
fe havia fortificado nos confins da Pro-
.vincia, donde fahia a cometter por to-
.da ella pezados infultos; .o Peixoto fe
sefolve a atacallo na fua: meíma trin-
cheira. Com o foccorro de cem họ-
mens, que lhe mandou o Governador,
elle atravefla a Provincia, cahe como
hum raio fobre à fortificação do Rene-
gado, que arraza com muitas mórtes,
feridas, e deípojos dos vencidos, Na
retirada o efperou o apoflata pelos paf-
` fos eftreitos , em que era prático, com
.trópas de refreíco vindas de muitas par-
-tes para impedirem as confequencias da
- fua derrota. Muitos, e vilofos forad os
choques dos dous partidos . que fe ba-
. MiaS; mas no ultimo: Joað Peixoto, e
a fua gente totalmente eftiverað perdi-
- «dos. Entaô fupprio o valor a falta das
: - Manta gema do número , € do terreno, até
: | que
3j4 Historia Gerái `
Eta vulg: que no ardor do combate fendo mértó
'o Chéfe da cavallaria inimiga, ella per-
de o acordo, cede de todas as vanta-
gens, deixa degollar mais de 150 ho-
mens, foað Peixoto fe recolhe com a
gloria de hum aflignalado triunfo.
Defcançado á lombra das vidorias
© Governador Francifco Barreto cuida
nos expedientes economicos do Eltado.
Para fucceder no governo de Dio a D.
Diogo de Noronha , como El-Rei man-
dava , defpachou a D. Antonio de No-
“tonha, o Catarraz, e com elle feis Fi-
dalgos Capitães, que (e haviað incor-
porar ná guarniçaô de mil e duzéitos
homens. De(pedio para a viagem das
Molucas a Antonio Pereira Brandað.
': Proveo Malaca, as Fortalezas do Ma-
labar , as do Nórte, e o mefmo fez ás
“Jhas vifinhas de Goa, por lhe conftar,
que Nazer Maluco depois da fua retita-
da voltára a Pondá para reftabelecér a
Fortaleza, aonde foraô de pouca coa-
fideraçaõ as fuas vantagens. Muito maior
foi ò damno , que as trópas do Hidat-
cað nos fizerab fobre a extracçaó dos
generos de Salcete pata Goa. Elias Tn-
ii vas
DE PORTUGAL, Liv: Li. 335
: vadiað efta Provincia com tanta frequen- gra vilg.
cia, que o Governador teve de man-
dar reforçar a D. Pedro de Menezes
por fea primo D. jorge de Mentzes;,
© Baroche , na téita de 200 homens,
que em todo o Inverno nað defpira6 as
armas, (empre em acçad com inimigos
muitos, e teimofos. =
Em quanto na Índia fuccediad ef-
tas coulas , Balthafar Lobo de Soufa
chegava á itha de S, Lourenço , aonde
difemos o mandára Franċifco Barıėto
por ordem d’El-Rei para defcobrir no-
icias da gente das nãos, qué naufrapã-
Taó na fua cófla no anno de 1593. El-
le -colteou toda a Ilha peli parte de den-
tro, e tumando porto norio de Man-
galage , ordenou aus Capitães dos na-
vios ligeiros correfem , fondafem,
examinalem toda a cófła; até acharem
veítigios da gente, que bulcavad. Def-
ta viagem fó nos ficou por tradiça6 a
«memoria, de que Balthafar Lobo redu-
'2íra á Fé Catholica ham dos Reis da
: méfma Jiba com alguns dos feus vaflal-
Jos, e que delcobríra as quatro Ilhas de
. -Comor adjacentes da de 5. Lourenço;
Ra a
336 -HISTORIA GERAL
Era vulg. à faber, Angarica, Anjoanhe, Molal-
| le, e Maota. Em todas ellas ha Sobe-
.Yanos, Que as governa6: a primeira com
40 legoãs de comprido, e 10 de largos
tað eminente como a do Pico, domina-
da de Mouros da Arabia, os primeiros,
que vieraô á cófta de Melinde : a ulti-
ma de muito maior extenfaô , povoada
de trinta Cidades , cortada de muitas
“«tibeiras, qne a fazem abundante de ge-
netos , efpecialmente de canas de aflit-
car , com ares benignos , e (audaveis..
" Pelo mefmo tempo o Capitaô Ma-
noel Travaços, que levava á Ethiopia
o Biípo D. André de Oviedo ; com via-
gem feliz chegou ao porto de Arquicos
„aonde o deitou em terra, e fe fez na vol-
ta da India. Efte Prelado foi feguindo
afua joriiada com fummo prazer; por-
que de Arquico até 4 Gorte lhe fahiad
ao encontro os muitos Portuguezes el-
.tabelecidos no Imperio, a maior parte
delles do tempo de D. Chriftovaô da
Gama, todos cheios de honras, riguils
fimos, alguns cafados com Senhoras da
terra, brilhantes na pompa, na nume-
Yofa libré, fenhores de.quintas, de ter-
' tas 5
DE PORTUGAL, Liv. LIL 337:
ras , e de Villas., elles a Guarda de Cor- Era vulg.
po do Imperador + € Que.em todo o ca-
minho efplendidamente bofpedárað o |
Bifpo , ea fua comitiva, já-em tendas
magnificas de campanha, já nos Póvos
da lua refidencia, que ficavad fobre a`
marcha ,.até o levarem á prefença do
Imperador, que o recebeo com mvi-
to agrado , € com grande attençaô as.
cartas d” El-Rei, e do Governador: da In-
dia. No feu Imperio deixaremos agora
“efte Biípo para continuarmos- o fio da
nofia Hiforia pelo anno , em que ef-
tamos. o f
Continuava a guerra do Hidalca6
contra as terras firmes de Goa ; mas hu-
má diverls6, que fobreveio naõ penfa-
da , lhe impedio fuftentalla com vigor.
Nizamaluco, chamado pelos naturaegs
Boran Soldad , foi hum- dos cinco Ty-
“Yyannos. que entre fi repartiraS o Rei-
no do Decad , fempye affeiçoado aos
Portuguezes do tempo de Aflonfo de
Albuguerque até ao anno paffado , em.
que morreo com cincoenta annos de '
governo. Os noflos Hiftoriadores nos
- teprefenta6 efle Principe, como bum
=- TOM. XIV. Y ` dos
338 - Hiyroma GERAL
Eta vulg. dos máiotes hómens da Afia na illumi-
naçağ, nas virtudes naturaes , e politi-
tas, 1446 lhe desbotando a inclinaçaõ ,
é nofla geme algumas defaventas , quê
teve com ella, depois que conceded
faculdade do Governador Diogo Lopes
de Sigueira para fundar a Fortaleza de
Chaulk até a fua mórte. Entre outros
Portugwizes: diftinguia-o Nizamalaco à
hum Renegado: que entre nós fe cha-
mou Sancho Pires, é depois que apol-
tatou ho governo de- Nuno da Cunhas
lhe pozeraô o nome de Tringuicadi
Além de muitos dos noflos Eferitoresg
Diogo de Couto pibtá Sancho Pires co-
mo húm homem digno de ter lugar en'
tre os Herões , em todas as fuas acções
huma coufa quafi admiravel, fem que
fe lhe pofh reprehender alguma , que
nað feja a de haver renunciado a vèrda-
deita Religiaó, que èftimava nos feus
Patricios, quando aos outros , que &
abandonavað , nem queria vellos.
Nizamaluco tinha feito a efte ho-
them feu primeiro Minifito, General
dos feus Exercitos, ta6 rico, e pode-
tolo, que fuftentaya 12000 nam
TEN a | -. ae
sas
a
í
DE Porfudar, Lav. šit. 339
de cavallo. O valimehto lhe durou até Bia tuts:
a mórte do Monarca , Que têndo hel-
ls huma confanga extréma , na uiti-
mi hora lhe reiommendou d feu filho
Uzem, para que com o feu valor, e dem
teridade o eftabelecefle fobre o Thtony,
Jhé firmafie a Coroa, o pozéfk a cobi-
to dos grandes parciaes dos outros Prin-
cipes feas filhos ; que elles quérerisó
preférifem à Uzem. Com maior ardor
na obra, que Nizammalato tra reton
mendagad , Sancho Pires grato, é of-
tiofo reunio òs rebeldes ; ecúcheo a ul-
“tima vontade de feu Amo; fez ave
a pofle do legitimo herdeiro į obrou è
milagre civil poucas vezes vio de paf-
“far o feu valimento ao fuceeflór do dt
“fento, = i
| Uzem acclamado Rei, leobriávie
“das injúrias, que o Hidaicaô the harit
feito, refolver tomar dellas fatisfaçaó
na conguifta de huma Praga, que pof-
fuia na fronteira do feu Reino, foi. o
primeiro projeto do novo Nizamalus
co. Para o confeguir mais facilmente fe
alliou com Cota Maluco , que o foccor-
: reo com 209)000 cavallos , lhe confen-
o Y ii tig
-
340" Historia GERAL:
Ecavulg. tio a paffagem pelas fuas terras, e em
— virtude delte Tratado o Maluco confe-
guio delle a liberdade de Meale , até
entaó prezo nos feus Eftados , que foi
conduzido a Chaul, e entregue a Gar- |
cia Rodrigues de Tavora para o enviar
“a Goa, como fez. Porém as armas dos
Principes alliados fora6 infelices; por- .
que aberta huma grande brecha na-Pra-
Ga, e montando o aflalto Sancho Pires
na téfta do deftacamento, huma balla
pelos peitos deitou a terra morto efte”:
montro da fortuna, e do efcandalo : |
morte tað fentida de todo o Exercito,
que elmaiada a fua corage, levantou o :-
fitio com tanto de precipitaçaô, como :
de- affronta. Efta vantagem do Hidalcaó
o tornou a pôr em eftado de continuar `
a guerra contra Goa, que novamente
entrou a fentir os feus efeitos,
` f
t: FeS « ` F
“o: i i CÂ-
DE PORTUGAL, Liv: LIL 347
CAPITULO IV.
Continuaças da guerra de Goa , € ou
“tros fucceljos da Indias
O HIDALCAD defaffombrado do fuf- Era vulg. |
“to, que lhe caufára6 as armas colliga-
- das de Uzem, e de Cota Maluco, bem . |.
- capazes de o deftruirem , feellas tivel= >-
fem de valerofas o que lhes fobrava dé
. muitas ;- com efttínulos novos para're-
novar à cólera contra os Portuguezes
- por eftar reftituido a Goa Meale , que .
era o padrafto da confervaçaô da faa
"grandeza , elle mette èm ufo todos os
esforços para reduzit aquella Capital aos
maiores apertos, He verdade que efta
guerra para Goa foi mais dé incommo-
«dar, que de temer; para as trópas te-
ve mais de impertinente , que de fan-
guinaria. Goa fentio os apertos da fo-
- me pela difficuldade da ibtroducçaô dos
viveres , elles poucos, e por alto pre-
"ço, até a lenha com elle intoteravel.
As trópas nas Provincias da terra firme
“dia, e noite -nað tinhas focego, fem-
| pre
14% HisroriA GERAL
Era vulg. pre promptas para acudir aos rebates
contínuos, D. Jorge , e D. Pedro de
Menezes fem já mais deípirem as ar-
mas. l p
Como o General Calebatecaã era o
-author das correrias pelas terras, e Ilhas
do Eltado , o Governador mandau à
PanralçaO de Sá, e à aurros Capitães
gem. sao homens para o defalojarem do
tau poto.. Rte combate foi hum dos
mais rudos, que tivemos nefla guerra z
os inimigos muito fuperiores em númes
wa. toda fua aventagem do terrenos
agade os noflos, ainda que matavad a
mitos, efliveraô por muitas vezes per-
„didas , tiverad vinte homens mártos ,
abandonársã o campo, e ferta a deros
ya completa, (e Pantalead de Sá, qua
cabria à reta-guarda , com acordo ini.
umitavel nað. fizefle huma airola tetis
Tua.
. Wa apparencia de viftoria, a que
qa inimigos pelo defcoftume deraô bum
ako tom, os: enchea de tanta confian»
Ga. que. invadirað à Ilha de Joað Los
pes defendida, por Ayres Gomes da Sil-
wa-a mas ellea a fizçrad a favor das foma
e. | | bras
DEPonTyGAL, Liv Lit. 343
bras de huma das noites tempeBuofas , Rea
em que o .fuppunha6 defcuidado.. Ao
erondo dos primeiros golpes. na cofi-
nha do fey meímo .quartel, acudio o
vigilante Ayres Gomes com os folda»
dos , que achou mais promptos , e os
foi levando às cutiladas até ao rio, som
de muitos fe aflogárab na paffagem. Ou:
tra fobpreza. femelhante intentárad elr
tes na Ilha de Chora6 defendida por pou-
cos, etaó alentados Portuguezes , que
fuftentáraó intrépidos o combate , até
que de Goa lhes chegafiem os foecotr
ros. Ao eftrondo. delle o- Governador.
Francifco Barreto acudio ao Caes, e fez
embarcar com muita gente à Manoel
de Mendoça , Governador da Cidade, `
' que chegou quando a manhã rompia ,
e quando os bravos Langarote Picardo,
e o Ouvidor geral Henrique Jacques
com os feus camaradas precipitaval no
rio a soó Barbaros igualmente corta-
dos do temor, e do ferro.
Nefte tranfito do rio a gente des
>v
s
Catures , que o bordavað , fez tal ma-
tanga, que carregando-os de cabeçss
dos contrarios , ella as trouxe D0 Caes,
E e
4
sulg..
Rravulgo
“tro, eJoad Rodrigues Galema de Car-
1344 - Historia Gen
€ as ppz' aos pés do Governador ,. que
| premiou a cada hum dos bifarros fol-
' dados com liberalidade como fua. Sem
. mais demora mandou elle a D. Fran-
- cifco Mafcarenhas , depois Conde de
Santa Croz , e Vilo-Rei da India, que
“com 306 homens defcançados à lombra
deita viétoria fofle continuar a fazer a
lha'de Chora refpeitavel aos Barbaros.
Em fim, o Hidalca6S , ou cançado da
- guerra, ou mais contrahido pela reno-
vada afúiftencia de Meale em Goa , fe
he que naĝ foi -perfuadido pelos feus
Generaes tantas vezes derrotados; elle |
deo ouvidos á paz, que foi ajultada
com as mefmas condiçoes das preces
dentes.
- Efte anno, em que El-Rei D. Joas
| tinha de paffar do tempo para a Eterni-
dade , defpachou elle para a Índia a ul-
tima Efquadra compolta de cinco nãos
ás ordens de D. Luiz Fernandes de Vaf-
concellos , filho do Arcebilpo de Lil-
bóa, D. Fernando de Menezes. As qua-
tro nãos dos Capitães Cide de Soufa 4
Braz da Silva, Antonio Mendes de Caf-
Vá”
DE PORTUGAL, LIv.LI. - 345
í valho 5 fahírað de Lisboa no feu devido Era vulg. :
. tempo , duas ferrára5 Goa , huma in-
vernou em Melinde , a outra em Mos
çambique. A Capitania na6 pode fahir;
*. fena6 a dous de Maio , e perdida a mon-.
= Çaô, teve deir paflar o Inverno á Ba-
hia. A caula delta demora foi ; porque
quando a não fe carregava no Téjo,
por hum furo da quilha, que os off-
ciaes deixáraô fem prégo, e que co-
. berto de ibreo com grande trabalho fe
deo nelle , a não fazia tanta agua, que
fe hia ao fundo; foi neceflario defcar-
regalla, varalla, bufcar-lhe a rotura.,
e tornar a polla expedita para a via-
gem. | |
Defta cafualidade fe fervio a pias
mas fatua credulidade dos marinheiros
para clamarem , que ella era hum juf-
to. caftigo do (eu S. Pedro Gonçalves
“Telmo, por lhes haver o Arcebiípo de
Lisboa, impedido os cultos , quafi fu-
períticiofos , que elles 1endiad so Cor-
po Santo. Diogo de Couto nefa pal-
fagem trata deftas exhalações „que no
tempo das tormentas fe deixaô vêr Ív-
. bre os matos, e que os marinheiros
f en-
346 Historia Gerar..
Ers vulg. entendem fer-huma vifta, que lhes faz
o S. Telmo; que elles entaó vem ao
convéz,:ea grandes vozes gritaô , fal-
ve „á Corpo Santo : que fe as taes exha-
Jações apparecem nos lugares altos dos
navios, (ad Ggnaes de bonança , fẹ nos
baixos de naufragio : que fobindo aos
maftareos dizem, que acha6 pingos de
cera verde , que elles nem os trazem,
nem Os moftraó ; e em hum difeurío
breve derrota ehte erro popular da ple-
be maritima. Ora eu pafio a dilucidar
o difcurfo de Couto fobre efta materia
com as opiniões mais conformes dos
melhores Authores. |
Sabem os Aftronomos, que Caftor,
e Pollux (ad humas Biítrellas do figno.
de Geminis, a de Callor da primeira
grandeza y as duas de Pollux da quarta.
Sobre ellas teceo a Mythologia a plauh-
bilidade da transformaçaô dos dous mo~
ços gemeos dos mefmos nomes, tað il-
luftres no fangue , que filhos de Jupiter,
e de Leda, irmãos de Clytemnefira, e
de Helena. Hum Pai celefte collocou
os rapazes no Firmamento, e os feg
chamar Deofes cy Mar , ou Apotro-
| pheos,
DE PORTYGAR , LIST. 347
preo » como Numes Tutelares”, que Era vulg.
aviað falyar das calamidades aos feus
favorecidos. Agui temos: a origem fa-
bulofa , e gentilica , adoptada pela in-
difçreta piedade Catholica, Na Fabula
14 nos conta Hygino a razaõ, porque
a huma elpecie de meteoro a modo dg
fogo errante, ou luz portatil, que nas
tormentas fe deixa vêr em algumas para
tes dos navios , fe chama Calor , 6
Pollux. Aquelle Author, e-outros muis
tos dizem fer efle o féu nome, porque
quando os famolos Argonaytas navega-
vað para Golçhos , o tal meteoro, ou
eftrella volatil apparecêra (obre as cas
begas dos dous moços; que. logo que
ella defapparacêra , a tormenta cefiára ;
que os dous irmãos dalli em diante fi+
cáraô tað venerados dos navegantes,
“que (obre os invocarem pos perigos,
efculpiad nos navios as fuas imagens,
reconhecidos Caftor , e Pollux por Deo-
“fes do mar, o meteoro honrado com
es feus nomes. . | E ae
A fabula deo occafiaã a Piinia pa-
za perfuadir, que efa luz era chama-
“a pelos antigos Efirella de sara a a
348. - Historia GERAL:
Era vulg. | Horacio para formar o paralelo pom-
p pofo entre Alcides, Caftor ; e Pollux;
aquelle ainda que na terra elegante , ge-
nerofamente vencedor ; eftes mais illuf-
tres como Deidades dominantes das on-
das ., fobre ellas coroados de Eftrellas.
"-Eftas as invenções , efta a fuperftiças.
do gentilifmo , que vemos transfigura-
“da-em huma devoçaõ catholica confa-
grada pelos mareantes das Nações de-
- baixo do nome do Corpo Santo, já a
- S. Nicolão ; já a S. Hermo , ou a S. Pe-
dro’ Gonçalves Telmo : Santos , que
elles crêm lhes apparecem nas tormen: |
tas transformados em luzes para lhes
annunciarem a falvaçao , ou o naufra- `
gio. Os Phyficos nað tériaô muito tra-
balho em defabular a plebe maritima
“do feu erro , perfuadindo-a gre a la-
-minofa, e feliz appariçað dos meteo-
ros , que elles chamaô Santelmo , ea
liberdade , que gozað effas luzes, he
hum annuncio , de que as nuvens que
as carregaó , eftað desfeitas; que o Ceo
fe vai abrindo, e que em pouco tem»
po reflituirá a ferenidade ao ar. Que
pelo contrario, quando appareçe huma
| que
DE PORTUGAL, Liv: LII. 349.
{ó luz , buma fó exhalaçaô dita Helena; Eramulg.
que ifo como efleito de huma fó nu-
vem desfeita, e cahida, he indicio , de
` que ainda na regiað aeiia ha outros fo-
mentos para a continuaçað da tempef-
tade ; mas que de Íórte alguma figni-
fique a dita continuaçaô a tradiçað fa-
bulota, de que quando Helena fe em-
barcou com Menelao, apparecendo hu-
ma fó luz , prolongára a tormenta, que
os levou ao Egypto. .
Sobre quem feja ee invocado
Santelmo fe confundem os Anthóres,
Os marinheiros Portuguezes dizem,
que he S. Pedro Gonçalves da Ordem |
dos Prégadores. Os Italianos , e outras
Nações o venerað com o fimples nome
de Santelmo, Diogo de Couto lhe dá
o de Santo Anfelmo no Capitulo IJ. da
Decada VII., aonde diz: Ella peque-
na luz, que eftes mareantes Portugue-
zes veneraó em nome de S. Fr. Pedro
Gonçalves, e os Eftrangeiros no de San-
to Anfelmo, he. tað antiga fua vene-
saçaO , que já em tempo dos Gregos
fe celebrava. Alguns Efcritores Cafe- .
hhanos prefumem , -que =
| an-
E Bpa vulg:
350 - HIBTORIA GERAL
Santo Etálmo abbreviado-em Ermo, €
o Ermo corrompido em Elmo, que vem
a dizer Sant'Elmo. Mas até agora al:
gum fahio da dúvida fe ete Santo Erat-
me he o Martyr de Antioquia , ou a
Bilpo , e Martyr em Campania : de fór-
te, que-os maritimos nas tormentas rel»
peita6 nas exhalações , einvocaô hum
Santo , que nað labem quem feja.
-o Dada efa breve nóticia para illu-
minar aos crédulos menos bem inftrui-
dos , continuamos a moftrar ta nofla
Hiftoria, como as duas nãos da con-
fetva de D. Luiz Fetnandes de Vafcon-
cellos chegárab a Goa a tempo, que 9
Governador Francifco Barreto recebia
de Ormuz a noticia , de que no porto
de Suez fe pteparava huma Armada de
“Turcos com o deflino da Índia. Já a
efte tempo o Governador tinha repara-
do a perda dos galeões ; que fe quei-
mári6, com outros novos; a Armada
eflava numerofa , e fem perda de inl-
tantes elle a poz em eftado de fazer
frente refpeitavel aos Turcos. Porque
naó fuccedefle , - que elles tiveflem hum
refugio no rio de Chant; o Góvernité
O
DE PORTUGAL, LiviLil. 341
= O quiz prevenir, e chamando os Fidal- Era vulg,
gos a Confelho , lhes diffe: A nós nos
efpera huma fituaçaô , que póde fer crí-
tica, fenað a acautelarmos prudentes.
Os Turcos determinaô vir á India, e
pódem fazer-fe fórtes em Chaul, As
noflas forças hað de fahir de Goa, e
e Hidalcaô fe aproveitará da fua fraque- :..:
zá , fenað para a render, para a oppti-
mir. À mim me parecia que marnida(:
femos huma Embaixada ho Nizamalu-
co, pedindo-lhe declarafle à guerra a efe
te inimigo commum ,'e que nos pert-
mittifle licença para levantarmos huma
Cidadela no Morro de Chaul ; que tan»
to a elle, como aos Pottuguezes feria
muito util para embaraçar na Índia o
defignio dos “Turcos. O efleiro defta
propofla ferd a materia do Capítulo fe
guinte. — | ne
CA.
Era vulg.
352 Historia GERAL”
CAPITULO V.
Trata-fe da Embaixada, que o Gover-
nador. mandou ao Nizamaluco , e os
fucceljos , que fe lhe feguirad.
A casou .o Governador Francifco. `
Barreto de propôr no Confelho da In- |
dia a materia , que deixo referida, e
antes gue fallaflem as pefloas , que nel-
le tinha vato deliberativo, D. Diogo |
de Soufa ; que eltava prefente , e ti-
pha vindo do (eu governo de Cofalaa
embarcar para o Reino, fe levantou,
ç dife: Que-feera certa a noticia de
virem Turcos à Índia, requeria que fe
lbe declaraffe; porque elle nað era ca-
paz..de perder huma, occafiaô de tanta
bonra para ir defcançar no ocio da Pa-
tria: Que amava muito os (oldados da
Índia para os deixar em trabalhos, fem
fer nelles feu companheiro ; e que a
El-Rei devia grandes mercês para pa-
recer ingrato fugindo com o corpo ao.
ferviça , quando elle o neceflitava. O
Governador lhe agradeceo os impulfos
a da
DE PorTUBAL, Div. A. 353
da fua generofidade , promettendo fa: Era vulé;
zello participante de todos-os fegredos, o
e fobrea Embaixada fe tomou affento
afirmativo, | z
Para ella foi nomeado Jorge Correa
Dantas, que levava ricos prefentes pa-
za facilitarem a condefcendencia do Ni-
gamaluco a refpeito da fabrica da For-
taleza fobre o Morro de Chaul, que-fe
avançava pelo mar dentro , e dominava
a Cidade. Nizamaluco fe fóbprendeo
com efta propofiçaô, como quem del-
Ja inferia, que os intentos- do Gover-
nador da India erað deitar-lhe bum ng»
vo freio, ter debaixo da fua chave a
embocadura do melhor porto tos Efta-
dos ,. de que elle era Rei, e apoderat-
do-fe dos direitos das entradas, e fahi»
das, privallo de huma importante ren-
da. Eftas bem lembradas efpecies ð
obrigáraô , em lugar de dar huma ref-
fta cathegorica , a mandar prender ø
mbaixador , e ordenar ao General Fac
yatecað , que com 30g9)000 homens
marchafle a fazer com toda a prefia hus
ma Cidadela no lugar, gue os Portir
guezes pretendiad, bem entendido. , quis
JOM. XIV, á
EQD
Era vulg.
354 HISTORIA GERAL ` `
contra elles naő executafle genéto ab
gum de hoftilidade. | EE:
o Naô erað pafiados muitos dias,
quando da nofla Fortaleza fora6 viítos
ot montes da outra banda do rio co-
bertos de tendas , brilharem as armas,
feintilarem os capacetes, como devifasy
que: inculcavaõ a dificuldade de fer dilə
fipada a robultez daquellas gentes. Gari
cia Rodrigues de Tavora, Governador
da nofla Praça , entrou fem fufto a pre»
venirsfe para huma vigorofa defenfa ,
avifando a Francifco Barreto do que paf-
fava. A gente inutil, e a plebe cuidava
em fe retirar para lugar fegaro; mas &
tranquilidade de Farateca6 de todos
defterrou as imaginações triftes , o fuf-
to, O temor, que nað era panico. O
Governador apenas recebeo o avilo-de
Chaul, que foi a tempo, em que des
terminava mándar a Alvaro Paes de So»
to-Maior coin huma Efquadra ao Eftreis
to de Ormuz para obfervar os movi»
mentos dos Turcos; immediatamente
a poz de verga alto, e fez navegar a
Chaul, em quanto elle preparava a gran.
de Armada, com que havia ir am pel;
So g T F gm a toa
dE PorrudaL, Liv: Lit. sl
foa á meíma Praça para fazer aboitat Bra ruig
as idéas do Nizamalueo. ?
“- Alvaro Paes aviflando o Exercito de
Faratecaó , dos galeões fulminou hüm
fogo vivo fobre os trabalhadores occu-
pados na obra. Duas galez , que chegá-
yað no dia feguinte a fizéra6 fuípender
de todo , defpedindo mais cozidas comi
à terra bum chuveiro de ballas , que oë
inimigos detfcabertos nað podéra6 fof-
frer. De muitas partes vleraó coneot-
yendo navios em grande número , at=
trabidos os (oldados mais briofos do ru-
mor do fitio de Chaul, todos tremo-
lando flamolas, e galhardetes , empas
vefados , e guerreiros: hum efpelacu-
lo no tio para os Portuguezes da Pra:
ca taô agradavel, quanto tethivel park
os inimigos no campo, 'Elle (e acabou
de fazer luminofo , e formidavel com
a chegada da humerofa Arrbada do Go-
yethador , cheia de Nobreza igualmen»
te recommendavel ha qualidade , no nú:
mero , nos precedentes-ferviços ; guars
hecida com adjooo Portuguezes intréx
pidos, cofturbados a defprezar perigos;
a afrontat amórte ; calém -deles suis
E 4 ii tos
346 - História GERAL >
Rra vulg: tos Eis Malabares, efcravóss e
criados capazes do ufo das armas, cos -
mo bem inftruidos cas Aulas da nofia
e a Ei
. Farateca6 à vita do referido alpes
dtcilos temerofo de vir ás mãos com
os Portuguezes , fe refolveo a parlamen-
“ar; mas errou os meios de o fazer com
a. decencia correfpondente ao caracter
“Portaguez ; fe com efpirito fincéro;
na occafiad muito- mal advertido. Elle
pintou a imagem de Embaixador em
“hum feu criado ; para o Governador lhe
entregou. bum prefente bem confórme
á pellos -que o conduzia , mui defigual
daquella , 'a quem fe. encaminhava. Che-
-gou q pretendido Embaixador á pre-
denga de Francifco. Barreto, que o re;
cebeo com feccura: poz- aos feus pés
o prefente , que elle mandou deitar pe-
la: janella fóra, acompanhando a acçaõ
com eítas palavras de agradecimento:
Ide dizer a Faratecaõ, que naó exes
cuto em vás O mefmo , que vedes ex-
ecutar com o feu prefente, porque com
brevidade o farei a elle. O célebre Em-
baixador (obprezo , atonito, paímado
so o do’
=. DEPonrucaL, Liv. LT. 357.
do defprezo , mudo fe recolheo-46 feu Era vulg:
eámpo , efteve mudo largo tempo , até .
que cobrou calor para fallar , 'e dizer
à Faratecaô: Que os olhos do Govër-
nador da Índia eraó curtos de vifta%
muito delicados, para diftinguirem: ef-
taturas de tað pouco vulto como a fua,
é que as fuas mãos, como tað forço-
fas, nað (uftentavad prefentes de pou-
éo pezo fem os deitar a terra, |
"> Cahio em fio General, e com mè-
fhor acordo efcolheo Embaixador , que |
para fer admittido , e negociar nad ne- .
cefiitafle de mais recommendações , &
de outros introduétores, que as fuas il-
luftres qualidades. Tal era Rafarecaô,
Humm dos primeiros Chéfes , lumino(d
ho fer, brilhante na pompa, na inftruc:
Gaô com polimento. Depois de corte-
jar reverente ao Governador , lhe diz:
Eu venho da parte do Nizamalúco met
Amo aflegurar-vos , que elle he hum
amigo fiel do Rei de Portugal, e dos :
feus. vaffallos :' que eftes fentimentos já
fa6 herdados do feu predeceflor , do
qual a voffa Naçad recebeo a graça def
te terreno para a fabrica defta sd
Ro | a,
358 Historia GenaL |
Ega vulg. la, que tendes em Chaul:; Que elle por.
pretexto algum intenta revogar a Doae
610 ; mas que naô póde deixar de tes
mer, que o voo projeção de fortificar:
o Morra da outra banda feja com o fina
de lhe deitardes. bum jugo , de vos fazers
des unicos (enhores da embocadura da
melhor porto. des feus Reinos ,- de lhe
uíurpardes os direitos de entrada „e fahis
da , que íg a elle Ihe pertencem coma
Soberano : Que fufpeudais da voffa par-
te as idéas de fortificar à Morro, que
so -no mefmo inftante- (ulpende aş
as, ad,
Eftas razões, que faziaá conhecer
huma juítiça evidente , huma candura
imparcial (em aflediaçaô , nem arrogane
cia , ellas caufáraô no Governador as -
impreísões , que fe deixavaõ fentir em
fi melmas. Concluio-fe o negocio com
a renovagad do Tratado antigo , accref-
centando a condiçaô, que de huma, €
outra parte fenad emprehenderia mais à
fortificaçaã do Morro ; que as obras
principiadas a fazer feriað demolidas ;
e que ao Embaixador, e mais Portus
guezes. fetidos na Corte de Amadanas
ger
DE PORTUGAL, Livii. 359
y. fe lhes daria liberdade para volta- Eea vulg.
sp a Goa. -Efe ajufte Grmado fe fez di
logo público na Praça, na Armada,:e
no;campo com fatisfaçaó reciproca.,
mutuo prazer , e alegria , que provinha
da confideraçao , de que a nuvem fom-
bria , quando ameaçava chuveiros de
fangue , difipada , e desfeita: reflituia
a ferenidade , que fe defejava..
- Antes que o Governador fe defpa:
difle de Chaul ; defpachou a D, Antaó
“de Noronha para ir govervar Ormuz,
donde D. Joad de Ataide havia voltar
criminofo para fe livrar em Goa, Efte
Fidalgo, provido por El-Rei, nað tinha
acabado o feu tempo; mas, ou fofem
verdadeiros os Capitulos , que contr
elle deraô os moradores de Ormuz, ou
na realidade criticafle com defembara-
Gó a expediçad, que q Governador man-
dou fazer por Pedro Barreto Rolim no
Reino do Cinde , donde provinha a.
Ormuz os interefles mais avultados do
Commeteio, e defta crítica. "que a in-
véja fez pública, o meímo Governador |
fe défle por fentido, O carto he que
o Defembargador da ou
ez
466: Historia GERAL...”
Esá-vulg.. féz materia para culpar o Ataide.. Bite
_ fem repugnaneia entregou o governo ao
Succeflor , fahio logo para Mafcate:s
agride efperou a monçað pata vir aps
parecer em Goa na figura de réo. `
Já poréftes tempos tinha a Europé
féntido a falta de duas vidas preciofas:
huma a d'El-Rei: Ð, Joad III. a onze de
Junho , como logo diremos, outra. a:
do Imperador Carlos V. no Outubro fe-
guinte entre os Monges Jeronymos dò-
Matfteiro de Junte, aonde fepultou em
vida a glória do: Imperio , de tantos
Reinos ; de grandes negocios, de im
menfos vaffalios a de. innumeraveis vis.
Etorias , e entrava'o novo anho de Igg 85
Mas nós para concluirntos nefte- lugar |
o-que nos falta do governo de Francil+
cö: Barreto na India, continuamos a dis
zeri que elle; já expedito em Chaul, .
veio fazer: fegunda oftentaçaô dá lua.
pompa, da fua authoridade , ou da fuá
. gloria à Bagaim amada , e a foffrer. pot '
efta caufa fegundo golpe da critica, dá -
Waledicencia, ou o gue he mais certo;
'dainvéja. Em fim, elle chegou a Goa, .
e defpachando -os provipentes necefla-.
Ro NE TOS
DE PorTuGAL, Livs Lit 361
D. Conftantino. de: Bragança. .
© CAPITULO VI — `
Conilue-fi o governo de Francifto Bare
v. eleiçaô do VijorRei D. Conflantina y
-e-a fua partido para aludia, :
-f
a
l Roo a- -Goa o'Governador |
Francifco Barreto, e correndo já o an:
“pode 1558, elle concebeo: no (eu el-
E hum alto projecto, que fe lhe.
gurava otermo gloriolo dos feus tras
balhos no-fim do: governo da India. Pa-
za o emprehender fez lançar ao mar
hum número de navios tað grande , que
o- do Indoftaô já mais foi opprimido
com o pezo de outra Armada tað fo-
' bérba, como enta6 fe via nelle. O feu :
valto defignio era a canquilta da ref. -
pei-
paraíMalaca , -Ceilaó, eMolucas ; nós:E
© vamos a vêr occupado: em altas idéas,:
que. poderia6 ter exito feliz, fenað as'
fufpendefle a noticia da 'vinda do Suc-.
ceflor de caracter tað fublime , como.
c volg. `
36% Histokia Gana +
Era vulg, : peitavel Hha: de Cumatra , e a deftruts
| çaô do Achem fotmidavel, inimigo fens
reconciliaçad., que nað deixava refpisao
a opprimida Malaca. A paz profunda,
que o Ellada gozava com todos os Reis
vinhos, a erario rico , officiaes pará
trabalharem nos eftaleiros em abundan-
cia, muitos viveres, e munições, hum
confideravel corpo de trópas valero(as,
eaguerridas, grande número de Nos
breza brilhante, e impavida : tudo fo-
rað conturrentes efficazes para a hum
« tempo fe verem na Índia preftes vinte
e cinco galeões, e caravellas , dez ga-
léz , mais de fetenta galeotas, e fuftäs
“com os feus Officiaès , e tripulações rèf-
peâtivas. `. BeTa a R
“+ Quando em Goa fe trabalhava nefs
te famolo armamento, no Reinó a Rai;
rha D. Catharina, que com o Cardeal
Infante D. Henrique governava na mer
noridade dºEl-Rei D. Sebaftiaô , anda»
ya cuidadofa na eleiçaó de fujeito para
Viio-Rei da India, por ter Francifco
Barreto acabado o tempo do (eu gover?
no. Dous grandes, em quem ella tinha
poto os olhos , fe lhe retiravad da vik
ta
DE PorTÓGAL, Liv, LI, 303
ta, rogados refiítiaS , e o defagrado dos Ers mlg:
Regentes nað osabalava, Succedeo en- `
taô o Duque. de Bragança D. Theodo-
fio tratar em. converfagað domelica,
com feu irmaô D. Gonfantine, Prin-
cipe de 30 annos , com: elpiritos tað.
fublimes. como o feu (angue,, da repus,
* gnancia daqueliçs Fidalgos em acceita=
rem. cargo tað honrolo , como era œ
de Vifo-Rei da Jodia., e.o quanto a fen«
tiaô a Rainha ,-co Cardeal. D. Conf,
tantino por hum dos tranfportes da al»
ma , quando ella rampe a obrar fem
plena advertencia., relpondeo.. a (eu irs
mað: Pois Eu, pela meíma raza6 def-
fes homens. yegeitarem tal emprego s
de boa vontade irei á India. i
Calou-fe o Duque ; mas fem demo-
ra foi ao Paço, e reprefentou aos Prins
cipes , que elle lhes levava huma grans
de nova; tað grande, como era ade
feu irmao D. Conftantino de Bragan»
ça fe oferecer voluntario ‘para ir é In-
dia occupar o lugar, que outros recu-
favað. Os Principes recebêraô a noticia
com alvoroço, eftimárad-a , publicas
com o defpaçho a offerta, D.. Cont.
i tan-
364: - HisvroriA GERAL -!
Ecátils, tantino fe fobprende da: facilidadé do
Duque , da prefa da nomeaçad ; mas
elle nað retrocede com a'palavra. Uni-
camente requer fe lhe'conferve 6 em=<
prego, que já tinha de Camareiro Mór;
que a Rainha lhe promette para quan-
de o Rei feu neto fôr em idade de fo.
fervir dee Officio da Cafa. Os outros
deípachos, gue páreciad indifpenfaveiss
talvez porque fe havia6 talhar pelas me-
didas 'da eftàtura de tað: grande pefloa,y
teve-fe por expediente melhor nað fal-
Jar nelles. D. Conftantino tambem fe |
callou para perfuadir muda a energia da
feu-efpirito , que elle nað hia á India
no » € trazer; que hia fervir, cagra:
ar. A o
“ Atoda a diligencia fe apromptárad
quatro nãos para o tranfporte do novo
Vifo-Rei , governadas pelos Capitães
D, Payo de Noronha, Aleixo de Soufa
Chichorro, que hia nomeado Veador
da Fazenda, Pedro Peixoto da Silva
e Jacome de Mello. Nellas embarcárad.
dous mil foldados efcolhidos , e entre
muitos do corpo da Nobreza , D. Dis:
niz Coutinho da Cafa do Marechal;
e
a
DE PORTUGAL, Liv. EI. 36%
D. Francifco de Mello da dos Montei- Era vulga
tos Móres, Ayres de Saldanha, D. An-
tonio de Vilhena, D. Francifco Lobo,
D. Luiz, e D. Francifco de Almeida.,
Fernað de Caftro, Pedro de Mendoça,
o Larim , Joað Gomes de Caftro, Gil
de Goes, que hia provido no governo
de Goa, Pedro da Silva de Menezes,
Joaô Lopes Leita6, Jeronymo Dias de
Menezes , e outros, que incorporados
com os muitos Fidalgos, que eftavağ
na India , fariaô a taô alto Vifo-Rei
huma Corte brilhante. Soe
<= Sahirað as roi de Lisboa a fete de
Abril do anno de 1558, em que ago-
xa fallamos, ainda que fóra. do feu lu-
gar. Ellas levára6 a viagem com tanta
felicidade , que go principio de Julho
entráraô em Moçambique , aonde fe
encontrárao com a do General D. Luiz
Fernandes de Vafconcellos , que difese
mos invernára no Brafil, com a do Ca-
pitaô Joaô Rodrigues de Carvalho, que
“em Moçambique paflára o inverno, œ
todas feis em conferva fe fizera na vol-
ta de Goa. O Governador Franciíco
Barreto fazia trabalhar fem focego na
ARE eo rn oo grans
366 Historia GERAL-
Ers vulg. grande Armada deftinada á conquiftá dé
Cumatra, e eftava a ponto de partir,
fem ter declarado o feu fegredo, quan-
do a tres de Setembro recebeo o atilo,
de que á barra de Goa era chegado o
feu Succeflor : nova nað efpetada , que
lhe rompeo todas as medidas , já os cul»
tos (em reverencia, os applauíos mu-
dos, falta de cortejos a pefloa , elle no,
Oriente , Sol pofto á vifta do nafci-
mento de outro Sol,
Nós temos acabado de ouvir os pro+
greflos do governo de Francifco Barre-
to na India. Sabemos as fuas qualidades,
o feu merecimento ; as fuas virtudes ,
o {eu caragter , e depois de nos inftruirá
mos nas honras, com que foi recebido
no Reino , na preferencia, que fe lhe |
deo para commandar as galéz , que ajus
dáraõ a Filippe II. de Hefpanha na cone
guita do Penhaô de los Veles. Ainda
ouviremos o prega6 da Fama indicallo
conquiftador famofo do Imperio do
Monomotapa , aonde para concluir &
empreza , fobejando.lhe o valor, lhê
faltou a vida. Herdou efte Fidalgo &
probidade de feu grande Pai Ruy Bat
+-
DE PortuaAL; Liv. LIL 369
teto, Fronteiro Mór do Algarve, Vé- Era vulg!
dor da Fazenda, e Alcaide Mór defta
Cidade de Faro, que o teve de (ua il-
lure mulher D. Branca de Vilhena, fiè
lha de Manoel de Mello, Alcaide Mór
de pas Ta e irmã do Coáde D. Ro-
drigo de Mello. |
Foi Francifco Barseto na ordem de
nafcer filho fegundo:, que podéra ficar
Chéfe de huma cafa tað qualificada,
como a de feu irmaô mais velho Ny- —
no Rodrigues Barreto. Mas elle cafan- `=
do a primeira vez com D. Francifca de
Caftro, filha do Alferes Mór D. Luiz
de Menezes da Cafa de Tarouca , ten-
do filhos a Ruy Nunes Barreto , efté
morreo folteiro com feu. Pai na con»
quifta do Monomotapa; a Luiz da Sil-
va, que tambem folteiro foi morto nR
Índia em hum defafio , que teve com
Luiz Alvares de Tavora. Cafando fe»
gunda vez com D. Brites de Ataides
viuva de Chriftovaó de Brito , e irmã
de D. Luiz de Ataide, Conde da Aton-
uia , e nafcendo-lhe em Baçaim filho,
foad da Silva Barreto ; efte homem fe
tafou com huma filha de EES de
ER Y Qu-
368 - História GERAL >
Era vulg: . Soufa , e de fua mulhér Maria Gomes ;
1557
„India.
já viuva de André de Soufa Coutinho,
e nað fabemos fe delle ficou geraçaô na
CAPITULO VIL
- Efereve-fe a morte PEIRei D.
+ Joa III. o feu carater , e
qualidades.
Sen outros Principes legitimos a Real
Familia de Portugal, que D. Sebaftiaô
futuro Succeflor de feu Avó, o Cardeal
Infante D. Henrique, e El-Rei D. Joaô
na idade de cincoenta e cinco annos, €
de Reinado 35 , cinco mezes , e 29 diass
faô , e robùfto ; quando a fua vida mais
fe neceífitava , a fua prudencia , a fua
dexteridade confummadas erað mais
precifas para a confervaçaS da Monars
quia, para a felicidade dos Póvos, par
ta a gravidade dos negocios , que occore
ria6, e de outros futuros , que amea»
çavað ; entaô já completo o fatal tem»
po da mórte, o termo prefetipto da vi»
sa, de que fe pab póde paffar;. E-Ref
DE PorruGaL, Ltv. LI. 369
D. Joaõ III. adoecendo , quando o con- Era ui;
fideravaG com melhor faude , engrave-
cendo-fe a queixa, refignado, contri-
c&o , recebidos os Sacramentos da lgre-
ja com piedade edificante, no dia on-
ze de Junho do anno de 1557 lhe fo-
breveio a mórte preciofa, que foi écca
correfpondente 20 brado da vida ; elle
ditofo por fer chamado para gozar a
torrente de delicias, as abundancias da
Cafá de Deos ; Portugal na fua falta in-
feliz por lhe nað tardar a innundaçað
de calamidades , as avenidas rápidas dos
infortunios. Morteo o bom Rei, ficou
sgonilante o Reino. |
-. No dia feguinte ao feu tranfito fe- .
liz foi o Real Cadaver levado pelos Mi-
niftros da fua Capella, e pelos Irmãos.
da Mifericordia de Lisbga ao Conven-
to de Belém, aonde o depofitáraõ jun-
to ao monumento de feu Pai, o gran-
de Rei D. Manoel. Correfpondeo o
= apparato funebre na grandeza da pom-
pa á fublimidade do objeo; acompa-
nhando-o os Senhores D. Duarte, € Di
Antonio, Sobrinhos da Mageftade .de-
funta, todos os Graudes, Fidalgos, e
TOM. XIV. Aa pel.
s%o Historia GERAL
Era vulg. peffoas dê qualidade , que entaó fe acha-
| vað na Corte. Apparato funebre, que
moveo geral o pranto, como tetemu-
nho, que tinha o pezo de voz para ins
“dicar quanto he fenfivel à perda de tum
Rei amado: hum Rei, em gue fe ajul-
tava6 todos.os caracteres para dizermbs
delle o que dizia Augufto do Rei bom:
Que elle ou nað houvera de nafcer ,
ou naô havia nunca morrer. O Cardeal
Infante ficou no Paço acompanhando à
Rainha, que na perda que acabava dè
ter, nécelfitava de hum tal conforto,
como odefta Real Purpura , a que fere
viaô de relevo brilhante at virtudes mais
heróicas, agora no exercicio dos feus
actos , unicos agentes para moverem
com força no efpirito da Rainha os fen-
timentos de refighaçaO, de conformi-
dade , da paciencia , que até às Coroas
he neceflaria para confeguitem as proc
meflas. o | |
-~ A piedofa Mai do feu Povo „a vran-
de, e illuminada Rainha, toda occu-
pada nos imterefles do commum, como
fe a alma nada fentira, para fe [aber o
que &i-Rei nas fuas ultimas difpofições
De as is f e
DE PORTUGAL, Liv. tir. 391
determinára , fuppoftá a thenotidade dò Eri volğ.
fucceflor ; logo no dia trezé do inez
thbamou a Confelho o Catdeal, ò Dü-
qué dé Aveiro, às Condes do Vimid-
fo , e Callanhėitá , o Barã6 dé Alvi-
to, o Regédór da Cala da Súpplicaçao ,
o Chanceller Mór, os Veteâdorés da
Câmara de Lisboa , e pérdhte todos fiz
lêr as Metmotias élcritas da própriá mað
PEIRei poticós dias ánites da fua àrré.
batada mórtė. Neilas noméiva para Tü-
tóra do futuro Rei, fed Neto, ë pè-
ta Regente do Réiho a thëftina Rainha,
fuá Efpofa, qué coño diz hum Hiftá-
riadot noflo, para mulher era varonit,
e hunt Sceptró era mulher. Mas o
et, qué lhe conheciá melhor os taleni-
tós, deixava determinado, que ella naõ
lárgaffe à Regencia, ei quadro féu Në-
to nad cumpriffe vinte ánios f ultima
vontade Soberatia , que Politicos intrt-
gantes alteráraô , teduzindo a Rainha
Conftéinada a abdicat póucós aùnos de-
pois o governo, qué Hie ficára encar-
regado, como veremos no few devido
tempo. | E ru
of of titulos gloridfos dë Pat da
Ma Aa ii Pac
- Era vulg.
372 Historia GERAL:
Patria, de Irmaõ das Religiões , de Fi-
lho Obediente da Igreja, de futo , de
Clemente , de Pacifico , morreo D. Joaô
II. , fentindo-fe a fua mórte por mór-
te, nad por apreflada em hum Princi-
pe, que a maior parte da vida foi jul- `
to. Qual das do mundo habitavel dei-
xou de ouvir o eftrondo das fuas vir-
tudes , o écco das viétorias dos feus
Capitães , o rumor das maravilhas da.
fua probidade ? Para que ellas (e ouçað
po mundo todo , bata que os Portugue-
zes as louvem, fem mendigarem vos
zes eftranhas ; e ainda que eu podefle
fazer dellas huma narraçaô bem cir-
cunftanciada , feria obrigado a refpon-
der á reprehenfaô occulta , que o mef-
mo mundo tinha de me fazer na dimi-
nuiçaô dos applaufos de hum Soberano,
que enchem os cem orgãos da Fama.
De objeétos tað Íublimes as fuas acções
fó [ad os feus louvores, o
Unicamente para cumprir com as
obrigações , de que me encarreguei ,
continuarei a dizer que El-Rei D. joa6
HI. no zelo da Religiað , no Culto Di-
vino , nos a&os de piedade foi fructo
— cort-
DE PORTUGAL, LIV. LIL 373
correfpondente ás arvores, donde naf- pa vulg.
céra. Elle, para que á cultura dos cam. .
pos do Gentilifmo nað faltaflem Ope-
rários com delicadeza de fciencia uni-
da ao ardor do Chriftianifmo , trasla-
dou de Lisboa, e quafi inftituio de no-
vo a Univeríidade de Coimbra, que il-
luftrou com rendas copiofas , e Meftres
infignes mandados vir dos outros Reis
“nos da Europa. Elle para conter a pra-
= vidade judaica , fez erigir o Trbunal do
Santo Oficio por Bulla de Paulo HE,
e para as Mifsões das Conquiftas intro-
duzio no Reino a Sociedade dos Jefui-
. tas no Seculo , em que ella fe repre(en-
tava util á Sociedade civil, e moral dos
homens. Elle fuftentou com vigor as
Conquiftas do Oriente para nað fenti-
rem a falta do Rei D. Manoel, feu Pai,
que para a imitaçaô lhe deixou exem-
~ plos, para as emprezas Heróes; e fe
no abandono das Praças de Africa o
Reino fentio vários generos de perdas,
= nas do Oriente recolheo avultadas as
ufuras. Elle inflituio o Tribunal da Me-
za da Confciencia, e levou várias Igre-
jas á dignidade de Cathedraes , a de
i Evo
374 Historia GERAL
Era vulg. Evora á de Metropolitana ; edificou
— mitos Templos, e eftabeleceg obras,
pias, nað lhe faltando neite empenha
a fociedade da devoçad da Rainha, que
foi Fundadora iljuíftre de muitos ma-.
numentos fagradas. Ê
Elle etimoy 2 virtude da clemencia
pelo efmalte mais brilhante da Coroa,
fempre inclinado aos Juizes humanos ,
quando os fevéros já mais lhe víra6 bom
femblante. Se parecia que a fua bran- .
dura deçlipava para o extremo, & ọfa
fendia a juftiça; elle por tal modo unia,
a piedade ao rigor , que fem deixar
Jogar á jufiça para fe queixar , fempre
triunfava a clgmencia + triunfo Jumi-
nofo, de quem fabia ponderar, que a
vida de hum homem he joia dẹ myi-
to preço , e que nað fe deve perder
com o cauterio , quando os lenitivos
a curaô, Poriflo elle derrogau. as Leis
antigas « que mandavad marcar os la
drões na cára, dizendo: Que (fe feme-
lhantes homens fe corrigifem na per-
verâdade dos, feus collumes, era bu-
ma injuftiça ficarem perpetuamente co-
nheçidos infames pela devifa pública
da `
DE PORTUGAL, Liv. LIL 37%
da fua má vida paflada. Elle foi fingu- Era vulg.
lar na liberalidade , que repartia por to»
dos: liberal pelo modo dos Soberanos,
que fe fabia6 ajuflar ás regras da virtu-
de . longe de que os dominafle a pai-
xa6 dos aficãos.
Nós confeffaremos que entre for-
tunas, e defgraças paflou D. Joa6 III.
a maior parte dos feus dias. Grande
reputaçaS lhe haviað adquirido as Ívas
virtudes , muitas vantagens a dilatada
tranquillidade ; mas nos feus ultimos
tempos fe entrava a fentir a confeguen-
cia da perda dos lugares de Africa;
tocavasfe com fenfibilidade a decaden-
cia nos negocios da Índia; as mórtes
inmaturas de tantos filhos, e irmãos ,
fe ellas lhe fomeciad materia para o
exercicio contínuo .de huma paciencia |
heróica; ellas melmas lhe miniftravað
imagens continuadas para a renovação
da dôr vehemente. Condiçaõ fatal das
venturas mundanas, que até no pon-
tiagudo das Coroas faz, que o remate
feja Cruz. a
Foi El-Rei D.Joa6 de efatura me-
diana, o corpo com alguma grofiva,
” | AQ
376 Historia GERAL
Era vulg, à côr branca, e vermelha, o aípeão
| tað veneravel, que vendo-fe , ainda fem
fer conhecido, fazia reípeito. Teve os.
olhos azues efcuros , que fe moviad com
defembaraço mageftofo attraétivo da
veneração , que muito mais fe fublima-
va, quando os ouvidos percebiad o tom
páufado das fuas vozes ligadas á Sobe-
yania , fem que as prendeflem algum
dos defeitos naturaes. Nos membros
era forçofo , e robufto: teve algum co-
nhecimento das letras humanas apren-
didas pelo methodo , com que fe en-
finavad no feu tempo, nað pelo que
fe enfináraô depois até eftas noflas ida-
des. Amou no veflir os ufos Portugues
zes , fendo o feu exemplo anathema ef-.
ficaz , que desfigurava. o femblante ao
abufo das modas : ainda nas funções
mais aulicas em concurrencia: com os
Principes Eltrangeiros , (empre nos tra-
jes fe fez vêr Portuguez.
A memoria do feu nome em Evo-
ya corre perene no aquedudto das aguas
da Prata , que renovou para naõ ef-
quecer a de Sertorio , para gozar 0 Po-
vo o grande bençíício da agua, que o
| conr
DE PORTUGAL, Liv. LIL 37%
conferva, do aqueduto, que illuftra à Em vulgo
Cidade. Se a grandeza das obras do
Reino , fejaô no Mofteiro de Belém,
nos da Senhora da Graça, S. Francif-
co, eS. Roque; feja6 na cafa da Al-
fandega de Lisboa, ou nos Arfenaes
para as Armadas, a juíto titulo lhe im-
primira6 o caracter de Magnifico; que
diremos nós da fua prudencia ? Daquella
prudencia , que na flôr da idade o con»
duzio a confervar-fe refpeitavel no meio
dos turbilhões de guerras formidaveis,
“que afloláraô a Europa, efpecialmente
as que fe origináraô das dilcordias en-
tre o Imperador Carlos V. , feu Cu-
nhado ,.e os Reis de França : huma
pradencia + que entré o ardor mais vi-
vo daquellas difcordias lhe confervou
inalteravel a imparcialidade , fem faltar
ao Imperador com o decoro do paren-
teíco , com a eftimaçaô de vifinha, nem
aos Reis de França com as relações de.
amigo , com à eftreiteza de alliado.
- Nós podemos crêr que a mefma
virtude auxiliada por outras o moveo
a erigir em Bifpados as Cidades de Lei-
tia > de Portalegre, de Miranda , e ou-
tros
398 Historia GERAL
Era vulg. tros pelas conguifias ; a reparar tem
huma refórma edificante os primeiros
Inflitutos, que principiavad a fentir res
laxaçaO nas Ordens de Chrilio , de Sa6
= Francifco, de S. Domingos, de Santa
Agoflinho, e de S. Jeronyma.; s arder
nar Reçcolhimentos para as donzellas hor
nefas evitarem os perigos, e pata ti»
rarem delles as mulheres, que já nad
eraô honeflas, nem denzellas ; 8 imr
pedir as difcordias entre Cafas grandes,
gue nað refrearia6 a teima nas porfias,
fenaú fe mettefle de permeio a author
ridade acompanhada do poder; à exa.
minar com a exacçaO mais judicio(a ;
e fevera a probidade, os coftumes, o
- carater inteiro das pecas, que o bar
via6 (ervir, para depois nað ter a dif-
plicencia de as caftigar; em fim, a dife
pôr os meios para nada faltar, ou fof-
fe nos lances da grandeza, ou pos ex-
ercicios da piedade, nað obllante as
enormes deípezas da Coroa , já DOS
apreftos de tantas Armadas, nos nau-
fragios de muitas nãos ; já mos roubos
efcandalofos dos infiéis Difpenfeiros,
iMiniflros corruptos da India, «ou reg
Q=
DEPoRTYGAL, LIV.LU. 379
dotes fatisígitos a tantos irmãos bem Em veig,
patrimoniados. | RO
-= Remate preciofo foi da fva pruden-,
cia nað gravar o Povo com tributas em,
aperto algum da Monarquia, Eltimava -
como hum thefourop propriq cada val-.
falo rico, que tudo daria goftolo em,
lho pedindo , porque naĝ lho tirava a,
violencia. Das verduras da fua mocida-
de fora6 frutos D. Manoel, que mor-
reo minino , e D. Dyarte, que pela
{fua fumma capacidade, e grandes le-
tras foi elevado á Dignidade de Arce-
bifpo de Braga: dous filhos illegitimos,
que elle teve de D. Ifabel Moniz, Mo-
ça da Camara da Raisbs D, Leonor,
que depois foi Frei de Santa Clara
no Porto, e na Guarda, Das fãas vir-
tudes depois de homem deixárað me-
moria illure nas feus elcritos Fran-
cifco de Andrade , Joað de Barros,
Diogo de Couto, Antonio de Caftilho,
Martim Afplicueta Navarro, Fr. Ber-
nardo de Brito, Lead, Vafconcellos,
Maffeo , Fonceca, Pacheco, Godinho,
Faria e Soufa , que nos offerece palavras
para concluirmos o elogio d'El-Rei D.
Joaô
"380 Historia GERAL `
Ers vulg. Joaõ III. , dizendo com elle : Final-
“mente efte Rei afim nas coufas da paz,
como nas da guerra, foi Principe ad-
miravel , naícido para beneficio dos
“homens, amparo dos humildes, e ef-
tranhos , verdadeiro confervador. do
Culto Divino, e Propugnador da Reti-
giaô Catholica. - |
FIM.